Igor Maciel: Marco Aurélio Mello e a "mão errada" de Alexandre de Moraes no STF
O que é supremo não deveria poder ser questionado. Mas isso não depende de ser respeitado apenas, depende de dar-se ao respeito também.

O ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello resolveu ser bem direto em entrevista à Rádio Jornal, no Programa Passando a Limpo, ao ser questionado sobre os processos que correm na corte em relação ao 8/1. “O ministro Alexandre está errando a mão”, lamentou o magistrado que está aposentado desde 2021, quando já completava 31 anos de trabalho no Supremo e havia sido colega do ministro Alexandre de Moraes por alguns anos.
A crítica diz respeito à amplitude das atenções do colega, processando todo mundo como se fosse a primeira instância.
Prejuízo um
O ministro Marco Aurélio tem razão e há dois prejuízos muito claros para o ímpeto atual da corte, de querer processar todo mundo. O primeiro prejuízo é para os réus, porque limita a quase zero qualquer chance de recurso. Se for condenado, não tem a quem apelar, ferindo gravemente um princípio importante que é o do Duplo Grau de Jurisdição.
Esse princípio estaria, segundo muitos juristas, inserido no art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal, no trecho que fala sobre ampla defesa e contraditório. “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, diz o texto.
Quando o processo começa no STF, não existe mais instância superior. Recorrer a quem?
Prejuízo dois
O segundo prejuízo é para a própria corte e para os ministros. Na boa entrevista concedida por Marco Aurélio, o ministro aposentado brincou sobre seu trabalho quando estava em atividade no Supremo. “Eu não era operador do Direito. Eu era estivador do Direito”, disse entre sorrisos.
Com o STF querendo abarcar processos que poderiam estar sendo resolvidos nas instâncias iniciais, as mesas dos ministros vão ficando abarrotadas de demandas que, na maioria das vezes, deveriam estar sendo tratadas por outros tribunais, até para dar aos réus a chance de recurso.
Volta tudo
O problema pode ser resumido na quantidade de processos que o STF brasileiro julga por ano, comparado com os EUA, por exemplo.
No país de Donald Trump, os juízes da Corte Americana recebem em média cerca de 7 mil processos por ano e recusam, mandam voltar, algo em torno de 6,9 mil. Justificam dizendo que não dão conta daquilo tudo, que não é responsabilidade da corte suprema e que juízes de instâncias inferiores é que devem analisar os processos.
Julgam mesmo cerca de 100 casos por ano.
Quem dá conta?
Já o Supremo Tribunal Federal registrou, em 2024, 114 mil decisões. A frase anterior não tem erro de digitação, 114 mil, mesmo.
A estrutura necessária para que 11 juízes, ainda humanos, com inteligência orgânica e não artificial, presume-se, tomem 114 mil decisões no espaço de um ano, contando os recessos, é algo colossal. Bancada com dinheiro do pagador de impostos, claro.
Como isso é possível sem provocar qualquer tipo de injustiça? É quase um mistério da fé.
Eu sozinho
Mas o mais preocupante nos números apresentados pelo STF em 2024 diz respeito ao volume de decisões monocráticas e às decisões originárias. Foram 114 mil decisões, sendo 92.805 monocráticas e 21.436 colegiadas.
Nesse período, o Tribunal recebeu 80.812 processos (26 mil originários e 54 mil recursais), com redução dos recursos e aumento relevante dos originários, em relação aos anos anteriores.
No caso dos processos originários, significa que eles começaram no próprio STF, que é o problema já descrito anteriormente. Esse 26 mil assustam.
E mais assustador é que os ministros estejam decidindo sozinhos (monocraticamente) em 80% dos julgamentos.
Personalismo
O personalismo no Judiciário é perigoso para o próprio Judiciário, mas antes disso é temerário para a própria ordem democrática. A ampliação da “supremacia” para um campo tão aberto que a expõe aos questionamentos é um risco institucional tremendo.
Não entender isso, e não tomar uma atitude para corrigir o curso dos acontecimentos enquanto é tempo, representa grande problema para o país.
Confira o podcast Cena Política