Fernando Collor e o momento em que a Lava Jato presta para o STF

Ninguém vai construir fantasia sobre a idoneidade do ex-presidente. Ele é corrupto. Mas ser preso faz dele um caso curioso envolvendo Lava Jato e STF

Publicado em 16/11/2024 às 20:00
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A conveniência subverte até os ditados. No caso do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, se for politicamente conveniente, o inimigo do meu inimigo é meu inimigo também. E, nesse sentido, um ministro do STF pode até achar que a Lava Jato não foi assim tão ruim.

Vejamos o caso de Fernando Collor. Ninguém vai aqui construir qualquer fantasia sobre a idoneidade do ex-presidente. Ele é corrupto, há muitas provas disso e todos os mandatos que já exerceu, inclusive o mais famoso na história comprovam isso. Mas ser condenado e ficar prestes a cumprir pena de prisão é ato que está fazendo dele um marco na história da Lava Jato.

Sim, a operação que já foi até extinta, mas serve de vez em quando ao STF.

Não presta

A Lava Jato foi encerrada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), quando o então chefe do Executivo disse, sem intenção de fazer rir com a piada, que a corrupção já não existia mais no Brasil.

De lá pra cá, juízes de tribunais superiores, principalmente do STF, engendraram esforços monumentais para desqualificar a força-tarefa que atacou a corrupção nos últimos anos. As irregularidades apontadas pelos ministros do Supremo contra procuradores e juízes da operação vão de incompetência processual até detalhes técnicos como a cidade para onde o processo foi enviado ou o tribunal em que correu o processo.

Dirceu

Mesmo depois de aprovar e confirmar decisões da operação, assim que a conveniência política apontou para outras frentes, o Judiciário apressou-se em anular tudo que pudesse. Mudou o rumo da política, mudou o entendimento sobre a lei. Soltar Lula (PT) e permitir que ele fosse candidato a presidente da República nem foi o ponto mais agudo dessa guinada de 180 graus que saiu da repreensão dura contra petistas e seus aliados para um quase “pedido de desculpas”.

O mais agudo movimento foi também o mais recente, quando anulou o que havia contra José Dirceu (PT) e o liberou para ser candidato nas próximas eleições. Dirceu estava tão sujo e sua participação em esquemas de corrupção era tão notória que nem o PT ousou usar sua imagem na eleição de 2022 e até alguns dias atrás Lula e Dirceu se encontravam às escondidas, para que ninguém vinculasse um ao outro novamente.

Ainda assim, foi liberado de tudo, porque a “Lava Jato não presta”.

Agora presta

Mas uma semana depois acontece, no mesmo tribunal, o julgamento de uma apelação de Fernando Collor num processo com origem na Operação Lava Jato.

Os advogados do ex-presidente já nem estão querendo que ele fique livre das acusações. Eles nem tem esperança nisso. Querem apenas que uma das acusações seja considerada prescrita, e com isso a pena seria reduzida de 8 anos e 10 meses para cerca de quatro anos, possibilitando que ele cumpra medidas socioeducativas, pagamento de multas e não fique em regime fechado. Os ministros do STF negaram.

Porque no caso de Collor, pelo jeito, “a Lava Jato presta” e fez tudo certo. Um milagre.

Explica?

Enquanto Collor será preso, outros personagens políticos que haviam confessado crimes e devolvido dinheiro tiveram seus processos anulados, com a justificativa de que foram “enganados pela Lava Jato” para confessar.

Collor é culpado, mas só ele não foi “ludibriado” pela Lava Jato? É difícil de explicar. Ou nem é assim tão difícil, é só uma questão de não explicar para não acabar sendo preso também. Quem arrisca?

Ceschiatti

A estátua da Justiça, que fica em frente ao STF, foi produzida pelo artista plástico Alfredo Ceschiatti, de Minas Gerais, que era amigo de Oscar Niemeyer. Sua inspiração é claramente a deusa grega Têmis.

O mineiro fez uma releitura, porque a representação mais popular da deusa mostra ela em pé, vendada, segurando uma balança em uma das mãos e apoiada numa espada pronta para o combate se necessário.

Errou e acertou

Ceschiatti inovou e quis demonstrar um país pacificado naqueles anos 1960 de antes da ditadura militar. Fez Têmis sentada, sem nenhuma balança (símbolo do equilíbrio) e com a espada no colo, em sinal de tranquilidade. Sem poder antecipar o que tinha previsto, Ceschiatti acertou de um jeito meio torto.

Ao que parece, o equilíbrio é o que menos importa num tribunal que se tornou mais político que jurídico no Brasil. Nunca se sentiu falta da balança por lá.

A Têmis do STF brasileiro é tão cega quanto as outras, mas usa a espada apenas quando lhe convém (por isso mantém ela no colo) e vive sentada, talvez para que ninguém possa avaliar sua estatura.

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