As previsões difíceis e as explicações sobre o pacote que não é pacote

O trabalho foi muito grande e acabou sofrendo na apresentação por causa da interferência e da concorrência com algo que não precisava estar ali.

Publicado em 29/11/2024 às 20:00
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Dizem que quando você precisa explicar uma declaração, o ideal era ter começado pela explicação. É uma forma irônica de dizer que uma boa comunicação não requer redundâncias. E serve para analisar a maneira como o governo Lula anunciou o pacote (que não querem chamar de pacote) do corte de gastos (que estão chamando de realinhamento fiscal).

Já de entrada, essa preocupação com a nomenclatura das coisas mostra uma preocupação do governo de não ser visto como um grupo disposto a gastar menos do que já gasta. Mas, sigamos porque a situação é bem mais complicada do que um dicionário poderia resolver.

Entrevista

Primeiro é preciso destacar a disposição da equipe econômica comandada pelo ministro Fernando Haddad (PT). Depois do anúncio na quarta-feira (27), amanheceram a quinta-feira (28) numa entrevista coletiva tentando detalhar as medidas apresentadas. Depois, na sexta-feira (29), integrantes do ministério se dividiram para dar entrevistas em rádios e TVs pelo Brasil inteiro.

Guilherme Mello, secretário nacional de Política Econômica do Ministério da Fazenda, falou com exclusividade à Rádio Jornal, no programa Passando a Limpo. Em Pernambuco, o espaço foi o escolhido para os esclarecimentos da Fazenda em relação aos cortes.

Diferentes

O secretário foi questionado sobre os anúncios e sobre a efetividade das medidas. Foi perguntado também sobre a interferência política no trabalho da equipe e como isso afetava o resultado, depois de tanto trabalho. Respondeu, sendo político, que “não há um governo da política e um governo da economia. Que tudo é uma coisa só e trabalha em conjunto”.

Mas, em determinado momento, ao falar sobre a isenção do Imposto de Renda na faixa de até R$ 5 mil reais, admitiu que são coisas diferentes e que serão tratadas em momentos diferentes (a isenção só valerá em 2026). E aí retorna a questão: se é assim, porque foram anunciadas em conjunto?

Precisava?

Segundo Guilherme Mello, a isenção também é algo que a equipe estava trabalhando há bastante tempo e sempre houve a intenção de enviá-la ao Congresso este ano para ser apreciada com calma em 2025 e entrar em vigor para 2026. A dúvida sobre a necessidade de anunciar tudo junto persiste. Então, precisava ser no mesmo dia e na mesma hora?

O trabalho da equipe foi muito grande e acabou sofrendo na hora da apresentação por causa da interferência e da concorrência com algo que não precisava estar ali. Não naquele mesmo pronunciamento.

Trabalho duro

O trabalho que existiu por trás do anúncio, da equipe de Política Econômica e dos outros setores, ficou em segundo plano quando poderia ter tido mais destaque. Não é fácil, e é preciso reconhecer, cortar R$ 70 bilhões em dois anos de uma administração em curso, desagradando pessoas físicas e jurídicas por todos os lados e provocando a ira de setores partidários que planejavam gastar muito e ter vantagens eleitorais, a despeito da situação econômica dos brasileiros no futuro.

Sobre o futuro

No mesmo programa, a participação do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel deixou uma ideia desse risco e da dificuldade que existe para o mercado confiar nas ações do governo Lula (PT). Segundo ele, que também já foi secretário da Fazenda em Pernambuco, o governo Lula parece não ter convicção do que pretende fazer com a política fiscal. “Sem convicção não há solução”, afirmou.

A convicção é o que fica prejudicada quando na hora de anunciar cortes se empurra uma isenção de imposto para tentar aliviar a recepção do público.

Sobre o pacote de cortes dar certo ou não, ele vê como algo incerto e respondeu com uma frase paradoxal. “Como diz o filósofo Bohr, é muito difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro”, concluiu Everardo Maciel.

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