''Teremos embates jurídicos e fiscais'' diz Mozart Neves sobre reajuste no piso salarial de professores
O educador aponta falta de articulação do governo federal com outros setores e destaca que Bolsonaro faz o anúncio em ano eleitoral
O ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-secretário de Educação de Pernambuco, Mozart Neves Ramos afirmou, na manhã desta sexta-feira (28), que o reajuste de 33,24% no piso salarial dos professores da educação básica deve parar na Justiça.
Na quinta-feira (27), o presidente Jair Bolsonaro anunciou, pelo Twitter, o reajuste. "É com satisfação que anunciamos para os professores da educação básica um reajuste de 33,24% do piso salarial. Esse é o maior aumento já concedido pelo governo federal, desde o surgimento da Lei do Piso”, afirmou. Com o reajuste, o valor em 2022 deverá ser corrigido para R$ 3.845,63.
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Em entrevista ao Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o educador Mozart Neves Ramos ressaltou que os professores devem, sim, ser valorizados e ressaltou que a categoria ganha pouco no Brasil. Mas, ele explica que o reajuste proposto se baseia em uma lei já revogada.
"Minha opinião é que prefeitos vão seguir pela direção de reajuste baseado no INPC, algo em torno de 10,16%, mas há outra orientação tomada com base em certo vácuo pois a lei do Fundeb atual revogou a de 2007. Parece que isso vai terminar nos tribunais, não ha como Executivo ou Legislativo (resolverem), neste momento, sem ter decisão no campo judicial. Teremos embates no campo judicial, teremos embates no aspecto fiscal e no campo jurídico. É difícil expor o caminho, mas mostrou incapacidade do governo de fazer articulação", comentou.
Antes de Bolsonaro anunciar o reajuste, Casa Civil, Ministério da Economia e Ministério da Educação estavam considerando um aumento de 7,5%, que atenderia a governadores e prefeitos, já que Estados e municípios arcam com a maior parte do custo da folha da educação básica. Só que a pressão de parlamentares da área da educação e das categorias do magistério, além das ameaças de judicialização, levaram o governo a não querer assumir o custo político de dar um percentual de reajuste menor que 33%. O reajuste de 33% defendido pelos professores segue os critérios da antiga lei do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb), substituída por uma nova versão aprovada no fim de 2020.
Neves destaca que o presidente Jair Bolsonaro anuncia o ajuste em ano eleitoral e aponta desarticulação do governo federal. "Primeiro, há clara desarticulação dentro do próprio governo federal.
"Quando a Lei 11.494, de 2007, do antigo Fundeb foi revogada pela Lei 14.113 de 2020, do novo Fundeb, era preciso criar uma lei complementar para orientar em relação ao reajuste do piso do professor. Mas ela foi revogada e ficou um hiato. O Ministério da Educação deveria ter feito esse trabalho internamente para ver como redigir uma nova proposta em articulação com o Congresso Nacional e ficou o vácuo. Assim, (em 2021) MEC, área econômica, Advocacia-Geral da União, Casa Civil, começaram a avaliar qual deveria ser o reajuste, acenaram para o valor 7,5%. Mas o presidente, em momento eleitoral, precisando se cacifar junto ao eleitorado, busca uma nota técnica da comissão de educação do Congresso, que emitiu semana passada, dizendo que deveria se pautar no antigo Fundeb, na lei de 2007, e o presidente anuncia o reajuste enquanto o próprio governo discutia um percentual menor, isso mostra desarticulação", apontou o educador.
Valorização
Educador, Mozart Neves Ramos é membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e destacou durante a entrevista que independentemente das disputas jurídicas, o reajuste ainda está "muito aquém" do valor que a categoria precisa e merece receber. "De uma coisa não temos dúvidas: o professor brasileiro precisa ser mais valorizado. Este valor não é algo exorbitante. Ainda é muito aquém do que os professores precisam ganhar para atrair jovens para a carreira do Magistério", defende Neves, afirmando que apenas 2% dos jovens brasileiros que foram submetidos ao Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) gostariam de se tornar professores.
"O Brasil pleiteou um ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas se compararmos o salário médio do professor no Brasil com a média de salário na OCDE, nivelado pelo poder de compra, na mesma régua, ganhamos 45% a menos do que a média da OCDE. Queremos ter resultado no Pisa, para não ficar na rabeira da educação, mas pagamos 45% menos aos nossos professores", pontuou.
Prefeitos
Assim que o presidente anunciou o reajuste, associações de prefeitos do Brasil se manifestaram contrários ao percentual. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) disse haver insegurança jurídica em decorrência do critério utilizado no reajuste. "A entidade destaca que o critério de reajuste anual do piso do magistério foi revogado com a Lei 14.113/2020, que regulamentou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), entendimento que foi confirmado pelo próprio Ministério da Educação, no dia 14 de janeiro, com base em parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU). Afinal, o que deve ser de fato levado em consideração: parecer da AGU, Nota de Esclarecimento do MEC ou Twitter do presidente da Republica?", questionou nota da Confederação.
Em outro trecho, os prefeitos destacam o ano eleitoral. "Ao colocar em primeiro lugar uma disputa eleitoral, o Brasil caminha para jogar a educação pelo ralo. A CNM lamenta que recorrentemente ambições politicas se sobressaiam aos interesses e ao desenvolvimento do país. Cabe ressaltar, ainda, que, caso confirmado o reajuste anunciado pelo governo federal, de 33,24%, os Municípios terão um impacto de R$ 30,46 bilhões, colocando os Entes locais em uma difícil situação fiscal e inviabilizando a gestão da educação no Brasil. Para se ter ideia do impacto, o repasse do Fundeb para este ano sera de R$ 226 milhões. Com esse reajuste, estima-se que 90% dos recursos do Fundo sejam utilizados para cobrir gastos com pessoal", diz a CNM.
A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) destacou que as finanças não suportam reajustes excepcionais. "Prefeitas e prefeitos se empenham pela valorização do magistério e defendem que os professores merecem um digno reajuste salarial, assim como os profissionais da área da saúde, da segurança e de todas as demais categorias que compõem o funcionalismo público. No entanto, é preciso governar combinando sensibilidade social e responsabilidade fiscal. As finanças locais, infelizmente, não suportam reajustes excepcionais no cenário de incertezas que o Brasil enfrenta".