Os debates no Recife e os limites entre tradição e inovação

Atual prefeito e favorito em pesquisas, João Campos se comprometeu durante as convenções a participar dos debates por valorizar a democracia

Publicado em 07/08/2024 às 20:00

Por causa da vantagem que tem na largada da campanha, muita gente acredita que João Campos (PSB) não teria necessidade de participar dos debates nas emissoras de TV e Rádio. Alguns candidatos adversários chegaram a desafiar o atual prefeito. E ele respondeu na convenção, sem titubear. “Eu valorizo a democracia, eu valorizo a participação. O debate é o contraditório. Eu jamais me furtarei de estar presente em debates”, tratou de garantir João.

Em outras campanhas, é comum ver candidatos com grande vantagem nas pesquisas ignorando os debates e, nesse período das convenções, usando frases truncadas sem qualquer comprometimento real, para na última hora alegar “falta de agenda”.

Garantindo que estará disponível para ser questionado e defender a própria gestão, o prefeito inova para o bem do agir democrático. Merece congratulações.

Ainda é necessário esperar que a prática encontre o discurso, porque o período de reuniões das equipes de campanha com as emissoras ainda mal começou, mas o comprometimento de Campos precisa ser destacado.

Fica ou sai?

Vencida esta questão, com a fala do próprio candidato do PSB, há outra questão que o prefeito certamente terá que responder. Em algum momento, ele poderá fazer o que fez o candidato à reeleição no Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), comprometendo-se a passar os quatro anos para os quais for eleito em um novo mandato como prefeito?

A comparação com Paes é adequada e justa, porque lá também houve a mesma discussão com o PT que existiu aqui. O atual prefeito do Rio é cotado para ser governador e queria colocar alguém de confiança como vice, não aceitou um petista e todos entenderam que era por ser candidato ao governo em 2026. Igual ao que se fala sobre João Campos.

Mas na primeira sabatina da qual participou como candidato, o gestor municipal da Cidade Maravilhosa, aliado de Lula (PT), garantiu que se for reeleito ficará até 2028 cuidando do Rio. Não deixará o cargo em menos de dois anos, como se cogitava.

Não responder é resposta

O candidato João Campos (PSB), no Recife, precisa ser claro e direto, como foi em relação aos debates, sobre a coragem e a disposição para encarar mais quatro anos como prefeito. E o cuidado com essa fala deverá ser imenso. Ele terá condições de fazer o mesmo que fez Eduardo Paes?

Políticos costumam acreditar que sempre conseguem "falar sem dizer nada" e não se comprometer. Mas narrativas já construídas no imaginário popular não podem ser desfeitas sem uma fala direta e objetiva, apenas com frases vagas.

Ao ser perguntado sobre ficar por quatro anos, caso seja eleito, ou não, sobre cumprir todo o mandato ou não, Campos só terá duas opções: o “sim” ou o “resto”, incluindo a fuga da questão.

E a fuga para não responder sobre um assunto já tão enraizado no imaginário do eleitor vai significar uma confirmação dele. Ou ele diz que fica os quatro anos ou todas as outras respostas serão “não”.

Inovação

Campos pode inovar mais uma vez, claro. Pode admitir, se esse for o caso, que não está nessa eleição para passar quatro anos, mas para ser candidato a governador em 2026 e pronto, como seus auxiliares mais empolgados costumam falar sem cerimônia.

Chamaria a atenção, transformaria uma possível vitória na prefeitura em algo ainda mais forte, uma “pré-eleição” ao Palácio do Campo das Princesas, dois anos antes do tempo, solidificando a capital como um território próprio legitimado por uma “prévia” nas urnas.

Tudo isso sendo direto, sem artifícios, sem qualquer véu.

Mas para ter sucesso teria que trabalhar muito e muito rápido a imagem do vice, que não tem qualquer experiência como político, correria o risco de perder protagonismo e sairia, talvez,  com o capital político que conquistou nos últimos anos bastante chamuscado.

Tradição

É por esse risco que os mais "tradicionais" costumam não antecipar eleições e nem permitir que ninguém antecipe. Em grupos mais tradicionais, há proibições expressivas para qualquer um que se empolgue e tente colocar o carro na frente dos bois (para usar uma expressão bem tradicional).

Ao contrário disso, há relatos sobre pequenos atritos dentro da equipe da prefeitura por coisas inimagináveis, com gente "trabalhando" internamente já por imaginários espaços no futuro governo estadual. Um grupo menos inovador, deveria ter essa ansiedade melhor controlada.

É por controlarem essa ansiedade que os tradicionais ainda têm mais sucesso de médio e longo prazo do que os "ousados" em demasia.

A resposta de João Campos quando for questionado sobre cumprir ou não os quatro anos definirá os limites entre tradição e inovação na política do Recife. Aguardemos.

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