Quatro impressões e uma dúvida sobre o corte de gastos do governo Lula
Há semanas que se esperava o anúncio do pacote fiscal. Os cortes são necessários para equilibrar as despesas públicas, mas aumentaram a confusão.
Em determinado momento da quinta-feira (28) o dólar chegou a bater em R$ 6,003. É um recorde nominal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), sabia que isso ia acontecer e tentou avisar a Lula (PT), mas acabou se fazendo as coisas do jeito que foi acordado entre os petistas preocupados com a imagem imediata do partido e a próxima eleição mais do que com a saúde financeira do país em médio prazo. A sequência dos acontecimentos deixou quatro impressões e uma dúvida sobre a situação.
A primeira impressão é que a comunicação do governo é ruim, principalmente no que diz respeito à estratégia. A segunda é que Lula nunca esteve pronto para cortar gastos. A terceira é que Haddad se assemelha a um equilibrista do Cirque du Soleil trabalhando numa trupe mambembe. A quarta é que boa parte dos integrantes da gestão lulista acredita ainda estar vivendo no mundo de 20 anos atrás. A dúvida é sobre o resultado dos cortes para o futuro se novas medidas populistas e custosas para os cofres públicos forem sendo implementadas com a eleição que vem por aí.
Comunicação
Há semanas que se esperava o anúncio do pacote fiscal. Os cortes são necessários para tentar equilibrar as despesas públicas num patamar que dê alguma segurança para os investidores. Lula tenta criar um tipo de inimigo ganancioso elitista cuspidor de fogo no que chama de mercado, mas é esse mercado que negocia títulos públicos e ajuda a financiar o próprio governo. O Brasil precisa garantir que tem condições de pagar pelo dinheiro que recebe. E não se paga dívida sem equilíbrio nas contas.
A estratégia de comunicação do governo é ruim porque o pronunciamento oficial e incompleto feito na quarta-feira (27) pelo ministro Haddad acabou causando muito mais confusão do que esclarecimento. Se era para fazer uma coletiva no dia seguinte explicando o pronunciamento, que se começasse logo pela coletiva.
Assim que o anúncio do pronunciamento foi feito, alguém vazou que o assunto seria uma “isenção no Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil”. Ao invés de corte, a isenção significa mais custos. E todo mundo levou um susto. O dólar foi parar, já naquele dia, em R$ 5,91.
No fim, o pronunciamento também anunciou os cortes, mas já era tarde.
Lula
Ficou claro com o episódio que Lula nunca esteve pronto para fazer cortes necessários, e só os aceita com o espírito daquele sujeito completamente falido que vê até as cadeiras sendo levadas da sala de jantar para saldar dívidas, mas não abre mão de sentar pomposo com um paletó caro, fingindo que nada mudou.
O presidente não está preocupado com a vestimenta, é preciso reconhecer, porque a inquietação dele é manter gastos sociais que podem lhe alavancar a popularidade sofrida. Mas o espírito de não aceitar a própria realidade é o mesmo.
E os sinais estão nesse anúncio de isenção de Imposto de Renda e na “taxação dos super ricos” que só vão valer em 2026 mas foram anunciados primeiro do que os cortes.
É como se dissesse: “levem as cadeiras, mas não toquem no meu paletó”. No caso de Lula, ele só queria que os gastos fossem anunciados quando ele pudesse dar algum “presente ao povo pobre do país”. Isso foi feito e confundiu tudo.
Haddad
Fernando Haddad é a imagem da credibilidade que os pacotes econômicos precisam, bem vestido, com cara de professor bonitão, expressão simpática até quando está irritado dando fora em algum jornalista. Nas horas vagas até toca violão e canta.
O ambiente do PT é o de uma trupe mambembe disfuncional. E olha que ser mambembe e disfuncional ao mesmo tempo é para poucos. Debaixo da lona petista tão remendada que já não se sabe qual era sua cor original, coloca-se Haddad, que poderia estar no Cirque du Soleil, equilibrando narrativas toscas feitas para agradar a esquizofrenia petista saudosa dos bons tempos de antes.
É um desperdício. E é lamentável que o ministro se ponha disponível a esse papel, depois de já ter sido usado e muito prejudicado por esse mesmo grupo nas eleições de 2018.
No passado
Lula e seu governo acreditam ainda estar vivendo em 2004. O relatório anual do Banco Central brasileiro de 20 anos atrás trazia a seguinte abertura em seu resumo: “O crescimento econômico consolidou-se em escala global, em 2004, acelerando-se nos Estados Unidos, alcançando a América Latina, o Japão e a Área do Euro, regiões nas quais a recuperação mantivera-se lenta até o ano anterior, e mantendo-se em patamar elevado na China”. Foi nesse ambiente que o primeiro governo Lula funcionou.
O que os petistas e Lula não percebem é que é impossível replicar a mesma receita de antes no palco de agora. Há duas guerras em curso e outras se avizinhando.
Países escandinavos estão enviando comunicados aos seus cidadãos. Os textos falam em possibilidade de conflitos porque Finlândia, Suécia, Dinamarca e Noruega esperam até a possibilidade de uma invasão russa no futuro próximo.
Sem falar que a eleição de Donald Trump promete trazer mais protecionismo e taxações contra produtos vindos de outros países, incluindo o Brasil.
Aqui também
O cenário internacional é diferente de 2004 e o nacional também. O número de pessoas que desistiram de procurar emprego, os desalentados, ultrapassou a marca de três milhões em 2024. Resolveram dirigir um carro por aplicativo ou fazer entregas de refeições, até abrir um pequeno negócio quando há melhor condição.
Essas pessoas têm novas aspirações e problemas que não são resolvidos com as propostas do governo de criar sindicatos, como a ideia que surgiu na regulamentação dos aplicativos de transporte e foi muito criticada.
A popularidade de Lula não vai aumentar e nem cair muito com o corte de gastos ou com a isenção do imposto. Não vai cair e nem subir por causa da forma como foi anunciado, se foi o benefício antes e o corte depois. As pessoas querem que a vida delas melhore e o dólar alto não vai ajudar nisso porque pressiona a inflação.
O problema não é o salário aumentar. O problema é que os alimentos estão caros e o assalariado não consegue fazer a feira. Mas os petistas que influenciam o Planalto acham que estão em 2004. E assim não tem equilibrista que resolva.
O dedo petista
Por fim, a dúvida é se o corte de gastos anunciado realmente vai servir de algo. Quando se disse da necessidade de cortar ao menos R$ 25 bilhões em 2025 e o governo anuncia um corte de R$ 30 bilhões pode parecer que foi tudo um sucesso. O problema é que não adianta anunciar cortes quando a mentalidade permanece a mesma.
A economia não dura se a pessoa resignou-se a andar de ônibus mas ainda sonha com um carro novo. Basta aparecer a próxima promoção e o sujeito vai se endividar outra vez num financiamento, comprometendo a própria subsistência.
Lula ainda sonha em gastar muito para faturar alto em popularidade. Em 2025 a previsão é economizar R$ 25 bilhões e no ano seguinte seriam R$ 40 bilhões. O problema é que 2026 é um ano eleitoral.
A pergunta que todo mundo no ambiente da economia fez nas últimas horas foi o que Lula e o seu PT vão inventar de gastos para tentar uma promoção eleitoral que vai anular essa economia nos próximos meses.
Haddad pede o benefício da dúvida, mas depois que todo mundo percebeu o dedo da política petista num anúncio em que só devia haver mãos de economia, ficou difícil.