Comportamento

Os românticos do Recife do século 19

A história de homens e mulheres que viveram suas paixões ao extremo

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 31/05/2015 às 8:43
Foto: Guga Matos/JC Imagem
A história de homens e mulheres que viveram suas paixões ao extremo - FOTO: Foto: Guga Matos/JC Imagem
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O português João José Rodrigues Mendes (1827-1893) tinha o título de barão e era um próspero comerciante de bacalhau no Recife do século 19. Mas é um detalhe da vida pessoal dele que serviu de inspiração para esta matéria. A história começou quando a antropóloga Fátima Quintas falava sobre o casarão onde ele vivia com a esposa, Eugênia Francisca da Costa, e que hoje funciona como sede da Academia Pernambucana de Letras (APL), na Avenida Rui Barbosa, nas Graças, bairro da Zona Norte.

Rodrigues Mendes comprou a propriedade, um sítio à época, por volta de 1870, e reformou a casa inteira. A fachada foi coberta com azulejos portugueses, o piso revestido com mosaico inglês, a sala de jantar mobiliada com móveis de carvalho da Áustria, os cômodos iluminados com lustres da França e as paredes decoradas com desenhos do pintor francês Eugéne Lassailly. “Ficou uma beleza de solar, mais nobre que a vivenda que ele havia comprado”, dizia, entusiasmada.

Quando a esposa morreu, em 1878, Rodrigues Mendes entregou o palacete à filha e se mudou para uma construção no quintal da casa, o torreão que servia de apoio para a caixa d’água da família. “Ele preparou um quarto de viúvo, pintou nas paredes a história do bacalhau, da pesca à comercialização, e ali viveu até morrer”, relata Fátima Quintas, presidente da APL.

“Era um romântico”, brinquei. E inspirada na história do barão, fui à procura dos românticos do século 19 e dos dias atuais. De pronto, lembrei do general José Ignácio de Abreu e Lima (1794-1869), que disputou a namorada num duelo de espada, perdeu e morreu solteiro. “Abreu e Lima foi fiel ao amor da vida dele”, diz o historiador Paulo Santos, que pesquisou a vida do general.

O duelo aconteceu quando ele participou com Simon Bolívar das guerras de independência da Venezuela e da Colômbia. A moça disputada era uma sobrinha de Bolívar. “Abreu e Lima, com seus olhos azuis, era galante e foi muito romântico na época em que frequentava a sociedade recifense. Namorou várias moçoilas e nunca levou um relacionamento até o fim”, observa a romancista Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque.

No Recife do século 19, diz ela, romântico de verdade mesmo era Antônio Peregrino Maciel Monteiro. Médico, deputado, embaixador e ministro, escrevia poemas dedicados às mulheres. “Foi amante perpétuo de atrizes europeias de passagem pela cidade. Casou uma vez, não deu certo e dedicou-se às conquistas. Não abriu mão da liberdade de namorar”, revela a pesquisadora.

“Dizem as más línguas que Antônio Peregrino tinha calo no dedos de tanto alisar a seda (roupa) das senhoras”, confidencia Reinaldo Carneiro Leão, pesquisador do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. “Ele dedicou à amiga Anunciada Camila Alves da Silva seu poema mais famoso, Formosa”, diz Reinaldo.

Maria Cristina aponta outro romântico: José da Natividade Saldanha, filho de padre, neto do cônego de Olinda (Saldanha Marinho), mulato poeta, tocador de rabeca e advogado, que morreu soterrado num deslizamento de terra, em Bogotá, aos 33 anos, em 1830, diabético e alcoólatra.

Na juventude, estudou no Seminário de Olinda. E virou um revolucionário romântico nas posições políticas. “Escrevia poemas de cortar o coração e levou o romantismo ao extremo. Nunca se casou. Só uma mulher branca iria satisfazer seu intelecto, mas uma mulher branca não casaria com um mulato. Natividade teve uma vida de revolução, música, poesia e melancolia, muita melancolia. Quer algo mais romântico que isso?”, indaga Maria Cristina, que escreveu sobre a vida do poeta no livro O seminário (Editora Bagaço).

Mais romântico que isso, só morrer de amor. E foi exatamente o que fez a jovem Laura, nascida no fim do século 19, que se apaixonou por um rapaz pobre, foi proibida pela família de levar o namoro adiante e suicidou-se no início do século 20, diz a pesquisadora Luzilá Gonçalves Ferreira.

A Igreja Católica negou a Laura os rituais do sepultamento cristão. “Duas poetisas, numa ousadia, se rebelam contra a Igreja, publicam poemas dizendo que a menina vai direto para o céu, porque era um anjo, pura, inocente e seu único defeito foi amar”, diz Luzilá, citando as poetas Santina Potiguaré e Virgínia Antero Furtado, que escreviam para o Almanaque de Pernambuco.

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