Cena Política

Exclusivo: Gilmar Mendes fala sobre Bolsonaro, ameaças à democracia e prisões de deputados: "é um governo muito peculiar"

"Criou-se a lenda urbana de que no regime ditatorial militar não havia corrupção. O que não havia era liberdade de imprensa. O que havia não se sabia", diz Gilmar.

Igor Maciel
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Igor Maciel
Publicado em 15/10/2021 às 14:29
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Gilmar Mendes - STF - FOTO: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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No Recife para a inauguração do Instituto Luiz Mário Moutinho, que aconteceu nesta sexta-feira (15), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, falou com exclusividade para o Jornal do Commercio e para a coluna Cena Política.

A conversa foi sobre democracia e o papel do STF na pandemia. Mendes reforçou que o Supremo nunca impediu o presidente Jair Bolsonaro de fazer nada na pandemia, classificou a gestão atual do Executivo como "peculiar", justificou as prisões do presidente do PTB, Roberto Jefferson e do deputado Daniel Silveira, dizendo que eles ultrapassaram os limites da liberdade de expressão.

Sobre a demora para definir o novo membro do STF, disse que não vê problema: "Não é incomum. Dá pra esperar. Inusitada é a falta de articulação política".

Jornal do Commercio - O STF cumpriu o papel devido durante a pandemia?

Gilmar Mendes - "O STF, como todos sabem, tem uma função muito ampla. Na pandemia, nós tivemos uma série de provocações ao tribunal, em função dos debates que se desenvolveram, dos eventuais conflitos, com visões de mundo diferentes. Surgiu o que, hoje, nós chamamos de jurisprudência da crise sanitária. Há até imputações do governo, de que o STF impediu o presidente de atuar na crise sanitária."

JC - Isso procede? O STF impediu o presidente?

GM - "Não é verdade. O problema é que a partir do artigo 196 da Constituição, isso é mais ou menos elementar, a gente tem o SUS, que é um sistema tripartite. Entra União, estados e municípios. Basicamente, a União cuida do provimento, do fornecimento de recursos para todo o sistema, vacinação, por exemplo. Mas a execução fica com os estados e municípios. E o que o Supremo disse foi que, na ausência da União, cabia aos estados e municípios estabelecerem as medidas de isolamento social e uso de máscara"

JC - Olhando em retrospecto, foi a decisão correta?

GM - "Não havia outra saída, a não ser o isolamento social. Não havia remédio, como ficou provado. O tal tratamento precoce deu no que deu. Não tínhamos vacina. No final do ano, apareceu a vacina, aí foi um outro debate. O que o governo Federal, aparentemente, pretendia era atuar no sentido de evitar o isolamento social. Isso envolvia cultos, casas lotéricas, por exemplo. E isso iria gerar um conflito com as medidas de isolamento social dos estados e municípios que era a única medida para evitar a contaminação."

JC - E podia piorar a situação.

GM - "Acontece que os estados e municípios é que administram os hospitais e sabem a limitação de leitos. Estados e municípios é que tinham a condição de fazer a avaliação do que era necessário. No mundo, quem atuou contra o isolamento social, teve que dar razão e ceder a esse imperativo."

JC - O inquérito das Fake News é polêmico e sua condução é criticada, inclusive por muitos juristas. Alegam, por exemplo, que o STF está criminalizando a liberdade de expressão. O que o senhor acha?

GM - "Em 2019 o tribunal já vinha sendo muito atacado. Todos os domingos nós tinhamos as manifestações na praça dos Três Poderes, tivemos os fogos da tal Sarah Winter e sobrevoos de helicóptero nas manifestações. O presidente Tofolli, diante das ameaças, abriu o inquérito das Fake News e o confiou ao ministro Alexandre de Moraes. Descobriram-se coisas graves. Empresários que estavam financiando essas ações. Descobriu-se, na deep web, ativistas trocando informações sobre itinerários dos ministros e como eventualmente podiam atacá-los. Supostos atos terroristas estavam sendo pensados."

JC - O inquérito levou a algumas prisões polêmicas. Elas estão bem justificadas?

GM - "No caso das prisões, tanto Roberto Jefferson (presidente do PTB) quanto (o deputado) Daniel Silveira não estavam usando a liberdade de expressão, mas sugerindo o uso de armas e ataques ao STF. Foram prisões plenamente justificadas. Não vejo nenhum abuso. Tanto que houve denúncia da Procuradoria e agora a Procuradoria deu parecer no sentido da condenação do deputado."

JC - E Roberto Jefferson...

GM - "Roberto Jefferson dizia a toda hora que era fácil reagir a um fiscal sanitário que fosse atrapalhar um culto, que era colocar uma balaclava, usar uma arma e atirar no pescoço dessas pessoas. Isso não tem nada a ver com liberdade de expressão."

JC - Como é a relação dos ministros do STF com o presidente Bolsonaro?

GM - "O governo Bolsonaro é um governo muito peculiar. Agora mesmo, passou por um processo de mudança. O normal seria que o ministro da Justiça fosse um jurista e cuidasse desse diálogo com os tribunais. Não é o caso. É uma pessoa da Polícia Federal, um delegado, que cuida das questões relacionadas à justiça. O Advogado Geral da União também passou por várias mudanças. O relacionamento ficou desorganizado, digamos."

JC - Há contato direto do presidente?

GM - "O presidente nos procura, tenho contato com ele, mas não é algo orgânico. Não é só com o Judiciário. Se olhar o relacionamento com o Legislativo, também passa por muitos problemas."

JC - Agora, mesmo, o STF está funcionando com dez ministros e a perspectiva é que demore um bom tempo até marcarem a sabatina de André Mendonça, que foi indicado para a Corte. Isso atrapalha o trabalho?

GM - "Não. A gente já ficou, se olhar ao longo do tempo, já ficamos com dez ministros por seis, sete, oito meses. Há soluções para isso e, no final, também se espera pra completar um voto. Isso não é incomum. O inusitado é o fato de o nome ter sido indicado já há um tempo e não haver deliberação. Sinaliza um problema de articulação política, falta de diálogo. Isso é mais um sinal de crise nesse ambiente político."

JC - Nesse caso da indicação, dois senadores foram ao STF reclamar. São muitos os casos de políticos indo ao STF, para impedir votações também, com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Tudo que dá errado, correm pro STF. Passa do limite?

GM - "É complexo e, talvez, seja até excessivo. O sistema político não resolve suas querelas e leva pro Judiciário. E, muitas vezes, a controvérsia que era interna do ambiente político vira algo entre o Judiciário e o Legislativo. O sistema é muito aberto, ele permite que um partido político, com um representante apenas, leve uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo. E, às vezes, são questões puramente políticas."

JC - Na pandemia isso aconteceu muito. Acaba servindo de apoio para a segurança jurídica?

GM - "Se recortarmos o período da pandemia, vamos ver que o STF exerceu um papel moderador e pode ter evitado mais conflitos e, talvez, mais mortes. Porque nós teríamos muita confusão se o sistema de isolamento social dos estados fosse tumultuado pelas medidas do Poder Executivo Federal."

JC - A Democracia está ameaçada no Brasil, como muitos declaram?

GM - "Eu acho que a Democracia é algo consolidado. Nós tivemos, desde o final do governo Dilma, essa coisa de grito, saudade da ditadura, volta do AI-5. Criou-se a lenda urbana de que no regime ditatorial militar não havia corrupção. O que não havia era liberdade de imprensa. O que havia não se sabia. Apareceram esses saudosistas, especialmente com a vitória de Bolsonaro. O país é grande, extremamente complexo, tem uma estrutura federativa. Alguém imaginar que pode repaginar 64. Isso não faz nenhum sentido. E a gente vê as instituições em funcionamento."

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Sem citá-los nominalmente, referia-se ao anúncio da saída de Deltan do Ministério Público e a possibilidade de ele perseguir um futuro nas urnas, seguindo os passos de Moro, que vai se filiar ao Podemos - FOTO:FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

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