Crise no poder

Os desafios para vencer a corrupção no Brasil

Além da associações entre riqueza e poder, especialistas apontam fragilidades no sistema político e no controle social

Editoria de Política
Cadastrado por
Editoria de Política
Publicado em 28/05/2017 às 23:21
Leitura:

Suborno, caixa dois, mesadas em troca de isenções e vantagens em contrato ... A corrupção no Brasil, mostrada sob diversos ângulos na Operação Lava Jato e nas recentes delações de executivos da Odebrecht e da JBS,  desafia e intriga. Embora os mecanismos de combate tenham crescido nos últimos 20 anos, com leis e novas estruturas, a prática de tirar vantagem desviando dinheiro público nem sempre tem resultado numa punição ágil. Numa sociedade que passou a gritar por transparência e ética na política, mas tem dificuldade para escolher seus representantes, cientistas políticos, sociólogos, membros de órgãos de controle e ativistas alertam para questões fundamentais. Acreditam que essa forma de tirar vantagem tem relação com a associação da concentração de riqueza com o poder, com as falhas do sistema político e com a fragilidade de instituições e do controle social exercido diretamente pelo povo.

Aprimorar a transparência sobre gastos e incentivos fiscais, menos indicação política nos órgãos de controle e uma atuação integrada deles são algumas das medidas sugeridas para diminuir a corrupção, assim como uma maior responsabilidade dos eleitores na escolha e acompanhamento dos políticos.
“Um dos motivos mais relevantes para a perpetuação e aperfeiçoamento da corrupção liga-se ao tipo de relação que se estabelece entre a esfera econômica e a política. Há, no Brasil, como dizia Raymundo Faoro (escritor do século passado, autor da clássica obra Os donos do poder, um capitalismo inteiramente dependente do Estado. A riqueza, o lucro e a concentração da renda e do poder se dá quase sempre às custas do Estado”, diz a professora de Sociologia na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, membro da Rede Iberoamericana para o Estudo de Políticas Sociais na América Latina. Estudiosa da democracia, ela diz que “o real motivo da corrupção é a extrema concentração de riqueza e de poder que gira sempre no sentido de manter um tipo de economia e de prática política conjugados para a realização de interesses de políticos, de empresários e de alguns funcionários públicos e privados”.
“O Estado foi capturado pelo mercado, foi privatizado”, completa o cientista político Uriban Xavier, da Universidade Federal do Ceará. A mostra disso seria a criação até de departamento de propina nas empresas que financiam políticos e se beneficiam de contratos com o governo. “As empresas financiam campanha, compram horário de partidos para agregar políticos, editam medida provisória, elaboram projeto de lei em benefício também dos seus interesses e têm poder para indicar pessoas para cargos estratégicos”, compara. Assim ganham isenções, licitações e outras facilidades, completa. Ele também cita Raymundo Faoro para dizer que esse estado de dominação há muito tempo foi constatado. Faoro, autor do livro Os Donos do Poder, viveu no século passado, foi jurista e escritor, um estudioso dos fenômenos sociais e políticos. Na obra fala de patrimonialismo, que vem do colonialismo.
O Brasil não seria o único a sofrer do mal, embora esteja no ranking dos mais corruptos, segundo o Fórum Econômico Mundial. “Talvez um lugar totalmente livre da corrupção não exista. O que interessa é entender quais são, para utilizar uma expressão de Celso Furtado, os parâmetros estruturais, como concentração de renda, de poder, de riqueza, de patrimônio, que servem como bloqueios para a diminuição da corrupção”, completa a socióloga Maira José de Rezende. Como os procedimentos favorecedores das práticas corruptas tendem a sobreviver, diminuir a corrupção, no Brasil, parece muito difícil na opinião de Maria José. “Será um desafio que tende a durar décadas. O que só será possível se iniciarmos, o quanto antes, uma caminhada nesse sentido. A corrupção deve ser pensada como assentada, primordialmente, em procedimentos daqueles segmentos que possuem acesso às condições de mando e decisão”.
Para Manoel Galdino, da ONG Transparência Brasil, que deve divulgar nos próximos dias um levantamento das doações da JBS aos políticos na campanha eleitoral de 2014, os fatos que vieram à tona nos últimos anos são frutos de avanços na legislação e na estrutura de controle criada no País, como a Controladoria Geral da União e o Conselho de Controle das Atividades Financeiras. A lei que pune a lavagem de dinheiro e a proibição ao financiamento de campanha por pessoa jurídica também são pontos positivos. Paradoxalmente os últimos governos, que investiram nas novas estruturas, também são citados nos escândalos. “Por isso, é importante pensar que não precisamos zerar o sistema político brasileiro, mas avançar, melhorar o controle e pensar no futuro”, observa. Galdino defende maior transparência nos dados fiscais[TEXTO] [/TEXTO]– para que o cidadão possa saber, por exemplo, que empresas têm isenções e recebem empréstimo de bancos estatais – , reforma política e maior independência dos tribunais de contas. No ano passado, uma análise feita pela Transparência Brasil detectou alta indicação política na composição dos tribunais de contas. Uma imprensa livre e um cidadão que se prepara para fazer suas escolhas também são fundamentais, diz.
O advogado Luiz Flávio Gomes, que lidera o movimento Por Um Brasil Ético e lançou esta semana, em São Paulo, o livro O jogo sujo da corrupção, as instituições no Brasil ainda “funcionam mal e a impunidade é muito grande”. Para ele, a reforma política é urgente, mas não tem condições de ser feita pelo Congresso atual. Também defende autonomia dos órgãos de controle, incluindo tribunais de contas e Supremo Tribunal Federal. “A proximidade interfere”. Ele lembra que não basta apoiar a Lava Jato, é preciso que o eleitor deixe de votar nos corruptos.

Democracia é fiscalizar os políticos, defende cientista


Para Elton Gomes, cientista político e professor da Faculdade Damas, no Recife, o brasileiro “até se empolga com a eleição, quem vai perder, quem vai ganhar, mas não se dá conta que é preciso viver a democracia, acompanhar seus representantes, saber quais as funções do Judiciários, do Executivo, o que faz o legislador, qual o papel do Tribunal de Contas. “Uma República se faz com republicanos”. Para ele, a educação é fundamental. “Mas a população foi submetida a esse extermínio intelectual que destrói a consciência crítica e transforma a todos em massa de manobra, à espera de um pai, salvador da Pátria, messias político que esteja pronto a resgatar todos de uma situação de crise, seja FHC, Lula, Dória, Bolsonaro”.
Para Gomes, o messianismo político (crença de que é preciso um novo messias para levar o País ao apogeu) tem a ver com a falta de cultura cívica e cidadania adequadas. “Os dois grandes problemas do Brasil são a baixa meritocracia e a alta tolerância ao desvio. Essas duas coisas operam uma catástrofe na nossa vida pública. O que é bom não é reconhecido por ser bom e cumprir a lei, enquanto, sobre aquele que é ruim, a gente diz rouba, mas faz”.

Últimas notícias