Eu não sei vocês, mas uma coisa que muito aprecio é olhar a casa dos outros. Não para bisbilhotar a vida alheia e, sim, para descobrir a história por trás das edificações. A Rua Benfica, na Madalena, bairro da Zona Oeste do Recife, cabe perfeitamente nesse contexto, com seus palacetes bem ao gosto da nobreza pernambucana do século 19.
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Os casarões de portões de ferro, quintais generosos e fachadas simétricas típicas da arquitetura neoclássica surgiram com o loteamento das terras do Engenho da Madalena, a partir de 1850. “Eram os grandes sítios onde as famílias ricas veraneavam, às margens do Rio Capibaribe”, ensina o arquiteto José Luiz Mota Menezes, pesquisador da evolução urbana do Recife.
Com o parcelamento do Engenho da Madalena (depois o da Torre, Casa Forte e Dois Irmãos), os primeiros sobrados foram construídos no trecho entre o Sport Club e a Ponte da Torre. Todos voltados para o rio e guarnecidos de um cais, as garagens do século 19. “A rua de trás era secundária, o caminho das casas era o Capibaribe, num sistema de navegação por canoas”, conta.
Os moradores dos casarões da Madalena – usineiros, senhores de engenho – tinham prestígio na sociedade. “A água do Prata era desviada para atendê-los antes de chegar ao chafariz de uso coletivo no Centro”, diz José Luiz. Em 1859, quando Dom Pedro II (1825-1891) visitou o Nordeste brasileiro, a imperatriz Tereza Cristina (1822-1889) ficou hospedada na casa onde hoje funciona o Batalhão Mathias de Albuquerque.
Por causa da hóspede ilustre, o portão do prédio ostentava o brasão do imperador, continua o arquiteto. Os palacetes da Rua Benfica inauguram uma nova urbanização na cidade. “Até o século 18 o Recife só chegava às imediações da Igreja da Soledade. Passando daí, havia os engenhos de cana-de-açúcar. Com a transferência da atividade açucareira para o Sul e o Norte do Estado, acontece o loteamento das terras.”
Experimente ser turista por um dia na Benfica e descubra essa história do Recife nos sobrados da Madalena. Alguns têm placas na calçada com informações básicas sobre a edificação. Lendo uma delas você vai saber que o prédio do Colégio GGE, por exemplo, é o único na capital pernambucana em estilo sarraceno. A construção, diz a placa, foi feita por um moçárabe (definição para os cristãos ibéricos que viviam em território muçulmano) inspirado num castelo do Islã.
No começo do século 20, o casarão sarraceno de vidros coloridos nas portas azuis e fachada enfeitada com flores, losangos e figuras humanas, abrigava a Pensão Landy, um reduto de políticos. A antiga Escola de Belas Artes, fundada em 1933, funcionava no prédio de número 150 da Benfica. Hoje, é a sede da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe). Duas esculturas de leões, com a pata apoiada numa bola azul, dão as boas vindas, nos pilares do portão.
Leões também demarcam a escadaria de acesso ao Palacete da Benfica, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O casarão neoclássico, de propriedade de um senhor de engenho, virou casa de recepções, o Buffet Blue Angel. O estilo arquitetônico está estampado na simetria de portas e janelas, no frontão triangular da fachada e na platibanda, mureta que esconde o telhado e serve de apoio para jarros e esculturas.
Aproveite que esse trecho da rua é arborizado. Mas, se quiser esticar o passeio, siga pela Benfica, na direção da Avenida Caxangá. O charmoso prédio de número 715, de escadaria arredondada na fachada e sacada com gradil decorado no primeiro pavimento, era o Colégio Regina Pacis, uma escola feminina para famílias abastadas. Agora é uma agência do Banco do Brasil.
E andando mais um pouquinho você chega ao Sobrado da Madalena (o antigo Engenho da Madalena), na esquina da Benfica com a Caxangá, e que deu origem a essa história.