João Campos no Roda Viva e o futuro que o PT tem dificuldade para ouvir

No momento em que parar para ouvir o eleitor, Lula sabe que será obrigado a mudar os rumos, o PT será obrigado a mudar. E mudar é doloroso.

Publicado em 29/10/2024 às 20:00

João Campos (PSB) fez uma avaliação correta sobre a esquerda brasileira durante sua entrevista ao Roda Viva. O prefeito do Recife percebeu algo que o PT e Lula (PT) estão com muita dificuldade de perceber sobre o eleitorado. E não percebem porque não conversam com o povo.

Um dos principais motivos para uma pessoa não ir ao médico fazer consultas preventivas é medo do que vai ouvir. O sujeito prefere não ir ao médico porque sabe que ele vai mandar moderar o açúcar, comer menos gordura. Não ir à consulta reduz a culpa por não mudar.

O diabo é que essa opção pela fuga da realidade tem um efeito colateral meio trágico: acaba fazendo você morrer mais cedo.

Longe do…

E o que isso tem a ver com o PT? É que às vezes, e a eleição de São Paulo citada por João Campos é um exemplo disso, os petistas e o próprio Lula passam a impressão de que preferem não ouvir o eleitor, para não serem obrigados a admitir que precisam mudar seu discurso.

No momento em que parar para ouvir o eleitor, Lula sabe que será obrigado a mudar, o PT será obrigado a mudar. E mudar é doloroso.

…consultório

Sem falar no orgulho. Já pensou? Passar décadas defendendo um mundo e agora ter que admitir que esse mundo não existe da maneira que se vendia? Com que cara os petistas vão andar pela rua se forem obrigados a admitir que não são tão amados quanto acham que são e se descobrirem que as derrotas sofridas nas eleições não são um complô das elites contra o proletário.

Ou, pior, se descobrirem que voltaram à presidência do país como um mal necessário e nunca teriam tido chance caso o adversário não fosse Bolsonaro (PL)?

Melhor não ir fazer consulta do que ter que escutar isso dos especialistas. O problema é que esses especialistas votam e elegem.

Centro

Se tivesse ouvido o eleitor, saberia que a eleição de São Paulo pendia para o centro, como pendeu para o centro a eleição em quase todo o Brasil. Não precisa ser namorado de Tabata Amaral (PSB), como o é João Campos, para entender que ela era o único nome à esquerda que poderia ter dado alguma chance ao PT e a Lula.

Insistir com Guilherme Boulos (PSOL) foi apenas mais um dos muitos episódios que misturam a arrogância com o medo de aceitar a verdade que forma a realidade de muitos petistas hoje.

Lula olhou para Boulos e enxergou um sucessor que parece com ele próprio lá pelos anos 1990. Aquele mesmo que perdeu três eleições antes de mudar e vencer a primeira.

No escuro

Tabata é mais centro, sem deixar de ser esquerda, o que era o perfil ideal para o eleitor paulistano. O pensamento econômico puxado para o liberalismo, que faz a deputada ser odiada por militantes petistas como era detestada por militantes de seu antigo partido, o PDT, é exatamente o que poderia promover integração entre o PT e o eleitor paulistano.

Se tivesse feito e aceitado uma pesquisa qualitativa séria em São Paulo, a esquerda teria percebido isso. Teria percebido, entre outras coisas, que Marta Suplicy pouco ou quase nada agregaria e que a rejeição a Boulos seria impeditivo crucial para o sucesso da chapa.

Marçal

Se tivesse escolhido apoiar Tabata, o PT teria a chance de se surpreender positivamente quando ela demonstrasse, como demonstrou, ser a única capaz de enfrentar com as mesmas ferramentas o tal do “fenômeno” Pablo Marçal (PRTB).

A candidata foi para o embate, fez vídeos para as redes sociais, chamou a atenção e desconcertou Marçal em debates. Os outros candidatos se dividiram entre ignorar o provocador porque não sabiam o que fazer ou utilizar o mobiliário do estúdio para aplicar reprimendas educativas de ordem física.

A única que não ficou entre a fuga e a cadeirada foi Tabata.

Sentado

Quando o PT vai mudar de atitude e começar a ouvir os eleitores antes de fazer o que acha que é o melhor de acordo com suas reminiscências? João Campos pode esperar sentado. Refundar o PT não é algo possível enquanto Lula estiver ativo.

Basta dizer que a grande “solução”, hoje motivo de discórdia interna entre quem acredita que é preciso mudar e quem acha que nada muda, chama-se Edinho Silva, prefeito de Araraquara, no interior de São Paulo.

Solução

Edinho é a solução de Lula e de Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, para assumir a presidência do PT e iniciar o processo de renovação que tanto dizem que o partido precisa fazer. Edinho tentou fazer sua sucessora na cidade de Araraquara, que era uma base histórica do petismo em São Paulo. O resultado é que foi ruim, ele perdeu a eleição. Foi derrotado por um candidato do PL, de Bolsonaro.

É uma “bela” referência para ser o começo da “renovação” do PT.

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