A gênese da brecha: o problema que Alexandre de Moraes está contratando
Pelo que foi apresentado é impossível negar que existiu mesmo uma mobilização para manter o poder à força. Mas a robustez sem credibilidade é nula.
Quando ajudou a acabar com a Lava Jato para atender o centrão, Bolsonaro soltou a seguinte frase: “Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”. A frase é cínica, óbvio.
A Operação que combatia a corrupção no país foi desmantelada atendendo aos interesses dos corruptos, com poder político e financeiro, num momento de crise institucional que o Brasil vivia por causa da pandemia. Esse poder criminoso terminou sendo preponderante. Isso é algum absurdo, novidade ou grande descoberta? Não.
Os interesses do crime contra as ações de combate a ele sempre existiram e existirão. Ninguém quer a polícia em sua porta e vai fazer de tudo para evitar ser investigado ou preso. Mas a Lava Jato não acabou apenas porque os corruptos exigiram. Só vontade não adiantaria.
Narrativas
Para que instituições e figuras públicas mudem de opinião e encarem os questionamentos negativos que vão surgir ao encerrar um esforço de investigação contra a corrupção é preciso ter alguma brecha, algum buraco narrativo do qual vão resgatar todas as respostas.
Em ações judiciais, é preciso achar uma falha técnica. Quando envolve políticos, outro componente ainda se faz necessário.
É preciso encontrar também interesses pessoais ou ao menos um vislumbre de ganância por poder. Vaidade ou arrogância são um bom tempero final.
Perseguidos
Havia muita gente querendo acabar com a Lava Jato, mas ela só acabou porque as brechas estavam lá, jurídicas e pessoais.
Na Lava Jato havia problemas técnicos, como os relacionados à incompetência objetiva do juiz do caso, mas também havia o interesse pessoal, com Sergio Moro largando tudo no meio para ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), adversário da maioria dos presos que, naquela época, estavam principalmente no PT. Isso reforçou a conotação política de “perseguição” que os envolvidos criminalmente precisavam.
Robustez e credibilidade
As provas eram robustas, havia confissões, e em 2023 se contava cerca de R$ 3 bilhões em dinheiro de propina devolvido. Mesmo assim, a operação foi atacada e “morta”. E por que é preciso lembrar isso?
O inquérito do golpe que foi finalizado pela Polícia Federal há alguns dias é robusto, há confissões, joias foram devolvidas, conversas muito pesadas foram interceptadas. A materialidade do caso é bem lastreada. E com o andar do processo teremos ainda mais informações e testemunhos.
Pelo que foi apresentado até agora já não é possível negar que existiu mesmo uma mobilização para manter o poder à força e até assassinar autoridades. Só se pode negar isso com uma boa dose de desonestidade militante.
Mas a robustez precisa ter credibilidade ou enfraquece com o tempo.
Todos em um
O problema é que entre as autoridades que seriam mortas no plano está Alexandre de Moraes, à época presidente do Supremo Tribunal Federal. É o mesmo Alexandre de Moraes que conduziu e supervisionou o inquérito, é o mesmo Alexandre de Moraes que enviou o resultado para a Procuradoria Geral da República.
E agora, é o mesmo Alexandre de Moraes que vai relatar o caso no STF? A pergunta é feita aqui em tom de preocupação.
Gênese da brecha
Porque podemos estar tratando, nesse caso, da gênese de uma brecha jurídica que será questionada no futuro, quando a política mudar seu vento, as pressões forem diferentes e os criminosos da vez quiserem colocar uma pedra no assunto para não pagar por seus crimes.
Aí eles vão buscar uma narrativa para encerrar tudo e vão encontrar um só homem que foi vítima, investigador e juiz, tudo quase ao mesmo tempo. E aí, eis a brecha, eis o buraco narrativo, eis a falência de mais um trabalho policial contra o crime.
Erro
Para piorar a situação e se aproximar ainda mais do destino da Lava Jato, bastará Moraes cogitar concorrer à Presidência da República ou a qualquer outro cargo público. E, independente disso, Moraes ter essa multifunção é algo que será muito questionado.
Isso não deve impedir uma condenação, que já está socialmente contratada, mas é um erro que pode custar caro depois e comprometer todo o trabalho feito até aqui na proteção das instituições democráticas. Porque em algum momento da história as cadeiras sempre mudam de bunda.
Há erros que precisam ser observados no princípio, para evitar o prejuízo futuro. A não ser, é claro, que a intenção seja exatamente esta.