Decisão da Anvisa de barrar Sputnik V é derrota para governadores num cenário dramático de vacinas da covid-19
Governadores entram no embate da União Química, que se dá mais no Congresso do que na Anvisa, uma vez que ela simplesmente não entregou a documentação necessária para a aprovação
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou, por unanimidade, e após cerca de cinco horas de discussão na noite dessa segunda-feira (26), o pedido de importação excepcional da vacina Sputnik V, feito por dez estados. Foi um duro golpe na intenção dos governadores que bancaram a iniciativa.
Os técnicos responsáveis por três áreas da agência e os cinco diretores foram contra a autorização devido à falta de dados sobre segurança e eficácia porque, segundo eles, a permissão pode colocar em risco a vida de milhões de brasileiros.
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É perfeitamente natural que os governadores nordestinos expressem isso. Mas não podemos esquecer que, entre a opinião embasada de um técnico da Anvisa e uma frase nas redes sociais ou numa nota oficial de um governador, o cidadão vai acreditar no cientista. Brigar contra essa realidade é cair no descrédito político total.
A decisão da Anvisa também é mais uma derrota técnica da farmacêutica União Química, parceira do Fundo de Investimento Direto Russo e dono dos direitos de produção da Sputnik V, que desde o ano passado tenta, politicamente, aprovar a importação da vacina no Brasil.
Em lugar de seguir o caminho de apresentar os documentos à agência, a empresa preferiu articular, no Congresso, uma legislação específica que permitisse a importação e, a seguir, a fabricação no Brasil do imunizante russo, que não obteve registro em nenhum país que possua agências de controle mais rígidas.
A Sputnik V obteve autorização apenas no México e Argentina, cujas entidades não têm referência internacional reconhecida, além de países no Extremo Oriente e na América Central.
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O embate da União Química se dá mais no Congresso do que na Anvisa, uma vez que ela simplesmente não entregou a documentação necessária para a aprovação.
Na verdade, como ficou claro com a decisão da Anvisa, que não tem. Isso ficou provado porque após enviar técnicos a Moscou e às cidades onde a vacina está sendo produzida, a Anvisa não obteve os documentos.
Uma das vantagens da Sputnik V é o preço, já que o custo da dose da vacina "Sputnik V" para mercados estrangeiros será de menos de US$ 10, com aplicação de duas doses. Se o Brasil conseguisse esse preço, a "Sputnik V" será duas vezes mais barata do que as vacinas de RNA, como a da Pfizer.
A Anvisa teve também em Moscou restrições às instalações de produção onde a vacina está sendo produzida e ao Instituto Gamaleya, que foi a instituição financiada pelo fundo russo para o desenvolvimento do imunizante.
Com a decisão da Anvisa, se coloca uma situação em que, tecnicamente, os governadores não poderão importar o imunizante e o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, terá que decidir se autoriza à revelia a importação ancorando-se numa legislação aprovada no Congresso após articulação da União Química ou nega com base na decisão cientifica.
Os governadores acreditam que podem importar, mas com a decisão da Anvisa tomada de forma colegiada e unânime fica muito difícil aprovar a importação e bancar sua aplicação. Afinal, quem ficará responsável pelas consequências se alguma pessoa tiver problemas com a vacina russa?
Além disso, a decisão da Anvisa tem o apoio de toda a comunidade científica, o que coloca a posição dos governadores numa situação muito difícil em ter apoio para assumir o risco de aplicar a vacina em seus estados.
O problema é que a situação dos estados está cada vez mais difícil, uma vez que há crescimento do número de casos, que deve fazer de abril o pior quadro de mortes em apenas um mês.
As dificuldades, porém, não devem ser suficientes para que eles assumam o risco, mesmo com elevado número de mortes. Especialmente porque depois da quantidade de informações técnicas sobre as dificuldades da produção da vacina russa, e mais ainda pela dificuldade de acesso às instalações de produção dos imunizantes na Rússia e audiências com a comunidade cientifica de Moscou.
Empresa forçou a barra no Congresso
Os governadores sabiam desde o começo que seria muito difícil fazer valer um contrato com a farmacêutica União Química, detentora no Brasil dos direitos de venda da vacina russa Sputnik V, desenvolvida pelo Instituo Gamaleya de Moscou pela dificuldade de informações cientificas.
Mas eles sabiam que se não pressionassem poderiam ser acusados de não estarem atuando para fechar uma compra quando o Ministério da Saúde não atuava nessa compra. E embora o STF tenha decidido que os estados podem comprar a vacina, a União Química tem de provar a segurança de sua vacina.
Mas O fato é que a União Química não entregou esses documentos e como, até agora, a vacina também não obteve aprovação de nenhuma das agências mais acreditadas do mundo, o processo parou.
Assim com essa decisão A Sputnik V não pode, por exemplo, se beneficiar da nova lei que manda aprová-la rapidamente se uma agência internacional já o tiver feito.
Na prática, a Anvisa seria a primeira grande agência de saúde a aprová-la. E parece claro que esse era o objetivo da União Química pois com o selo Anvisa ela teria a garantia de qualidade de suas vacinas.
E talvez um dos problemas tem a ver com a atuação mais política da União Química no Congresso do que na agência brasileira de saúde. A atuação política da companhia no Congresso e junto ao Governo já lhe garantiu que, na Medida Provisória (nº 1026), que dispensou licitação para a compra de vacinas e a autorização do uso emergencial pela Anvisa, lhe fosse reservado R$ 693,6 milhões para a vacina Sputnik V, junto com mais R$ 1,6 bilhão para a indiana Covaxin.
Hoje, segundo a agência brasileira, a empresa teve devolvida sua documentação por faltarem dados e estudos considerados essenciais para a concessão da autorização de uso emergencial pelo Brasil, Canadá, Reino Unido, Japão, países-membros da EMA e da OMS.
O governo russo não enviou a equipe da Anvisa para as plantas do grupo Alium Sistema, que é dono da Binnopham, outra companhia do Fundo de Investimento Direto Russo e que fabrica a Sputnik V em Zilenograd, vizinha a Moscou.
As plantas de UFA e Vladmir, para onde os diretores do Fundo Russo direcionaram a visitas, são uma espécie de showroom do que a Rússia produz em fármacos.
O Ministério da Saúde considera que ainda não há provas de segurança e eficácia da vacina russa contra a covid-19 que justifiquem abrir negociações para a compra do produto com recursos do governo federal. Ele apoiou a conversa dos governadores, mas não se comprometeu em colca-la no Plano Nacional de Iminização.
Segundo integrantes da cúpula da pasta, deve ser realizada nos próximos dias uma nova reunião com desenvolvedores da droga, anunciada pelo presidente Vladimir Putin num último dia 11 como a primeira registrada para imunizar a população.