A individualização da representatividade, a morte dos partidos e o risco para o país

As siglas foram se transformando em repositórios de candidaturas e cofre onde os candidatos buscam dinheiro. É mais burocracia, nada programático.

Publicado em 22/11/2024 às 20:00
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No fim das eleições municipais, o cientista político Antonio Lavareda fez uma análise sobre o cenário da representação partidária no país e alertou para um problema sério: “individualização da representação no Brasil”.

A questão, segundo o professor Lavareda, é que nem mesmo grandes partidos conseguiram apresentar candidatos a prefeito em mais de 30% dos municípios brasileiros. A capacidade que um partido político tem de reunir em seus próprios domínios candidatos e eleitores, em sintonia, foi sendo reduzida ao longo dos últimos anos.

Com isso, as siglas foram se transformando em meros repositórios de candidaturas e cofre onde os candidatos vão buscar dinheiro, mais por uma questão burocrática do que ideológica.

Individualização

Entre decepções com escândalos e mudanças na lei eleitoral, o papel dos partidos como representações do pensamento de um grupo praticamente se extinguiu. Hoje, partidos com esse perfil mais atrapalham do que ajudam. O presidente do PSD falou sobre isso numa entrevista recente.

Gilberto Kassab, que é aliado de Lula (PT), disse que rodou o Brasil em 2024 e na maioria dos municípios as pessoas não queriam votar no PT, mesmo tendo votado em Lula. É só um exemplo. Kassab foi quem mais elegeu prefeitos com seu partido, entre outros motivos, porque percebeu essa “individualização da representação”.

Não se espalha

Em vários estados uma rejeição parecida a essa que o PT sofre era verificada em relação ao PL. Não por acaso, esses dois partidos, que são os maiores no Congresso atualmente, penaram para lançar candidaturas a prefeito.

Ambos conseguiram registrar entre 1300 e 1450 candidatos. Ninguém alcançou mais do que 30% dos municípios brasileiros como observou Lavareda.

Invisível

Ser quase invisível como partido, como instituição, é a maior vantagem que uma sigla pode alcançar nesse ambiente, no qual as pessoas se enxergam representadas em pessoas e não na estrutura partidária que sustenta o candidato.

PT e PL podem ser tudo, mas não são invisíveis do ponto de vista ideológico e programático. O fracasso deles é holofote demais. Já a invisibilidade é um dos motivos do sucesso do PSD, que fez quase mil prefeitos, enquanto o PL pouco passou de quinhentas vitórias e o PT fez pouco mais de duzentas prefeituras.

Quem é o PSD

Ninguém sabe se o PSD é de esquerda ou de direita, ninguém sabe se é contra ou a favor de armas. Ninguém sabe se é Sport, Santa Cruz ou Náutico. Ninguém sabe o que o PSD pensa e, por isso, todo mundo pode pensar o que quiser dentro do PSD, desde que alcance boas votações.

O PSD apoia bolsonaristas e lulistas. O que importa não é o partido. O candidato defenda o que ele quiser.

Quem primeiro percebeu essa vantagem de ser invisível nos últimos tempos foi o PP, o MDB também se beneficia disso, mas o PSD tem uma vantagem: é de um dono só, Kassab. Uma pessoa física coordenando outras pessoas físicas, sem idealismo. É o modelo.

Óbvio?

Olhando assim parece não ser nada demais e, pelo contrário, parece óbvio que uma pessoa física se identifique com outra pessoa física ao invés de um partido. Mas é algo complicado. O primeiro problema diz respeito ao enfraquecimento da responsabilidade coletiva na atuação do político em questão.

Com o passar das eleições, percebendo que o voto é dele e não do grupo que integra, a tendência é que o sujeito se feche em uma bolha que vai se alimentando de si mesma.

Como não existe moderação externa coletiva, de um grupo, não existe um conjunto de diretrizes e limitações partidárias, a radicalização é um caminho quase natural no médio prazo.

Custo

Depois, quanto menos compromisso os partidos tiverem com o seu público eleitor, transferindo isso às pessoas dos candidatos, mais caro fica para o pagador de impostos. Na busca por uma maioria no Congresso, o Poder Executivo acaba virando refém de pessoas politicamente interessadas e não de instituições com história e reputação a preservar. Negociar coletivamente é muito mais barato do que cabeça a cabeça.

E hoje essas negociações têm sido, em sua maioria, individuais.

Refém

Com os partidos fortes, um acordo fechado entre o governo e o União Brasil, por exemplo, obrigaria todos os deputados a acompanharem a indicação partidária numa votação. Como os partidos não têm mais força para fechar acordos desse tipo e dependem dos deputados para ter direito a fundo partidário gordo, o governo acaba obrigado a negociar diretamente com os parlamentares.

O resultado é que o União Brasil tem três ministérios na gestão Lula, mas o partido se coloca como oposição. O governo é refém dos ministros e de seus grupos políticos pessoais para minerar votos na Câmara e no Senado. Ser refém de outras instituições é menos perigoso do que estar com a vida entregue a indivíduos.

Outro mundo

Essa desconexão dos partidos com sua própria representatividade poderá ser vista nos próximos meses, com a eleição para a Mesa Diretora da Câmara e do Senado. Será algo impressionante.

Num país em que se fala tanto na polarização, em que eleitores andaram se matando nas últimas eleições nacionais e lulistas e bolsonaristas, PT e PL, se atacam nas redes sociais como inimigos vorazes, o comando do legislativo terá candidatos únicos, aprovados e apoiados por todos, independente de estarem à direita, à esquerda ou ao centro.

É como se fosse um outro planeta.

Abismo

Sem uma reforma política, o caminho é terrível e a crise de representação tende a se ampliar. Em prazo razoável, o prejuízo será o desencanto ainda maior com as instituições e com o sistema democrático.

Os indivíduos que hoje se beneficiam dessa crise de representação institucional não percebem que, em pouco tempo, eles próprios serão tragados para o fundo do abismo. Aí pode ser tarde demais.

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