COLUNA ENEM E EDUCAÇÃO

A história de Danilo, que desistiu da engenharia, se isolou na zona rural de Pernambuco para estudar para o Enem e agora será médico

Danilo fez o Enem seis vezes até ter boas notas para passar em medicina na UFPE, por meio do Sisu. Inicia a graduação em setembro. Inscrições no Enem 2021 começam dia 30 de junho

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Margarida Azevedo

Publicado em 20/06/2021 às 7:30 | Atualizado em 20/06/2021 às 9:20
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Danilo Santana, 27 anos, sabe bem o que é estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Egresso de escola pública, fez a avaliação seis vezes. Nas duas primeiras, para tentar entrar em engenharia, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Conseguiu na segunda. Faltando um ano e meio para se formar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2016, desistiu para seguir o sonho de ingressar em medicina. Após mais quatro participações no Enem, foi aprovado este ano no curso médico, novamente na UFPE, para onde retornará a partir de setembro. A pandemia de covid-19, que prejudicou a preparação de tantos vestibulandos em 2020, para Danilo teve um efeito inverso. Com o ensino remoto, ele voltou a morar na zona rural de Feira Nova, no Agreste de Pernambuco. A mudança deixou-o mais tranquilo para encarar as provas e assim conquistar uma vaga numa das graduações mais desejadas pelos feras em todo o País.

As inscrições para o Enem 2021 começam no fim deste mês, no dia 30, e vão até 14 de julho. O exame está marcado para 21 e 28 de novembro. Uma novidade será a aplicação dos dois modelos da avaliação, impresso e digital, nas mesmas datas. Na edição de 2020, quando estreou o formato digital das provas, a realização dos testes ocorreu em dias diferentes. A taxa de inscrição, no valor de R$ 85 para ambos os modelos, poderá ser paga até 19 de julho. Com as notas do Enem é possível concorrer às vagas do Sisu. Também pleitear bolsas em faculdades privadas, por meio do Programa Universidade para Todos (Prouni), ou obter o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

"Com a pandemia, as aulas do cursinho que fazia no Recife passaram a ser remotas. Por isso voltei a morar com minha mãe e meu irmão no nosso sítio. Estudar na minha casa, perto da minha família, foi libertador. Passava o dia nas tarefas do sítio, fazendo atividades de que gosto muito, como cuidar das galinhas, alimentar o gado, limpar o terreiro. Construí uma cerca e um galinheiro. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Mesmo com menos tempo de estudo, fez muito bem para o meu emocional. Também investi mais nos assuntos que não dominava", conta Danilo. Pela internet, ele continuou tendo aulas e sendo monitor do pré-vestibular do professor de biologia Fernando Beltrão.

CORAGEM

Danilo sempre estudou na rede pública. Concluiu o ensino médio em 2011 numa escola estadual de Feira Nova. Foi o primeiro jovem da cidade a ser aprovado em engenharia na UFPE. Também o primeiro em medicina na mesma universidade. "Queria ser médico, mas devido às minhas circunstâncias como aluno de escola pública e morador de um sítio achei que seria difícil. Não me sentia capaz de passar em medicina", conta o rapaz. Como era bom nas disciplinas de exatas, tentou engenharia, mesmo sem muita convicção e passou na UFPE.

Cursou até o sétimo período de engenharia mecânica. "Eu virava a noite num galpão trabalhando em um projeto de construção de aeronaves. Um dia me dei conta que queria continuar virando a noite trabalhando, mas dando plantão em um hospital como médico. Percebi também que eu poderia sim ser aprovado em medicina. Conversei com minha mãe e tive o apoio dela", diz Danilo. "Hoje, olhando para trás, vejo que foi um projeto corajoso. Estava perto de me formar e poderia ganhar dinheiro como engenheiro para mudar a minha vida e da minha família. Mas eu não estava feliz", observa o futuro médico.

Para ilustrar essa época, Danilo cita uma frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: "Se te apetece esforçar, esforça-te; se te apetece repousar, repousa; se te apetece fugir, fuja; se te apetece resistir, resista; mas saiba bem o que te apetece, e não recue ante nenhum pretexto, porque o universo se organizará para te dissuadir". "É complicado, para gente como eu, que está embaixo, tomar uma decisão dessa, desistir de ser engenheiro para tentar medicina. Mas criei coragem, tranquei o curso de engenharia e nem olhei mais pra trás. Foi um alívio, é como se eu tivesse resetado minha vida", afirma Danilo. Sua mãe criou ele e o irmão sozinha, sem ajuda do pai deles.

PERSISTÊNCIA

De 2017 para cá Danilo fez todas as edições do Enem (2017, 2018, 2019 e 2020). Não parou de estudar, sempre como aluno bolsita no cursinho de Fernando Beltrão. No Recife, morou na casa de sua madrinha. Para bancar suas despesas, como passagens e alimentação, dava aula particular de física, química e matemática para estudantes do ensino médio. "Tinha que dividir o tempo entre a preparação para o Enem e as aulas particulares pois precisava me manter", relata Danilo. "Mesmo quando passavam as provas do Enem, eu continuava estudando. Dois dias depois do exame estava de volta com os estudos. Apesar das frustrações nas primeiras tentativas, nunca pensei em desistir. Eu sabia que minha aprovação em medicina não seria rápida, mas que alguma hora conseguiria", ressalta Danilo.

"Quando a gente estuda em escola pública ou vem de um meio onde não é comum estudar, é difícil se motivar e acreditar que é possível mudar a vida por meio da educação. Eu sabia disso na teoria, mas não achava que era possível quando estava no ensino médio. Era muito preso ao determinismo. Fico contente por depois ter me questionado e motivado a mudar isso", destaca Danilo, já com planos de trabalhar no serviço público quando se formar em medicina. "Estou ansioso para começar o curso. Quero atuar no Sistema Único de Saúde", assegura o rapaz, que durante a graduação de engenharia participou de um projeto de humanização no Hospital das Clínicas da UFPE. Era o único, lembra, da área de exatas. Os demais participantes eram alunos da área de saúde.

 

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