Cena Política

Sobre o projeto do aborto e como é fácil emparedar um populista

O problema dos populistas é que, cheios de si, demoram para perceber quando estão em desvantagem. Quando dão pela realidade já afundaram.

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Cadastrado por

Igor Maciel

Publicado em 15/06/2024 às 20:00
Análise

Quando a sua opinião num tema que ataca a lógica e a humanidade depende da média de opiniões das pessoas ao seu redor, você não tem opinião. Você tem uma séria falha de caráter.

O governo Lula, pensativo sobre a necessidade de agradar a bancada evangélica na Câmara, evitou enfrentar o Projeto de Lei que pode fazer uma mulher ser presa por 20 anos caso realize um aborto, mesmo que tenha sido estuprada. A pena, como já se falou em várias ocasiões, é maior do que a que está registrada no Código Penal para o próprio estupro.

Somente depois que a repercussão negativa cresceu, mulheres foram às ruas protestar, atrizes e influencers fizeram inúmeras postagens, o PT e o governo começaram a fazer críticas ao texto.

Silencio dos inocentes

Lula (PT), inclusive, havia silenciado sobre o tema até o sábado (14), quando finalmente declarou que o Projeto era uma “insanidade”.

Na Câmara, quando o projeto foi colocado em pauta, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a questão “não é matéria de interesse do governo”. Lavou as mãos. Nos bastidores, a orientação foi de que os partidos da base não se opusessem ao projeto e aderissem à votação simbólica. Foi o que aconteceu.

O governo e o PT foram coniventes.

Vaidade populista

Só quando o caldo entornou e a opinião pública ficou contra, é que o partido se manifestou com o histrionismo habitual. A opinião do governo e do PT, num tema tão absurdo, só apareceu depois que o problema cresceu.

É o mal de ser governado por populistas, sejam de esquerda ou direita. Populistas são reféns de sua própria vaidade. E a vaidade dos populistas é a popularidade.

É fácil desestabilizar um governo populista, como foi o de Bolsonaro (PL) e como é o de Lula. Basta colocá-los em encruzilhadas nas quais qualquer decisão traz consequências de impopularidade.

Evangélicos

Para entender o parágrafo anterior, no caso do governo Lula, é preciso saber que o presidente anda muito preocupado com os índices de popularidade das pesquisas. Numa análise aprofundada, os marqueteiros petistas apontaram que ele precisava se aproximar do público evangélico, que o rejeita por causa da influência do bolsonarismo.

Lula começou a fazer isso, acionou todos os seus auxiliares evangélicos no governo, fez reuniões, destinou emendas à bancada religiosa. Estava indo bem.

Aí os bolsonaristas armaram a arapuca. E contaram com Arthur Lira (PP) para isso.

Política

O presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta viabilizar sua sucessão na Mesa Diretora da Casa. Para eleger seu candidato, precisa do apoio do maior número de deputados, inclusive os evangélicos, inclusive da bancada bolsonarista. Ele ajudou os parlamentares da direita a montar essa cena de olho na eleição que virá em fevereiro do ano que vem.

Para completar o caldeirão, Lira está chateado com o governo e com Lula, por causa da articulação ruim do Planalto com o Legislativo.

Resolveu-se então colocar, em regime de urgência, um “texto encruzilhada”.

O leitor e a leitora devem entender que, hoje, ser presidente da Câmara é mais importante do que era antes, porque agora passa muito dinheiro pelo cargo, verbas federais imensas. É muito melhor ser presidente da Câmara do que ser governador, por exemplo. Por isso a guerra pesada.

Encruzilhada

Pena para o aborto aumentada, prisão maior do que para um estuprador. Se Lula disser que é um absurdo, será acusado de ser a favor do aborto e perde o apoio dos evangélicos. Mas se disser que é a favor, perde popularidade entre as mulheres.

A armadilha bugou a cabeça de Lula e dos petistas. E por isso o governo lavou as mãos. Por isso, Lula e o PT silenciaram por quase 48h sem saber o que dizer.

Personalista

Se fosse um governo objetivo comprometido com o bom curso do país, não refém do populismo personalista, teria tentado bloquear a aprovação do regime de urgência ainda na Câmara e declarado, imediatamente, que aquilo era um absurdo. Não dois dias depois.

O problema dos populistas é que, cheios de si, demoram para perceber quando estão em desvantagem. Quando dão pela realidade já afundaram. E o perigo é quando levam o país a reboque.

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