O Ministério da Educação (MEC) deve suspender uma portaria que dava prazos para alterações no ensino médio do País. A medida foi tomada após pressão de entidades estudantis e parte das associações educacionais.
Com isso, fica adiada a adaptação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja mudança era prevista para 2024. Já a implementação do novo modelo nas salas de aula, iniciada em 2022, não deve ser afetada pela decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A decisão de agora, portanto, não significa revogação do novo ensino médio, como pedem alguns grupos. O novo modelo foi instituído por lei e, para ser revogado, precisa passar pelo Congresso. A pressão, porém, que vem inclusive de parte da esquerda, fez o governo Lula responder com um aceno de mudança. A previsão é de que o cronograma fique suspenso por 90 dias, período em que é feita uma consulta pública e debates sobre o tema.
Na prática, escolas públicas e privadas vão continuar a oferecer o currículo flexível, com os chamados itinerários formativos (percursos de estudo) escolhidos pelos alunos, uma das principais tônicas da reforma. Além dessa mudança na grade de disciplinas, era prevista uma adaptação do Enem a esse novo ensino médio. A decisão do governo é, por ora, não alterar o formato da prova, que é usada como vestibular.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, no Ceará, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse ontem que vai suspender as mudanças no Enem. "Não é só simplesmente chegar e revogar. É preciso discutir. É isso que precisamos fazer. Espero que nesses 90 dias da portaria a gente possa ter uma decisão e deveremos suspender qualquer mudança no Enem em relação a 2024 por conta dessa questão do novo ensino médio", afirmou Camilo. Apesar disso, a mudança ou a suspensão da portaria não foram confirmadas oficialmente pelo MEC.
O ministério ainda não havia definido o que mudaria no Enem para se adaptar a esse currículo diferente. Poderia ser ajustado o tamanho do exame ou incluir questões dissertativas, por exemplo. Isso seria feito ao longo deste ano.
Apesar das críticas de uma parte das entidades, os secretários de Educação e outros grupos de especialistas defendem que ajustes no novo modelo são possíveis, mas veem a revogação como um retrocesso. A divulgação dos planos do MEC também dividiu especialistas.
"É um cenário de incerteza absoluta numa prova de acesso à universidade", disse o presidente do conselho de secretários (Consed) e titular da Educação do Espírito Santo, Vitor de Angelo. Para ele, o Enem que está sendo aplicado hoje não é um bom instrumento para avaliar os alunos que já estão cursando o novo ensino médio e terminarão a etapa em 2024. "O currículo é outro, até da formação básica."
A presidente executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, vê como "positiva e correta" uma mudança no cronograma do Enem. "Mas será preciso ir muito além. O MEC terá de mexer na normatização em relação ao teto de formação geral básica, nos itinerários, que precisam de melhor definição, e na permissão de educação a distância no ensino médio." O Todos não é favorável à revogação da reforma, mas defende adaptar o formato.
Há duas semanas, Lula disse nas redes sociais que o ensino médio não fica "do jeito que está". Um novo texto para substituir o da portaria, que era de julho de 2021, deve ser elaborado pelo MEC, segundo o Estadão apurou. Ele também deve mudar os prazos para que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) seja alterado. A prova avalia aprendizagem de alunos do 3.º ano do médio em Português e Matemática.
O ensino médio é uma das etapas de ensino com mais problemas no País, com 90% dos concluintes sem saber o que se espera em Matemática e 60%, em Português. Um terço dos jovens de 19 anos sequer finaliza a escola no País. O currículo engessado e distante da realidade do jovem é considerado uma das razões do fracasso.
A reforma do ensino médio foi inicialmente instituída por meio de medida provisória pela gestão Michel Temer (MDB), o que levou a muitas críticas diante da falta de espaço para discussão com professores, alunos e entidades. Depois, foi aprovada como lei. Ela definiu que parte do ensino médio seria feito com as disciplinas básicas e obrigatórias (cerca de 60% da carga horária) e o restante, flexível.
O aluno teria uma espécie de cardápio com os itinerários formativos. Cada Estado ou até escola, no caso das particulares, criaria seus percursos, com propostas interdisciplinares, contemporâneas e próximas do interesse do jovem.
A implementação estava prevista para ser feita na gestão Jair Bolsonaro (PL), período marcado por omissão do ministério e pandemia. Não houve ajuda do MEC para que os Estados (que são responsáveis pelo ensino médio) formassem professores para novas disciplinas, melhorar a estrutura ou escutar estudantes.
Hoje, apesar de haver algumas boas experiências, são muitos os problemas. Há itinerários com propósito duvidoso a aumento da desigualdade, com poucas e rasas opções de currículos para alunos pobres.
A revogação da reforma do ensino médio opõe membros da esquerda e até do próprio PT. Entre os críticos estão entidades estudantis (como a UNE), sindicatos, movimentos sociais, pesquisadores de universidades públicas e parlamentares geralmente alinhados à sigla em várias outras pautas.
À TV Fórum na semana passada, o ex-deputado José Genoíno (PT) chamou a reforma de "produto do golpe", em referência ao impeachment e a Michel Temer, que propôs a mudança. Lula e Camilo Santana têm sido confrontados sobre o tema em ambientes de esquerda, como na entrevista à TV 247, quando o presidente disse que o ensino médio "não será do jeito que está".
Ambos sinalizaram intenção de ajustes e abrir diálogo com professores, alunos e entidades, mas não verbalizaram plano de revogação completa, como defendem alguns de seus correligionários no Congresso. Por isso, entre parte dos defensores da revogação ontem, havia comemorações cautelosas - muitos preferem ver a portaria para entender se houve vitória real ou se o governo tenta ganhar tempo em meio à mobilização crescente.