A necessidade de habilidade política para Roberto Campos Neto no Banco Central

Confira a coluna Cena Política desta sexta-feira (23)
Igor Maciel
Publicado em 22/06/2023 às 20:00
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto Foto: NE10


Para começo de conversa, o Banco Central está correto quando mantém a taxa de juros em 13,75%. Mas a nota do Comitê de Política Monetária não ter feito nenhuma sinalização de que as coisas estão melhorando, minimamente, soou para a classe política como um desafio, por causa das cobranças constantes e tentativas de interferência que o BC vem sofrendo.

Para muitos, é como se Roberto Campos Neto estivesse fazendo questão de provocar os petistas que o criticam todos os dias.

O problema de ter poder para decidir é acreditar que não precisa mais dialogar com ninguém antes de tomar uma decisão. O problema da autonomia é a sensação empoderada de que qualquer questionamento soa como sacrilégio. Toda autonomia que se torna reativa e perde o comedimento precipita o próprio fim.

E aqui não se trata de buscar apoio intelectual, técnico, econômico, para referendar as decisões. Isso existe e se sabe que o presidente do BC não toma decisões sozinhos. O próprio Copom é formado por oito membros, alguns indicados pelo próprio governo federal.

Basta passar o olho por algumas notícias publicadas após o resultado da reunião do Copom para perceber que a decisão de manter a taxa em 13,75% é técnica e apoiada em critérios muito objetivos. Quem concordou imediatamente, por sinal, foi Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central em um governo Lula (PT) anterior, quando o BC não era autônomo.

Meirelles, por não ter autonomia, precisava negociar tudo e assim o fez de 2003 até 2011. Claro que o ambiente econômico internacional estava em recuperação e ajudou muito. Mas as coisas funcionaram. O problema é que os Meirelles do mundo, com habilidade política e qualidade técnica, são raros.

Por isso a autonomia do Banco Central é uma das maiores conquistas dos últimos anos e um dos maiores legados do governo Bolsonaro. A imagem da economia brasileira sempre esteve muito ligada à instabilidade por causa da influência política que a área financeira sofre. Você investia no país com uma realidade financeira e todos os fatores mudavam quando mudava governo. O Banco Central autônomo é essencial para a credibilidade do país.

Mas não se pode abusar. Ainda mais com governos de tendência populista, sejam eles de esquerda ou de direita. Populistas costumam funcionar de acordo com seus próprios interesses, ancorados em apoio político que depende de aceitação pública constante para manter a administração cada vez mais centralizada e personalista.

Ter  alguma autonomia, como tem o BC, numa gestão conduzida por pessoas assim, é quase um ultraje. Não é por acaso que Lula e outros nomes do PT se revoltam com Roberto Campos Neto. Veem o poder dele como ofensivo, todos os dias. “Quem ele pensa que é para não fazer o que eu mando?”.

Se fosse um outro Luiz, um Luís XIV, o presidente brasileiro diria: “Je suis la Loi, Je suis l'Etat; l'Etat c'est moi” (Eu sou a lei; eu sou o Estado; o Estado sou eu). Foi numa crise com o parlamento que o impaciente rei francês discursou essas três pequenas frases e encerrou todas as discussões do momento, deixando claro que toda liberdade política do país era aceita, desde que essa tal de autonomia estivesse ajoelhada diante do trono ao fim do dia.

Não estamos em 1655, nem num regime monárquico absolutista, o que dificulta um pouco as aspirações petistas, mas existem meios para derrubar a autonomia do Banco Central, usando o Congresso Nacional. Basta que o presidente populista seja extremamente popular e consiga fazer com que os integrantes da atual legislatura se ajoelhem diante dele.

Roberto Campos Neto deveria ficar atento às necessidades da política que vão além dos critérios técnicos para sinalizar horizontes mais amistosos. Habilidade política é necessária para resistir. O Congresso é conservador e liberal hoje, pode não ser amanhã.

E o perigo não é derrubarem o atual presidente do Banco Central. Isso parece estar fora de cogitação. Ele vai terminar o mandato em 2024 e os petistas vão indicar alguém da preferência deles depois. O problema são os próximos. Uma primeira experiência conflituosa, excessivamente rígida do ponto de vista da negociação entre BC e Executivo pode fazer com que Campos Neto seja o primeiro e o último presidente autônomo do Banco Central.

Se isso acontecer todos perdem.

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