Cena Política

Questão da compra de canetas na Câmara do Recife é moral. E isso parece ser algo que os vereadores têm dificuldade pra entender

O que se espera de um revés é que ele ensine e esses episódios parecem não ensinar nada aos senhores e senhoras parlamentares.

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Igor Maciel

Publicado em 02/12/2021 às 13:24 | Atualizado em 02/12/2021 às 13:33
Análise
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A Câmara de Vereadores do Recife suspendeu a licitação pela qual iria comprar kits com canetas Crown Polaris, mochilas de couro legítimo e blocos de anotações em couro pelo custo de R$ 279 mil, depois que o assunto foi publicado na imprensa.

Mas, se a compra já era um absurdo monumental, o conteúdo da nota em que avisa sobre a desistência provoca ainda mais indignação.

O que se espera de um revés é que ele ensine e esses episódios parecem não ensinar nada aos senhores e senhoras parlamentares.

O texto é cheio de "apesares". Diz que "apesar de ser legal" ou, apesar de "estar tudo transparente", a Câmara resolveu suspender a licitação.

É como se um marido, poucos anos atrás quando a lei ainda era cúmplice, dissesse à esposa que não vai matá-la em defesa legítima da honra, "apesar de a lei permitir". Nada de "não vou matar porque é errado" ou "não vou matar porque você tem o seu direito à vida como qualquer ser humano".

O "apesar da lei" constrange o caráter humano de um erro admitido.

No caso do Recife, não é algo isolado.

Em julho, a Casa pretendia gastar R$ 2 milhões para comprar celulares novos.

De janeiro a agosto de 2021, gastou mais de R$ 200 mil em aluguel de escritórios para os edis.

Já em novembro, abriu licitação para gastar R$ 82 mil em "flores decorativas para solenidades".

Em 2017, ainda na legislatura anterior, a Câmara do Recife virou assunto em reportagem nacional quando os vereadores tentaram aumentar o auxílio alimentação, que já é de R$ 3 mil, para R$ 4,5 mil. Estávamos, então, no auge de uma crise econômica da qual ainda nem saímos.

A justificativa varia pouco e sempre acaba em "está dentro da lei".

Podemos citar várias coisas que já estiveram "dentro da lei", apesar de absurdas, como a guilhotina e a escravidão.

No caso da guilhotina, o instrumento era visto como "ferramenta rápida para uma morte humanizada". Uma forma bonita de se justificar o corte do pescoço de alguém.

Mas, não é apenas o aspecto formal que está em discussão. O aspecto moral, o mau exemplo dado por uma casa representativa como uma Câmara de Vereadores é a maior contribuição negativa de todos esses episódios.

Pernambuco é campeão de desemprego no Brasil. Recife tem uma péssima posição no ranking de desigualdade.

A casa do povo no Recife, afinal, é a casa de quem? Do sujeito desempregado que sofre para sustentar a família, pagar aluguel e colocar comida na mesa para os filhos, ou de quem gasta milhares de reais em canetas e instrumentos de couro legítimo?

Os vereadores e vereadoras tem o direito de usar a caneta, a bolsa, o bloco de anotações em couro ou o celular que acharem mais modernos e bonitos. Não há problema nenhum nisso. Desde que o façam com seus salários.

Hoje, cada um recebe R$ 18,9 mil todo mês, sem contar todos os auxílios de gabinete.

Fazer isso com o dinheiro do contribuinte, inclusive dos desempregados, que se sacrificam para comprar um quilo de feijão, excede a preocupação com qualquer limite legal. A questão é moral.

E preocupa muito que os representantes desse povo que os sustenta não entendam isso.

Às vezes o "advogado" precisa descansar e o homem precisa ser guiado pela consciência básica e empática. E é só isso.

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