
Se os ideais da Revolução Francesa e as lutas libertárias pernambucanas forjaram os românticos no Século das Luzes, o que move os românticos no século 21? O amor, a compreensão, a palavra amiga e o cuidado com o outro no dia a dia, afirmam a dona de casa Maria da Conceição Carvalho e o casal Edir e Sônia Peres.
Para o antropólogo Renato Athias, professor da Universidade Federal de Pernambuco, não há diferença fundamental entre os românticos do passado e dos dias atuais. “Uma pessoa romântica perpassa o tempo. Talvez as palavras possam sofrer mudanças, mas as emoções e os sentimentos serão os mesmos”, responde o pesquisador, por e-mail, enquanto aguardava um trem na estação de Toulouse, na França, com destino à romântica Paris.
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Verdade, Renato Athias. No século 19, Natividade Saldanha e Antônio Peregrino encarnaram o romantismo nos poemas. Hoje, o economista Edir Pinto Peres, 74 anos, se expressa com flores. Há 47 anos ele presenteia a mulher com uma rosa vermelha em todo aniversário de casamento, no mês de dezembro. Começou com uma rosa, em 1968. E resolveu acrescentar outra a cada ano.
Em 2015 serão 48 rosas vermelhas, quatro brancas ou amarelas representando os filhos e mais quatro de outra cor, simbolizando os netos. Sempre acompanhadas de um cartão. “Ele é especialista em escrever mensagens”, revela a companheira e jornalista aposentada Sônia Peres. Nos 25 anos de casamento Edir surpreendeu a mulher com 25 presentes.
Com a ajuda dos filhos e da empregada doméstica, os presentes brotavam em vários cantos da casa, de uma em uma hora. “Pedi para eles colocarem em lugares diferentes, no quarto, no banheiro, na sala, na cozinha”, recorda. Cada pacotinho trazia um cartão recordando um fato importante para eles, ano a ano.
“O primeiro cartão lembrava o casamento, em 1967. O segundo, destacava o nascimento da nossa filha Jaqueline, em 1968. O cartão para 1970 citava o nascimento de Sérgio, nosso único filho homem”, compartilha Sônia. Eles se conheceram na Universidade Católica de Pernambuco. Edir era presidente do DCE, bonito e simpático, diz ela.
Conversa vai conversa vem, chamou Sônia para jantar. “Na mesma noite me declarei, com uma poesia de Humberto de Campos (jornalista, político e poeta, 1886-1934)”, diz Edir, repetindo durante a entrevista os versos que encantaram a moça. “Foi a primeira cantada. Saímos de mãos dadas do restaurante. Aliás, ele adora beijar a mão de todas as mulheres, faz isso sempre”, entrega Sônia.
Uma pessoa romântica perpassa o tempo. Talvez as palavras possam sofrer mudanças, mas as emoções e os sentimentos serão os mesmos
diz o antropólogo da UFPE Renato Athias
Enquanto Edir recorre às flores, Maria da Conceição Carvalho, 76, descobriu o poder dos chocolates. A romântica do século 21 é casada há 55 anos e conquista o marido todos os dias com docinhos no chinelo. Basta João Carvalho, 82, cochilar depois do almoço, para ela botar o mimo debaixo da rede. “Só uma vez ele pisou em cima, sem querer”, diz, sorrindo.
“Também escondo sob a xícara, na hora da refeição. E, mesmo sendo diabética, preparo um bolo para ele toda sexta-feira. Escrevo cartão no Dia dos Namorados e faço surpresas na data do aniversário. Eu sou romântica e vou morrer assim. Mas não continuaria dessa forma, por tantos anos, se não houvesse reciprocidade”, diz Conceição. “Ele foi meu primeiro namoro sério e meu grande amor.”
O romântico, continua Renato Athias, é aquele que cuida profundamente de seus sentimentos para com outra pessoa. “Em seu livro Amour, poésie, sagesse Edgar Morin (sociólogo e filósofo francês) diz que o amor não é redutível a libido simplesmente ou a um sentimento romântico sui generis. Ele assinala como sendo emoções complexas, uma alquimia de impulsos muito enraizadas: ‘Semelhante a um elixir, o amor forma uma nova mistura, com seu próprio sabor, irredutíveis à de seus ingredientes’”, envia, da Estação de Toulouse.
Do aprazível bairro recifense do Poço da Panela, Luzilá Ferreira declara que ser romântico “é uma atitude diante da vida, um desejo de ser bom e de servir.” Sejamos, pois, românticos.