Lula e o PT terão que mudar muito nos próximos meses. E quem os conhece sabe que isso não é algo fácil. A última vez que esse grupo assumiu o governo, recebendo a estrutura das mãos de um adversário, foi em 2003.
Há exatos 20 anos, o Brasil era diferente, o mundo era diferente e o antecessor, embora adversário, era diferente. A economia estava melhor arrumada, o planeta estava crescendo, não havia uma guerra significativa acontecendo e a população era mais maleável.
Lembro uma cantora famosa que costuma dizer que começou cantando em barzinhos e é o melhor lugar para aprender, porque o público bebe e fica mais molinho, menos crítico.
A dureza dos últimos anos, inclusive nos governos do PT, deixou o brasileiro sóbrio demais para aguentar a conversa mole lulista que, já se sabe, aparece sempre que a situação é mais difícil do que ele vendeu inicialmente.
O presidente, muitas vezes, parece o vendedor que engraxa até os seus sapatos, enquanto lhe convence a comprar cuecas. Depois que você paga, ele some, não entrega o que vendeu e, se você reclamar, ele diz que acabou o tecido do mundo.
A conversa de “miolo de pote” que o presidente resolveu distribuir, de que o problema da humanidade é o Banco Central não obedecer a ele, mostra que o grupo hoje no poder não tinha muita ideia do que iria encontrar.
Em 2003, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) entregou um país organizado, já começando a sair da crise russa de 1998 e com perspectivas de crescimento no cenário mundial que já estava em plena recuperação.
Foi, talvez, pensando nisso que o Lula eleitoral prometeu “cerveja e picanha” para todos como símbolo de que os bons tempos estavam voltando.
Ele sabe que o sujeito que comprou quer receber a mercadoria e sabe que não será fácil de entregar. Por isso, começou a apontar para todos os lados. A independência do Banco Central foi só o início.
Na sequência, Lula apontou para “os ricos”, como se houvesse um tipo de associação do mal formada por pessoas inescrupulosas que querem que os pobres morram de fome, uma caracterização rocambolesca que ficou brega até em novela da Globo há muitos anos.
Sempre que Lula ameaça não dar certo, aponta para as “elites inimigas do proletariado”. Esta, uma caracterização do século 19.
A verdade é que não tem como colocar picanha e cerveja na mesa do povo se for necessário seguir as regras que evitam quebrar o país no médio e longo prazo.
E, sabendo disso, Lula já está construindo uma desculpa que possa manter sua popularidade para quando o eleitor, e a opinião pública, limparem a vista.
Toda essa discussão sobre o Banco Central é pra ficar de desculpa quando passar o período do encantamento, e voltarmos a ver histórias sobre gente na fila do osso.
O mais curioso é que, tal como se o discurso de Lula contra o Banco Central fosse uma convocatória, todos os ministros mais à esquerda e deputados mais chegados começaram a repetir as mesmas frases, alguns que nem devem saber o que estão defendendo.
Engana-se quem pensa que existe apenas má conduta ou ausência de conduta entre os parlamentares brasileiros. Existem os ignorantes também. A democracia tem seu ônus e parte dele é permitir o acesso da ignorância ao poder.
A ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos (PCdoB), aproveitou a fala de Lula e fez discurso contra a independência do Banco Central também.
Do nada, enquanto falava para um público seleto e saudava representantes dos partidos comunistas e socialistas do Chile e da Venezuela durante a bienal da UNE, a pernambucana resolveu partir pra cima do Banco Central.
Disse que os juros precisam baixar e que isso teria que ser "garantido nas ruas".
Na mesma receita do chefe, talvez tenha sido a alternativa que encontrou para justificar a promessa que fez de que iria "aumentar o valor das bolsas pagas aos pós-graduandos". O que até agora não foi feito.
Para cada promessa que não se sabe ainda como cumprir, haverá um Banco Central para levar a culpa nesse governo?
E pensar que quando Bolsonaro (PL) usava uma pandemia e uma guerra como desculpa era criticado.
Talvez o problema sempre tenha sido o BC, mas só o PT pensou nisso.