O recado dado pelo parlamento brasileiro foi bem claro, então preste bastante atenção e não reclame para não acabar preso.
Apenas aprovando o texto do PL 2720/2023, com prisão para quem “discriminar políticos”, eles disseram assim: “nós, deputados federais, não temos qualquer interesse em enfrentar o contraditório, não queremos ser questionados, não queremos ser criticados. Você, cidadão brasileiro, deve se dirigir a nós apenas nas eleições, para dar seu voto e, se estivermos no exercício de algum cargo, ainda que nas eleições, meçam suas palavras. Não queremos ser pressionados, não queremos que vocês verbalizem qualquer tipo de indignação ou desacordo com nossas condutas”.
O que os deputados brasileiros fizeram na última quarta-feira (14), à noite, em regime de urgência para não ter que discutir e para tentar esconder da população o que estavam fazendo, serve apenas para mostrar o tamanho da falta de respeito que a classe política tem pelo eleitor.
E muitos podem até estar lendo isso agora e discordando veementemente. Muitos dos senhores, políticos, que lêem essa coluna todos os dias, devem estar agora repetindo mentalmente: “é um absurdo, eu respeito o eleitor e dependo dele para continuar meu trabalho”.
É verdade, e aqui é preciso fazer justiça com os parlamentares que colocam o eleitor na primazia de suas orações e ações diárias. Eles ainda existem.
Mas, respondam com sinceridade, até onde vai o respeito de todos vocês até pelo eleitor do qual seu mandato não depende? Até por aquele que exerce um direito tão fundamental da democracia como o de discordar?
O cidadão como unidade de voto é uma mercadoria valiosa dentro do processo político brasileiro, desde que não dê muito trabalho, desde que não tenha muita opinião, desde que não reclame demais.
Como toda mercadoria, o valor do “cidadão unidade de voto” está sujeito às determinações sazonais de oferta e procura. O valor é maior num determinado período, a cada dois anos, e depois vive momentos de queda brutal, principalmente se não votou em você, principalmente se estiver insatisfeito, principalmente se reclamar demais e estiver cobrando algo.
O problema é com o sistema político brasileiro, no qual o humor do eleitor só é importante a cada ida às urnas. Num sistema parlamentarista ou semipresidencialista, com o Congresso podendo ser dissolvido e a ida às urnas sendo algo possível a qualquer momento, os políticos acabam valorizando mais a opinião do eleitor para não serem pegos de surpresa com uma eleição fora do calendário, como está acontecendo agora na Espanha, por exemplo.
Manter a fidelidade dos apoiadores e acompanhar o que eles estão pensando é tarefa diária, nesses regimes, e não sazonal. Em sistemas assim, há maior estabilidade no valor dessa mercadoria chamada cidadão com opiniões. É preciso ouvir seus anseios todo dia, é preciso receber críticas todo dia. Enquanto isso, no Brasil, o cidadão com opiniões pode acabar preso, segundo o projeto de lei aprovado pelos deputados esta semana.
É o caso de se voltar a discutir parlamentarismo no Brasil? Talvez. Embora muitos digam que é tarefa jurídica impossível por causa do plebiscito realizado no início dos anos 1990.
Mas é preciso discutir uma Reforma Política legítima no Brasil, com urgência, ou caminharemos para rupturas sociais muito graves num futuro próximo. Isso, e não "punição a quem faz crítica", é que deveria estar na pauta prioritária do Congresso. E não está.
Não estamos falando aqui de ataques e xingamentos, de agressões, porque estas já são tipificadas como crime, não precisam de novo projeto para defini-los.
O que este projeto de lei, aprovado pelos deputados com 252 votos, faz é reinserir a Injúria, já tipificada no Artigo 140 do Código Penal, em uma nova perspectiva, esta exclusiva dos políticos, seus assessores e até familiares, que não podem ser “discriminados” também, sob pena de prisão por até quatro anos.
E tudo isso foi construído sobre um texto pobre, quase genérico. Uma aberração, aprovada em regime de urgência, sem aprofundamento.
O artigo que fala sobre isso é o quarto da possível lei. Diz ele que é crime ”injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, somente em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou que figure na posição de parte ré de processo judicial em curso ou por ter decisão de condenação sem trânsito em julgado proferida em seu desfavor. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.
E a mente por trás da ideia de prender quem ofender políticos é ninguém menos que Dani Cunha (UB-RJ). O sobrenome não nega, ela é filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, condenado e preso por corrupção.
Seria só um Projeto de Lei caricato, sem qualquer lógica dentro de um Estado Democrático de Direito, não fosse ter sido aprovado por 252 deputados federais.
Chamou a atenção a quantidade de votos que o PT deu ao Projeto de Lei que pode levar quem critica políticos à prisão. Quase 20% dos votos que aprovaram o texto vieram de mandatos petistas.
Dos deputados Pernambucanos, Clarissa Tércio (PP), Clodoaldo Magalhães (PV), Coronel Meira (PL), Luciano Bivar (União), Maria Arraes (Solidariedade), Mendonça Filho (União), Pastor Eurico (PL), Renildo Calheiros (PCdoB) e Túlio Gadelha (Rede) foram os únicos a votar contra o texto que pune com prisão quem criticar políticos.
Iza Arruda (MDB), André Ferreira (PL) e Pedro Campos (PSB) não estavam presentes. Os outros 13 deputados da bancada do estado votaram para aprovar o Projeto.