COLUNA ENEM E EDUCAÇÃO

Dia da Mulher: importância de incluir temas como gênero, feminismo e diversidade sexual nas escolas

Educação é um poderoso instrumento para que novas gerações não reproduzam casos como o do deputado paulista Arthur do Val, que agrediu verbalmente, com comentários machistas, as mulheres ucranianas

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Margarida Azevedo

Publicado em 08/03/2022 às 7:00 | Atualizado em 08/03/2022 às 15:50
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Refugiadas ucranianas, que sofrem com a guerra em seu país, agredidas verbalmente pelo deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP), que as chamou de 'fáceis'. Em Buenos Aires, na capital argentina, uma jovem foi dopada e estuprada por seis rapazes dentro de um carro. Episódios recentes, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, celebrado hoje, reforçam o quanto o debate sobre gênero é fundamental para acabar com a cultura machista e preconceituosa. E como a educação é um importante instrumento para evitar que casos como esse aconteçam.

"Promover a igualdade de gênero envolve educação. Nada melhor que a escola para que meninos, meninas, adolescentes e jovens reflitam sobre seus papéis e dialoguem sobre respeito, preconceito, violência, diversidade e tantos outros temas que ajudarão a desconstruir essa mentalidade machista da nossa sociedade que, infelizmente, é tão cultural e antiga", ressalta a secretária da Mulher de Pernambuco, Ana Elisa Sobreira.

Na rede estadual, 251 escolas, a maioria na Região Metropolitana do Recife, possuem Núcleos de Estudos de Gênero, espaços para que a temática seja abordada com os estudantes por meio de atividades lúdicas, discussões e concursos. A novidade é a expansão para as redes municipais de ensino, que já desenvolvem outra iniciativa, o Projeto Maria da Penha vai à Escola.

Riacho das Almas, no Agreste do Estado, foi a primeira cidade a criar um núcleo, na semana passada, na Escola Municipal José Joaquim de Lima Trapiá, que fica na zona rural. Até o final do ano, pelo menos mais nove cidades pernambucanas devem implementar também. "Já percorri mais de 40 municípios e percebo a sensibilidade dos prefeitos. Mas cabe a eles aderirem", explica Ana Elisa.

PROTAGONISMO

Ex-aluna da Escola Estadual Professor Ernesto Silva, que fica em Olinda, no Grande Recife, Helena Garcia, 17 anos, integra um grupo de 17 adolescentes de 10 Estados brasileiros que publicou, em 2020, o livro Meninas que Escrevem, projeto do Coletivo Nós, Marias, da rede Girl Up, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) para o empoderamento de jovens em todo o mundo. As histórias abordam experiências femininas, por vezes com relatos que envolvem homofobia, mulheres marginalizadas, preconceito, racismo e machismo.

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TROCA DE EXPERIÊNCIAS Helena Garcia e mais 16 adolescentes escreveram, em 2020, livro com temas como homofobia e racismo - ACERVO PESSOAL

O conto de Helena, chamado Solstício, é sobre uma menina que é excluída de um jogo de futebol pelos garotos. "Cresci numa rua, em Rio Doce, cheia de meninos. Me sentia muito sozinha pois eu era a única menina e a mais nova. No meu conto mostro que não dá para julgar uma pessoa por causa do seu gênero. E que podemos ser quem queremos ser, mesmo sendo importante para o coletivo", diz Helena, recém-aprovada para o curso de ciência política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mas optou por viajar para Irlanda, onde atualmente mora sua mãe, para tentar uma graduação lá.

"Tomei a decisão, ousada e corajosa, de não me matricular na UFPE, por mais que eu tenha me esforçado para ser aprovada. Mas estudar fora do Brasil também é algo que sempre quis. Não sei se será fácil, mas vou tentar. Por que não?", indaga a adolescente, que percebeu a escola como um importante espaço para debater questões ligadas ao feminismo, embora limitados, na sua opinião. 

LEITURA

Para a pequena Sofia Farias, 8 anos, reflexões sobre questões que envolvem feminismo ganharam força seis meses atrás, quando sua família fez a assinatura de um clube de leitura infantil chamado Minha Pequena Feminista. Mensalmente ela recebe um livro que aborda assuntos como igualdade de gênero, empoderamento feminino, empatia, diversidade, inclusão social e educação antirracista.

Entre os livros que já recebeu, Sofia gostou mais do título Quando meu coração acelera, de Graziela Dias. "Ele conta sobre os nossos sentimentos quando o coração acelera. Felicidade, tristeza, curiosidade, medo, alegria", explica Sofia. O próximo exemplar que vai ler é Como Nascer de Duas Mães: Guia Prático, de Karen Mentone. Aborda um tema bastante atual, as novas formações familiares com casais LGBTQIA.

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APRENDIZAGEM Aos 8 anos, Sofia já lê livros sobre empatia, diversidade e inclusão - ACERVO PESSOAL

"É muito mais comum que os meninos sejam os heróis e protagonistas das histórias de livros infantis, sobrando para as figuras femininas papéis menos importantes, mais frágeis e normalmente associados a uma figura masculina que surge para salvar ou validar a feminina.

Além disso, a grande maioria dos livros infantis ainda traz personagens muito padronizados, com pouca diversidade, o que achamos um desperdício, principalmente vivendo num país tão plural quanto o Brasil", conta a fundadora do Clube, Mayara Reichert, 29 anos.

O projeto nasceu em plena pandemia, em junho de 2020. A cada mês, junto com cada livro, seguem orientações de psicólogas e feministas para auxiliar os adultos a aproveitarem melhor a leitura e estimular debates com os temas abordados.

"Percebo uma busca das escolas em oferecer leituras mais atuais e mais engajadas com temas importantes como igualdade de gênero, antirracismo e anticapacitismo. Porém, ainda há muito trabalho a ser feito, precisamos trabalhar para desconstruir literaturas conservadoras e abrir portas para temas que ainda são tabu em nossa sociedade e que adultos ainda têm muita dificuldade em conversar e apresentar aos pequenos e jovens. Um exemplo são livros sobre educação em sexualidade e prevenção de abuso sexual infantil. Esse é um assunto pouco discutido em escolas e famílias, mas que tem uma importância enorme para a proteção de crianças e adolescentes e está diretamente ligado ao feminismo", enfatiza Mayara.

EMPODERAMENTO

Para a manicure e cuidadora de idosos Priscila Correia da Silva, 34, a educação foi fundamental para se sentir mais empoderada. Mãe ainda adolescente, aos 16 anos, teve que interromper os estudos no 3º ano do ensino médio para cuidar da filha Kinderly, hoje com 18 anos.

E foi justamente essa filha que a estimulou a retomar os estudos, ano passado. Priscila se matriculou numa turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Estadual Rosa Magalhães, em Beberibe, Zona Norte do Recife. Com o certificado do ensino médio, já começou um curso online de secretariado escolar.

Priscila teve ajuda da sua mãe, Albanita, para criar a filha, sem ajuda do pai da menina. "Tinha vergonha por não ter acabado os estudos. Voltei ano passado, com medo, pois foram 18 anos sem estudar. Mas tive professores maravilhosos, estímulo do meu atual esposo, filhas e da minha mãe", afirma Priscila.

"Infelizmente, a maioria das mulheres ainda é educada para ser dona de casa, cuidar do marido, dos filhos. Mas isso vem mudando. Ainda bem, pois estou orgulhosa e não quero parar, vou buscar aprender sempre mais", garante a manicure, que agora quer servir de inspiração para a filha caçula, Ana Rosa, 4 anos.

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