Entrevista

''Bolsonaro já tem infrações maiores que a Dilma'', diz Mandetta sobre motivos para um impeachment

O ex-ministro cobrou sensibilidade no enfrentamento da pandemia e apontou erros do governo Bolsonaro

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Cássio Oliveira

Publicado em 04/03/2021 às 9:45 | Atualizado em 04/03/2021 às 14:06
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Cotado para disputar a Presidência da República em 2022, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM) disse não ver condições de um impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido), mesmo apontando possíveis crimes contra saúde pública praticados pelo presidente da República.

Em entrevista à Rádio Jornal, na manhã desta quinta-feira (4), Mandetta cobrou sensibilidade do governo federal no enfrentamento à pandemia da covid-19, disse que apostar na cloroquina foi um erro e colocou que, somente nas urnas, em 2022, a população terá a chance de decidir a permanência, ou não, do governo Bolsonaro.

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"Participei do momento de impeachment de Dilma Rousseff. É um momento em que é razão e politico. O presidente (Bolsonaro) já deu motivos, ele tem infrações muito maiores que Dilma. Ele tem infração direta de crime contra a saúde pública ao forçar aglomeração, forçar com que transmitam doença. É crime propor medicamentos sem eficácia, é crime contra saúde minar a confiança nas vacinas, que é a única porta de saída para a pandemia. Então, do ponto de vista de motivo, como alguém da saúde, eu votaria (no impeachment). Mas, em 2015, Dilma não tinha apoio nem dentro do próprio partido. O ambiente, agora, para impeachment seria complexo de ser organizado, mas eu votaria sim", afirmou o ex-ministro.

Ouça a entrevista com Luiz Henrique Mandetta:

Uma pesquisa PoderData realizada nesta semana indicou que a aprovação ao governo federal (“você aprova ou desaprova o governo do presidente Jair Bolsonaro?”) é de 40%. A desaprovação é de 51%. Outros 9% dizem não saber. Para Mandetta, o presidente mantém apoio por usar a estratégia de "dividir para conquistar". "Essa máxima era feita por propaganda na guerra fria e essa técnica é feita hoje na internet. Se usa algoritmos, criando bolsões que ficam recebendo milhares de informações de um único viés. Então, nessa questão da cloroquina, por exemplo, dividem médicos, dividem a classe política. Mas, creio que quem rejeita o governo, não volta mais. Quem aprova, aprova o momento mas não fala em futuro, não é porque aprova que gosta. Às vezes, a pessoa ouve ele mandando abrir as lojas e a pessoa é do comércio e quer aquilo", comentou Mandetta.

Mandetta vem tentando iniciar um movimento para tentar afastar o seu partido, o Democratas, de Jair Bolsonaro. Na terça-feira, ele realizou uma live com o presidente nacional do DEM, ACM Neto. Na conversa, os dois adotaram um tom duro de críticas à postura do governo federal na condução da pandemia do coronavírus.

ACM Neto, que no começo de fevereiro havia afirmado que não podia descartar que o DEM fosse com Bolsonaro em 2022, disse que o Brasil poderia estar hoje em outra situação se o governo tivesse deixado o "negacionismo de lado" e "assumido uma postura de respeito à ciência". Mandetta, por sua vez, destacou que para cuidar da pandemia é preciso "ter coração e se importar com a vida das pessoas humildes".

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Na entrevista desta quinta-feira, Mandetta usou a derrota de Donald Trump como exemplo do que pode acontecer em 2022 no Brasil. "A pandemia provoca que tipo de liderança queremos ter, os Estados Unidos tinham o Donald Trump, ele foi à urna e perdeu a eleição, a sociedade americana disse "isso para mim não serve". O que vai acontecer com a nossa (eleição)? Esse será o grande julgamento.

Coronavírus

Médico, Luiz Henrique Mandetta foi demitido do Ministério da Saúde em abril de 2020, após tensões com Jair Bolsonaro. Os dois discordavam da condução necessária para o enfrentamento ao coronavírus. Nesta quinta-feira, Mandetta apontou que, independentemente, de quem for o ministro da Saúde, os problemas devem continuar. 

"Dividimos em setores, fizemos eixo de prevenção com uso de álcool, higienização das mãos, uso de máscara. Era a prevenção. Ele (Bolsonaro) boicotou toda a prevenção e isso foi um erro capital. Se a gente tivesse lavado a mão oito vezes por dia e mantido o distanciamento, nós teríamos muito menos casos. O presidente não quis lavar a mão, não quis usar álcool, não evitou aglomeração, ele foi contra. Não conseguimos que essa mensagem chegasse limpa à população. A essa altura ele está jogando contra a máscara", comentou o ex-ministro.

Outro ponto criticado por Mandetta foi o da falta de articulação do governo federal para fechar acordos em torno da compra antecipada de vacinas. Ele disse que, se o Brasil tivesse fechado compra de imunizantes da Pfizer em agosto de 2020, o país teria recebido doses da vacina em janeiro. “Mas anunciou ontem a compra das vacinas da Pfizer e essas vacinas só vão chegar no país no final do ano. Não existe vacina pronta na prateleira”, afirmou o ex-ministro.

Confira a íntegra da entrevista:

Avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS):

Mandetta: Na época em que estava no Ministério da Saúde, eu fiz uma crítica nos boletins, pois não compreendia como eles apresentavam a doença. Achava que a China, por ter 1,6 bilhão de habitantes, não poderia uma doença infecciosa ficar só na cidade de Wuhan. Precisávamos de mais informações, eu fui o primeiro a dizer que se tratava de uma pandemia. E, na época, eles não queriam reconhecer uma pandemia mundial. O Brasil foi um dos primeiros países a fazer o alerta de pandemia, que é uma situação em que todas as sociedades do planeta estão convivendo com uma doença infecciosa nova, com um vírus altamente transmissível. Isso era do ponto de vista técnico, mas sempre com muito respeito, como foi a tônica da minha vida. A OMS é uma das instituições que deve passar (por revisão), depois da pandemia, e o mundo terá de se entender melhor, pois é uma falência mundial o enfrentamento à pandemia, desde a hora da informação até hoje, com guerra de vacinas. Algumas nações adquirindo dez vezes mais doses do que precisam e algumas nações com zero dose. O mundo precisa amadurecer muito, a doença veio para fazer o todo mundo repensar a vida em sociedade.

Impeachment de Jair Bolsonaro

Mandetta: A instrução do impeachment, eu participei de um processo desse, da então presidente Dilma (Rousseff), é um momento de razão e politico. O presidente (Bolsonaro) já dá motivos, tem várias infrações muito maiores que as de Dilma. Ele tem infração direta contra a saúde pública, é crime contra saúde você pregar a propagação de doença, forçar aglomeração, forçar com que transmitam doença, é crime propor medicamentos sem eficácia, é crime contra saúde minar a confiança nas vacinas, que é a única porta de saída dessa doença. Então, do ponto de vista de motivo, como pessoa da saúde, eu votaria (no impeachment). Mas, em 2015, você tinha uma presidente que não tinha apoio nem dentro do partido. Agora, politicamente falando, o ambiente para impeachment seria complexo de ser organizado, mas votaria sim.

Aprovação de Bolsonaro

Mandetta: Há uma máxima do império romano de dividir para conquistar, a máxima era feita por propaganda na guerra fria e essa técnica é feita hoje na internet, usa algoritmos e vai criando bolsões recebendo milhares de informações de um único viés. Eles usam essa divisão do povo brasileiro para tudo. Tem a questão de medicamentos, a cloroquina, divide médicos, divide a ciência, divide o SUS, divide a classe política, divide para ver se fica com uma parte. Mas quem não aprova (o governo), quem rejeita, com certeza não volta mais. E, quem aprova, aprova o momento mas não quer dizer nada em relação ao em futuro, não é porque aprovo que eu gosto, não é porque aprovo, que eu voto. Às vezes, a pessoa ouve ele (Bolsonaro) mandando abrir as lojas e a pessoa é do comércio e precisa. Ele joga a culpa no governador, que é mais próximo das pessoas, há transferência da responsabilidade que é feita na internet, com muita técnica, não é uma coisa amadora, inocente, é feito com metodologia, é fruto dos nossos tempos. Mas qualquer pessoa moderada, qualquer homem de bem, quer um país mais unido, com menos gritaria, com menos pancadaria, com respeito. Perdemos 256 mil vidas, o Exército tem 250 mil soldados, se essa fosse a condução dele numa guerra, já teríamos exterminado um Exército Brasileiro inteiro, então a frieza da história coloca o pingo nos is, mas acho que deixa a desejar, as pessoas de bem saíram dali, ficaram os radicais e quem quer escutar algo que lhe diz interesse imediato, na questão da pandemia e outras pontuais.

Avaliação do Ministério da Saúde na pandemia

Mandetta: (A covid-19), é uma doença que não é problema individual, ela ataca toda a sociedade, a economia, o emprego, a cultura, nem temos as torcidas nos campos, os atletas olímpicos não tiveram olimpíada e esse ano não sabem se viajam, pois não tem vacina para eles. Então, dividimos em eixos, vamos defender a vida, vamos defender o SUS, como caminho de sistema, e vamos tomar decisão pela ciência.

Eixo 1

Mandetta: Fizemos primeiro o eixo, o da prevenção. Vamos lavar as mãos, usar álcool em gel, manter distanciamento, é uma doença infecciosa, que o vírus vai pegando carona de corpo em corpo, ele está na maçaneta, na mesa, na conversa, num banheiro, vamos propor essas medidas. O presidente foi lá e disse “eu não quero fazer distanciamento, não vou lavar a mão, usar álcool”. Ele boicotou toda a prevenção, foi um erro capital. É uma doença que precisa de educação em saúde, e tem que todo mundo fazer ao mesmo tempo. Se tivéssemos lavado as mãos oito ou 10 vezes ao dia, usado álcool, a máscara, e feito distanciamento, teríamos um número infinitamente inferior de casos, mas não conseguimos fazer com que essa mensagem chegasse limpa no outro lado (na população). Semana passada ele (Bolsonaro) falou que acha que máscara faz mal, a essa altura ele jogando contra a máscara.

Eixo 2

Mandetta: O segundo eixo era de atendimento, como acessar o sistema, que não tinha equipamentos. Tive de organizar o SUS para chegar ao povão, no começo da doença era só hospital privado, a doença entrou através da classe média alta, era parar e poder montar um sistema, montamos 15 mil leitos de CTI em 38 dias no Brasil, um recorde, naquele momento. Ali, ele (Bolsonaro) pegou uma caixa cloroquina e disse que o remédio resolveria tudo, como álibi para pessoas tocarem suas vidas, sem nenhum tipo de comprovação científica. Agora, ele começou a tirar fotos do ar, pois isso é crime, propor tratamento que se revela sem eficácia.

Eixo 3

Mandetta: Um outro eixo que era a testagem, para separar e diminuir a circulação, (Bolsonaro) mandou parar de testar, colocou um militar no Ministério, que deixa todos em inferioridade, e há 7 milhões de testes envelhecendo e vão perder validade no depósito no SUS e isso nos deixou no escuro, não sabíamos para onde o vírus estava indo, foi um erro também.

Eixo 4

Mandetta: Depois, na hora da ciência, deveríamos apostar duramente num remédio, numa vacina, no que houvesse substância científica, deveríamos ser os primeiros, pois o mundo todo ia querer. A ciência chegou em agosto, setembro, o Brasil anunciou, ontem, que vai comprar as doses da Pfizer, da Janssen, mas elas serão entregues no final do ano. Se tivéssemos feito em agosto, setembro, elas teriam sido entregues em janeiro. A indústria não tem pronta a mercadoria, você faz a encomenda. A sucessão de erros em saúde é muito grande e não depende muito de ministros, eu estava lá e quando percebi que não havia campanha de orientação para a massa decidi falar diretamente em boletins diários, para a imprensa livre fazer chegar para o cidadão informações sem ser fake news, sem ser essa invasão que teve na internet de fake news.

Auxílio emergencial

Mandetta: O Congresso ajudou muito e o presidente gostou, quando ele viu que o auxílio lhe dava popularidade, ele foi ao Nordeste, começou a andar e é importante que numa doença dessa que acomete a sociedade que o estado esteja presente. Mas é preciso continuidade, pois os últimos dois meses e meio foram de muita carestia, fome e dificuldade. Não perceberam que o tempo dessa doença é muito longo, só vai nos deixar quando tivermos solução mais robusta, como é o caso das vacinas. Faltou algo fundamental a um líder. Em saúde, se não puder curar uma pessoa, faça o melhor para controlar a doença. Se não puder nenhum dos dois, esteja do lado, conforte. Não vi gesto do presidente em direção às famílias, em respeito a médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. O Brasil, é um dos países em que mais morrem médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, esse pessoal está na linha de frente. Não é doença só de intenção é coração, se não partir de paixão à vida para tomada de decisões, as outras ficam menores.

Spray nasal

Mandetta: Em política, às vezes tomam decisões sem lógica para criar fato, a ida a Israel, não precisava ir uma comitiva, é basicamente porque o ministro de Relações Exteriores (Ernesto Araújo) está em inferioridade aos pares mundiais e usasse o pretexto, mas diariamente são testados no mundo inteiro vários caminhos esse é um (o spray nasal), não tenho preconceito, acho que nenhum remédio é bom ou ruim, remédio bom é o que funciona, que está comprovado, a medicina manipula morfina, a gente tem arsenal pesado na mão e não tem problema ter mais, desde que funcione. Em Israel, eles informaram algo que testaram em 20 pessoas, que é uma ideia boa, mas essa doença, se você pegar 100 pessoas, 85 saem bem. É bom ter cuidado para saber se o que está testando evoluiria bem de qualquer maneira, mas se cria o factoide de que está se fazendo algo, é decisão política. E isso gasta dinheiro público, manda comitiva, paga segurança, diárias, limousines, hotel, voos caríssimos, algo que se fossem dois técnicos do ministério da Saúde em videoconferência, em 30 minutos, teríamos as informações.

Sensibilidade

Mandetta: A sensibilidade precisa ser ampla, na saúde, o drama está expostos, você tem números, mas vê a educação, vê a evasão escolar, o prejuízo será geracional, olha o prejuízo na cultura, nos eventos, setor extremamente importante, esportes, um PIB de menos 4,1%, de onde nasce? Da falta de vacina, da falta de perspectiva, se estivessem vacinando desde dezembro, estamos com idosos vacinados, sem colapso em hospital. A sensibilidade precisa ser estendida, e na reconstrução do país, quem vai liderar a reconstrução? É o grande desafio?

Bolsonaro pode sofrer intervenção jurídica?

Mandetta: Ouço muito isso (que Bolsonaro tem patologia), mas acho que a patologia psiquiátrica tem tratamento, isso cria estigma contra o doente mental. O presidente tem comportamento fora daquilo que a gente espera de um líder nacional, mas foi eleito democraticamente, eu tinha relação à distância com ele, mas o conhecia do Congresso, quando me chamaram para ser ministro, a conversa foi boa, disseram: monte sua equipe, sua equipe é técnica, todos os ministérios são técnicos, você desempenha o melhor trabalho. E chamei o que o Brasil tinha de melhor em saúde. Quando chegou o problema verdadeiro na saúde, ele não queria trabalho técnico, ele queria um trabalho político em cima de uma mentira chamada cloroquina. Então eu disse: isso não dá. Mas, nas outras situações, no decorrer do ano, você vê a relação sempre tumultuada, do confronto, do ódio, da perseguição, decisões no mínimo equivocadas, do ponto de vista moral, aumenta imposto no remédio e diminui na arma. Quer dizer que a proposta é que todos andem armados? É um posicionamento e quem vai decidir isso é a urna. Se o Brasil disser que é isso que quer, aumentamos a evasão de empresas, vai continuar pessoas saindo daqui, indo para Portugal, vamos perder pessoal de nível superior, perder uma geração, é período de discussão muito importante para o Brasil.

PT

Mandetta: A eleição dele (Bolsonaro) se justifica pela falência do PT (Partido dos Trabalhadores) naquele momento, de não feito, sequer, um mea-culpa de tudo que foi feito, aquela gestão com tantas notícias de corrupção e ele (Bolsonaro) potencializa isso, com a inconstância, falta de tato, falta de querer bem o povo brasileiro, falta de ter relação amigável. O que o estado brasileiro tem a ver com opção sexual da pessoa? Deixa a pessoa em paz. O que o estado tem a ver com menino veste azul, menina usa rosa? Não preciso de líder para isso, preciso de líder para problema grave, como fome, inflação, guerra. A pandemia provoca que tipo de liderança queremos ter, os Estados Unidos tinham o Donald Trump, ele foi à urna e perdeu a eleição, a sociedade americana disse "isso para mim não serve". O que vai acontecer com a nossa (eleição)? Esse será o grande julgamento.

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