As emendas que Arthur Lira quer esconder mesmo que cause guerra com o STF
Ele preferiu abrir guerra contra o STF, o que todo parlamentar teme, do que dizer para onde vai o dinheiro do pagador de impostos. Imagina o motivo?
A Constituição Brasileira foi construída, em sua maior parte, por integrantes do Poder Legislativo que buscaram um protagonismo para seu próprio quintal. A carta magna brasileira é parlamentarista e esse era o regime da preferência de quem mandava no Congresso à época.
Mas como fazer isso num ambiente em que o eleitor estava acostumado a figuras presidenciais fortes como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek? Atualmente, nem todos entendem a necessidade de encaixar o que era necessário com o que era possível na época. Mas isso era motivo de muita tensão. Os militares ameaçavam tomar tudo de volta se o processo de redemocratização não fosse bem conduzido.
Qualquer indício de desarmonia grave e perda de popularidade poderia fazer com que as Forças Armadas desistissem de abrir mão do poder central que exerceram durante 20 anos. Então quando se foi escrever a Constituição, já em pleno governo de José Sarney (MDB), era necessário ainda ter muito cuidado.
Risco de instabilidade
Caso o texto assumisse o parlamentarismo explicitamente, havia o risco de a população não se sentir representada. O brasileiro até hoje tem dificuldade de lembrar o destino dos votos que deu a deputados e senadores, mas não esquece em quem votou para presidente. Imagine isso há quase 40 anos, com 25% da população analfabeta e distanciada de uma rotina de noticiário sobre o governo.
Como o parlamentarismo pressupõe que gabinetes sejam dissolvidos quando não conseguirem sustentar o apoio popular e cumprir seus objetivos, imagine quantos primeiros-ministros cairiam nos primeiros anos da Constituição, com hiperinflação, além de Saúde, Educação e infraestrutura capengas.
Imagine como essa insatisfação geraria cansaço na sociedade, facilitando novos golpes militares.
Pix
O texto constitucional foi construído prevendo um plebiscito, realizado em 1993, que terminou com vitória do presidencialismo. A Constituição, entretanto, seguiu com suas características parlamentaristas. Toda essa história é importante para entender a crise que se desenrola agora sobre as “emendas pix”.
Poder sem responsabilidade
Ao longo das últimas décadas, os parlamentares foram vivendo uma realidade confortável na qual a governabilidade dependia de um entendimento entre o Legislativo e o Executivo, baseado na distribuição de verbas através das emendas. Apesar da relação financeira, tudo era construído dentro de um ambiente razoável, onde os parlamentares eram respeitados e ouvidos.
Até chegar Dilma Rousseff (PT), e foi aí que as coisas começaram a mudar.
Tô pagando
A presidente não teve capacidade para entender que até mesmo as relações não republicanas mais despudoradas do Brasil precisam ser construídas com um mínimo respeito à dignidade. A petista tentou instalar um modelo “faça o que eu mando porque estou pagando” e o caldo entornou.
Foi ali que surgiram as “emendas impositivas”, quando a presidência era obrigada a liberar o dinheiro, querendo ou não.
Refém
Mas o empoderamento definitivo do Legislativo se deu no governo Bolsonaro (PL). Com uma crise imensa na Saúde, a pandemia corroendo os nervos da população e o presidente e seus filhos conduzindo o país com a habilidade política e a delicadeza de um elefante bêbado, o Congresso viu a oportunidade de expandir seus benefícios em troca de evitar um impeachment.
Foi quando surgiu o que hoje está sendo chamado de “emendas pix”, mas que já foi conhecido como “orçamento secreto”.
Escondidinho
Na prática são as emendas impositivas, que os deputados e senadores recebem, queira ou não queira o Executivo, mas que ninguém sabe o destino. Elas não podem ser fiscalizadas. Tanto faz as verbas oriundas do pagador de impostos irem para uma instituição de Saúde ou para construir uma estátua do prefeito em alguma cidade do interior, porque não há qualquer controle sobre seu uso, quase não há regra.
Vem de lá
Todas essas ampliações de poder do Legislativo, metendo a mão em dinheiro e exigindo que ninguém os possa controlar ou fiscalizar é resultado, acredite ou não, do texto parlamentarista da Constituição, construído de forma equivocada em 1988, prevendo algo que não virou realidade no plebiscito.
No momento em que se perceberam acuados, os parlamentares começaram a usar o poder que sempre tiveram, mas não assumiam por estarem confortáveis num mundo em que ganhavam muito e não precisavam prestar contas nem ter muitas responsabilidades.
É só dizer o destino
O que o STF fez esta semana e vem gerando tanto barulho foi suspender a execução de emendas impositivas apresentadas por deputados federais e senadores ao Orçamento da União, até que o Congresso estabeleça novos procedimentos para garantir transparência na liberação dos recursos.
É simples: vocês recebem o dinheiro se disserem para onde ele está indo e as obras puderem ser fiscalizadas. Mas os deputados e senadores querem o dinheiro, sem qualquer ônus.
Melhor brigar
A situação é tão séria que ao invés de se preocupar em, finalmente, dar mais transparência à execução das emendas pix, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu tirar da gaveta uma PEC que limita os poderes dos ministros do Supremo Tribunal Federal, indicando que dar mais visibilidade ao destino que os deputados estão dando aos mais de R$ 8 bilhões em emendas pix é algo, pelo jeito, muito perigoso para os deputados. Se é algo honesto, qual o problema?
Por quê?
Lira, na prática, preferiu abrir guerra contra o STF, algo que todo parlamentar teme, do que dizer para onde está indo o dinheiro do pagador de impostos. Alguém imagina o motivo? Se o dinheiro estivesse mesmo indo para os hospitais ou para a educação, Lira estaria arriscando o pescoço para manter tanto segredo?
Reforma política
Esta coluna tem apontado para a necessidade urgente, continuamente, de uma reforma política, com uma grande atualização constitucional e a construção de uma nova base de relações entre os poderes da República. O risco é de caos institucional num futuro muito próximo, enfraquecendo a própria democracia caso isso não seja levado a sério. E, até agora, não está. Os sinais aparecem todos os dias.