Cena Política

A banalidade do mal e a regulação das redes sociais no Brasil

Confira a coluna Cena Política deste domingo (19)

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Cadastrado por

Igor Maciel

Publicado em 18/05/2024 às 20:00
Análise

A prática da maldade pode ser dividida em níveis gradativos que vão da ingenuidade ao mal considerado diabólico. E, por incrível que pareça, em alguns casos, o mais alto nível de maldade, o diabólico, não envolve raiva, ódio, não tem base passional em desequilíbrio radical como se imagina. Ele é aparentemente banal, apenas isso. Hannah Arendt, que desenvolveu o conceito de banalidade do mal a partir da observação do julgamento de um nazista, percebeu que, como resultado da massificação da sociedade, criou-se uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais. Elas aceitavam e cumpriam ordens sem questionar.

Banal

O nazista em julgamento na época, Adolf Eichmann, um dos principais responsáveis pelo genocídio dos judeus, não é retratado por Hannah Arendt como um monstro, mas apenas como um “funcionário zeloso” que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu. Para a escritora, ele tinha uma personalidade vulgar, não mostrando qualquer culpa, mas também nenhum ódio. Era um “homem banal”, como qualquer outro.

Até os pacatos

A ideia que traz Hannah Arendt é assustadora para uma sociedade que costuma julgar os autores limitados pelas suas obras. Se um humano qualquer, que não se comporta como um monstro, pode cometer maldades diabólicas, significa que, seguindo ordens equivocadas ou baseado em informações erradas, apoiado em discursos que não levam em conta o respeito à humanidade, qualquer um, qualquer um mesmo, pode cometer essas maldades extremas. Até o mais pacato dos cidadãos

Consciência

Na época de Eichmann, a patente militar que o obrigava a ser obediente à liderança da época e o discurso totalitário massificado o transformaram em alguém capaz de cometer as piores atrocidades, enquanto ele acreditava que estava apenas cumprindo ordens e construindo um bom futuro para a humanidade. Ninguém pode dizer que o nazista em questão era inocente, ninguém pode dizer que ele não sabia o que estava fazendo, mas se tratava de uma pessoa educada, extremamente cortês, que foi incapaz de pesar seus atos com humanidade e usar a consciência crítica para saber em que medida era preciso deixar de seguir as ordens que lhe eram impostas.

Humanidade

Condenado, ele foi enforcado, em 1962, acreditando que havia lutado por um “mundo melhor”. A pessoa capaz de cometer os atos mais desumanos pode ir até o fim da vida acreditando que trabalhava pelo desenvolvimento da humanidade, quando não se conduz por consciência crítica, educação humanista e respeito pelo próximo, independente de este próximo não concordar com as mesmas ideias de mundo que possuímos.

Todos
Eis a questão: se o mal é banal, pode nos alcançar e nos tomar como hospedeiros por meio de discursos populistas, nos fazendo defender os maiores absurdos e atrocidades em nome de “conquistas” que nem somos capazes de entender. A justificativa que esses discursos massivos perigosos nos dão é a de que “os fins justificam os meios” e, assim, tem gente capaz de defender ditaduras, assassinatos, supressão de direitos, massacres religiosos e até o extermínio de sociedades inteiras, “pensando no bem comum”.

Vacina

A única vacina que temos é consciência crítica. Hoje, as redes sociais têm se transformado em canal amplo para os discursos massivos que automatizam e desumanizam ações. Discursos ideológicos, mesmo que não tenham fundamento lógico e histórico, podem fazer pessoas invadirem as sedes dos três poderes, quebrar tudo, defecar sobre as mesas, literalmente, acreditando que estão defendendo a democracia e protegendo o futuro dos netos com aqueles atos.

Lógica

A ausência de consciência crítica e educação humanista pode fazer com que os habitantes de um país em guerra apoiem a morte de civis inimigos, porque aquilo é “necessário” para a paz, pode fazer com que se defenda a morte de bandidos para baixar os índices de violência. Como se fosse possível alcançar o silêncio fazendo barulho.

Pergunta

Se eu quiser menos barulho, então vou gritar? Lógica não tem. Mas quando não há capacidade para raciocinar sobre nossas ações é possível que a lógica importe pouco ou nada. E, depois, acabamos soterrados em consequências. Agora, quando novamente se utilizam as fake news sobre o Rio Grande do Sul como justificativa para retomar o debate regulatório do setor de mídias sociais, uma pergunta importante: é mais efetivo e seguro garantir educação crítica e humanista para que todos saibam avaliar o que lêem, assistem e escutam na internet ou o caminho é, realmente, implantar mecanismos que se aproximam de censura prévia, como alguns que já foram sugeridos nas propostas de regulação das mídias?

Dá trabalho

O leitor deve estar pensando agora na resposta e imaginando o quanto é bem mais difícil educar as pessoas o suficiente para que elas tenham consciência crítica. Além disso, o tempo que demora para que uma educação geradora de consciência e humanidade dê resultado é bem maior. Mas, atenção, a pergunta do parágrafo anterior não foi sobre o que era mais fácil. A pergunta é sobre o que é mais “efetivo e seguro”. Soluções fáceis e de rápido resultado são elementos comuns em ditaduras. Nas democracias é preciso acordar mais cedo e dormir mais tarde de domingo a domingo, trabalhando muito entre uma coisa e outra. Democracias são trabalhosas, mas ainda não inventaram nada melhor.

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