Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios
Sabe aquela expressão do ex-governador Agamenon Magalhães de que, quando não se quer resolver nada e deixar as coisas como estão ate elas serem esquecidas, a melhor solução é fazer um projeto e criar um grupo de trabalho para analisá-lo?
Pois bem, essa reforma proposta por Jair Bolsonaro é para ter efeitos depois de 2040. Até lá, será preciso substituir, ao longo dos anos, toda a força de trabalho que hoje está no setor público.
Mas antes que alguém ache que o governo está fazendo isso para economizar com pessoal já nos próximos anos, é importante prestar atenção no conceito básico que diz que a estabilidade dos servidores que já ingressaram no serviço público continua nos mesmos termos da Constituição atual, e que os vencimentos dos servidores atuais não serão reduzidos.
Nada mais justo do que isso. Afinal, como fazer uma lei que prejudique os atingidos retroativamente? Como defender, mesmo num Congresso razoavelmente reformista como este, alguma coisa mais radical? Mas contra fatos não há argumentos. Em 2021, 93,7% das despesas do governo serão obrigatórias.
Tem mais: até o ano passado, o governo tinha uma folha de R$ 109,8 bilhões (eram R$ 44,8 bilhões em 2008, no segundo ano do segundo governo Lula). E mesmo na crise de 2015 e 2016, os servidores tiveram reajuste.
Então essa conversa de fazer uma reforma que foque no interesse dos profissionais de excelência para ingressar e se manter no serviço público, manutenção da prestação de serviço, mesmo com a troca de governo, e segurança de que todos os atos serão regidos pelo devido processo administrativo é muito bonita, mas não responde a uma questão básica: quando a despesa com pessoal cai?
Não vai cair. A remuneração média dos 282.244 aposentados do Executivo é de R$ 8.852,83 e dos 543.626 ativos fica em torno de R$ 9.752,51. Não é grande coisa, mas quando você olha o que acontece com os demais poderes fica difícil acreditar numa mudança mais efetiva.
Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, o salário médio dos 8.570 aposentados do Poder Legislativo Federal é R$ 29.195,40. O salário médio dos 11.934 ativos é R$ 20.210,50. Agora vejamos os rendimentos dos servidores do poder Judiciário: aposentados - R$ 19.019,15; ativos - R$ 14.726,44. Finalmente, o Ministério Público: R$ 18.283,68 para aposentados e R$ 14.726,44 para os ativos.
Alguém pode dizer que a conta no Executivo é para 1.233.602 (incluindo os 282.244 pensionistas) enquanto, se somarmos todos do Legislativo, MPF e Judiciário, são apenas 196.173. É verdade. Mas os valores apenas revelam as distorções.
Calma, isso não quer dizer que a ideia de uma reforma administrativa não seja interessante. O governo agora na covid-19 avançou ano em processos. Hoje, segundo o ministério da Economia, mais de 800 serviços são feitos de forma digital. Isso é um avanço enorme. Mas é processo, não foi estrutural.
Na verdade, o setor público brasileiro, que tem 500 anos, adquiriu expertise de autodefesa que o Congresso que não tem uma composição permanente e não sabe como atuar para resistir às pressões.
Mas o fato de se propor uma reforma já é algum avanço. Talvez o maior ganho seja a ideia de que o setor público tem quem entregar um serviço de qualidade. Importa pouco se custe caro. O problema é que ele ficou caro e, salvo as exceções, não entrega um serviço de qualidade.
O problema da reforma proposta por Bolsonaro é que, parece claro, que ele retirou os artigos que poderiam permitir corte de salários e revisão de uma série de critérios que hoje viabilizaram a indústria dos concursos, cuja única motivação é a estabilidade.
Aliás, a exposição de motivos tem umas platitudes: impessoal; aberto e competitivo; dados do serviço público disponíveis para qualquer cidadão, inclusive remunerações; manutenção da prestação de serviço, mesmo com a troca de governo. Ora, isso independe de reforma.
O problema é que hoje quem entra no setor público contrata uma remuneração de quase 60 anos, quando se faz a conta de um servidor passa 28 anos na ativa, mais 20 na aposentadoria e mais 11 de sua viúva na condição de pensionista. Isso explica o motivo de tanta gente pegar o próprio FGTS para investir, dois ou três anos, num concurso público.
Mesmo que para grande parte a jornada de trabalho seja algo frustrante, uma vez que "ninguém" está interessado nas habilidade dos que ingressam no setor público. São peças de reposição de uma máquina velha e ineficiente.
Mas a proposta vai ter resistência braba. Mudar o regime jurídico único dá lugar a cinco vínculos distintos. A briga vai ser pela manutenção da regra de que quem passa em concurso já assume cargo público efetivo, o que dificulta um eventual desligamento.
Outro entrave da resistência: desligamento apenas por sentença judicial transitada em julgado e/ou por infração disciplinar. Assim como a manutenção de servidores em atividades em que não há mais demanda e incapacidade de adaptações e ajustes.
Assim como a proposta de acabar com benefícios como licença-prêmio, aumentos retroativos, férias superiores a 30 dias/ano, adicional por tempo de serviço e, o mais absurdo, aposentadoria compulsória como punição - e o sujeito continua recebendo.
Então, o desafio é mudar não só em relação aos novos, mas parar com muita coisa para quem já está no serviço público. Sem isso a gente vai ter que esperar que toda uma geração de servidores que já está atuando seja desligada, a partir da morte dos seus pensionistas, como indica a média dos que estão no Regime Próprio de Previdência Social – RPPS.
O presidente passou toda a vida como uma espécie de sindicalista de militar e policial. Mudar uma regra que puna essa categoria é muito difícil, o que o fez exigir que o princípio da estabilidade dos servidores que já ingressaram no serviço público fosse escrito como o 1º artigo.