Lula acordando tarde após um longo sono sobre os lençois da demagogia

Presidente está surpreso e estudando atitudes somente agora em situações gravíssimas que já não eram novidade para ninguém com olhar responsável.

Publicado em 23/07/2024 às 20:00

O genial Luis Fernando Veríssimo tem uma frase para quando lhe perguntam sobre inspiração para produzir livros. “Minha musa inspiradora é o meu prazo de entrega”, explica o escritor sempre que lhe questionam sobre o processo de trabalho.

O que há de ensinamento nisso? É que até para criar sonhos é preciso estar atento à realidade.

E é possível, claro, cultivar sonhos e viver alheio ao mundo real, só não dá para ser presidente da República ao mesmo tempo.

Explico a seguir.

Ignóbil

Há 18 meses o governo Lula vive um dilema entre gastar para construir um ambiente eleitoralmente propício ao PT ou cortar despesas para atender à realidade de um país que desperdiça dinheiro em seus ministérios com excesso de cargos e outras despesas, inclusive não republicanas.

Sempre que se tentou chamar atenção para o custo da máquina pública nos últimos meses, demagogicamente os petistas apelaram a uma falácia ignóbil afirmando que não se pode “economizar para melhorar a vida dos pobres”.

Viagens e viagens

Mas ninguém estava falando de cortar Bolsa Família ou qualquer outro benefício. Isso nunca seria necessário, caso o ajuste estivesse sendo feito desde o início. O problema são os gastos espalhados pelos 39 ministérios que a gestão obriga o pagador de impostos a sustentar.

Um exemplo é o Ministério dos Povos Indígenas, que chegou a gastar R$ 76 mil bancando viagens de um amigo pessoal da ministra Sônia Guajajara. Ao todo, a pasta da ministra já gastou mais de R$ 11 milhões, desde que foi criada, só com passagens e hospedagens.

Equestres

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho (UB), é outro que tem polêmicas com viagens. Ele já chegou a utilizar um avião da FAB para viajar de Brasília a São Paulo, onde participou de uma série de eventos equestres, incluindo leilões de cavalos. Ao solicitar o voo, segundo se divulgou em 2023, Juscelino classificou a viagem como "urgente".

Ele ainda recebeu diárias, como se estivesse em “agenda oficial” por todo o período.

Estrutura inchada

Somente com os salários pagos aos servidores públicos federais em todos os ministérios, gastam-se quase R$ 40 milhões por mês.

Estima-se que, ao fim dos quatro anos deste mandato, com o aumento no número de pastas promovido pelo presidente em janeiro de 2023, só as novas rubricas subirão o custo final aos cofres públicos em cerca de R$ 2 bilhões.

Nó de forca

Mas quando alguém reclamava disso, desde o início de 2023, Lula e os petistas mais graúdos respondiam que “os críticos queriam é cortar o Bolsa Família porque são ricos”. Quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) começou a falar em contingenciamento, quase foi implodido. Correligionários chegaram a dizer que "ele queria economizar exatamente quando o partido ia ter verba para investir no crescimento durante as eleições municipais".

O resultado é que, somente após um ano e meio, o governo aceitou a ideia de que o déficit deste ano será de R$ 28,8 bilhões e que, por ainda estarmos em julho, tudo pode piorar muito até dezembro.

A realidade se impôs e, agora, se não fechar a torneira dos gastadores em quase 40 ministérios, corre-se o risco de ter que cortar mesmo até BPC e Auxílio-doença.

Se há uma coisa certa nesse mundo é que a demagogia populista é uma mentira com nó de forca: quanto mais esticar, mais ela vai apertar. E o pescoço é sempre o nosso.

Nossa! Que surpresa!

O tropeço de cara na realidade não se deu apenas com os problemas internos brasileiros. Lula também parece ter sido acordado de um sono esquisito em relação a Nicolás Maduro e à Venezuela.

"Fiquei assustado com a declaração do Maduro dizendo que se ele perder as eleições vai ter um banho de sangue", afirmou em coletiva de imprensa há alguns dias.

É como se alguém ficasse surpreso com o holocausto e declarasse que está assustado com Hitler porque “ele não parecia ser disso”.

Ditadura relativizada

Maduro, o ditador venezuelano, comanda com o aparato estatal uma força militar que controla a população, uma estrutura judiciária que persegue opositores políticos e intelectuais, fechou veículos de imprensa, protege uma elite de suporte ideológico que usufrui do dinheiro público enquanto a população passa fome.

Tudo isso é noticiado, relatado por refugiados, muitos deles no Brasil. Mas o presidente Lula, que é amigo pessoal de Maduro, só conseguiu ficar assustado agora.

O que mudou?

O curioso é que essa preocupação lulista súbita vem às vésperas de uma eleição na qual o ditador da Venezuela já se livrou de dois candidatos da oposição que corriam o risco de vencê-lo, impedindo eles de concorrerem.

O susto de Lula talvez seja porque, dependendo do acontecido, o Brasil será obrigado pelos EUA a tomar uma atitude com o vizinho. Algo do tipo “resolva para que eu não tenha que ir aí”. Ou porque a cena de um “banho de sangue”, como advertiu o amigo Maduro caso perca, ficaria ruim para a imagem internacional do presidente brasileiro.

Prazo e pressa

Seja como for, algo de muito grave, como a realidade dura impossível de se relativizar, deve estar fazendo o presidente despertar do seu mundo. Um mundo de omissão disfarçada como idealismo bondoso que convence cada vez menos e será ainda mais cobrada num cenário de desajuste doméstico da América do Sul ou de crise econômica interna com déficit e inflação. Tudo faltando pouco mais de dois anos para a próxima eleição. Será que é isso?

Lembrando Luis Fernando Veríssimo, “a musa inspiradora de alguns é o prazo de entrega”.

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