Imaginando-se numa guerra, Bolsonaro sempre vai apostar na lacração digital
Bolsonaro pergunta para chocar seus adversários: ''Vão ficar chorando até quando?''
Parece haver um certo equívoco do mundo político, da oposição, das pessoas de boa-fé - que pranteiam seus mortos - de médicos e de cientistas na linha de frente, em achar que o presidente Jair Bolsonaro vai combater opiniões divergentes sobre os seus pontos de vista de forma organizada, confrontando argumentos racionalmente.
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Não vai. O presidente vai, sempre, apostar no embate do menino de rua que, ao enfrentar o adversário mais forte do bairro, dá um murro no rosto dele, corre e depois fica, de longe, dizendo que ganhou a briga. Por mais que apanhe, no dia seguinte, a imagem que ficou no bairro é a de ter vencido o embate com esperteza.
Hoje ela poderia ser chamada de tática de lacração.
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O presidente trabalha basicamente com essa estratégia de lacração. A diferença é que agora à aplica às plataformas digitais, território em que aprendeu a trafegar com habilidade.
Se observarmos a frase “Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?” podemos ver claramente a estratégia do murro de surpresa seguido da corrida.
Toda pessoa razoavelmente informada vai se chocar com frase do presidente que embute um profundo desrespeito pelo ser humano, falta de compaixão com o igual e atenção fraterna para com o seu semelhante. Soa como um murro no rosto cuja consequência é ficar marcado por vários dias.
O presidente prossegue na estratégia quando diz que “Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”
Nesse ponto, o presidente aplica a segunda parte da estratégia. Depois de atacar de surpresa e correr, vai para um ponto longe de alcance (no caso as redes sociais) dizer que é mais esperto e que ganhou a briga e que não se meta com ele porque ele saber atacar de surpresa.
O presidente diz o óbvio com o qual todo mundo concorda. “Temos de enfrentar os problemas.” Ora, o Brasil inteiro vem enfrentado problemas, ainda que ele (Bolsonaro) não tenha liderando o país para uma ação racional. Ninguém discorda disso. Mas o problema está na outra frase:
Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?
Bolsonaro, vem desde o primeiro dia da covid-19, defendendo a ideia deixar os mais idosos e pessoas com comorbidades em casa. Como se fosse possível sair e não os contaminar. O chamado confinamento vertical.
Os mais velhos não saíram. Foram contaminados em casa. E, em muitos casos, pelos filhos que foram para a balada, não usaram máscaras e se aglomeraram.
Finalmente, o presidente indaga: "Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?" A frase é falsa porque se o Brasil pela falta de liderança corre o risco de ter que parar nos próximos dias por absoluta falta de condições de atender tantos pacientes nos hospitais.
Mas se olharmos do ponto de vista do cidadão comum, no mínimo, o presidente plantou uma enorme dúvida sobre a necessidade de medidas de confinamento.
Claro que o presidente distorce já faz tempo o sentido do trabalho no campo. O campo trabalha isolado e se cuidou. Não há informação que o trabalhador do campo aglomerou. Mas o discurso do presidente ajuda a confundir. E ele sempre tem a vantagem de, ao ser confrontado, dizer que "acabou a entrevista".
Talvez o erro das pessoas que criticam Bolsonaro seja querer combater Bolsonaro com armas convencionais e de bom senso. Não vão ganhar uma.
Bolsonaro de certa forma usa táticas da guerrilha urbana aplicadas ao universo digital. Ele espalha o medo com ataques curtos e conquista de pequenos vitórias que são amplificadas na comunidade atingida. Visa quebra o moral.
No fundo, parece claro que as pessoas de boa-fé querem combater Bolsonaro com as regras da convenção de Genebra que respeitam os direitos dos contendores. Bolsonaro não atua assim.
O presidente tem um objetivo, que é a reeleição de 2022. No fundo, ele só mira esse objetivo, embora as condições que conquiste a vitória possam deixar um rastro de mortes e tortura emocional e psicológica. Talvez 500 mil.
Mas isso, numa guerra travada com táticas de guerrilhas, entra na conta dos efeitos colaterais de perdas civis. O presidente não vai se compadecer de nenhuma morte que tenha notícia. Para ele, e seu grupo, o que importa é chegar no objetivo que ele demarcou: 2022.
Por isso, a única coisa que podemos esperar é mais uma frase do menino de rua. Mais um murro, um novo susto com a surpresa do ataque e mais uma comemoração longe do alcance do adversário (nas redes sociais) de que ganhou o embate.
O pior é que, como na briga de rua, tem muita gente que acha que ele ganhou a disputa. E até comemora nas redes sociais.