Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

JC Negócios

Por Fernando Castilho
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Delmiro Gouveia pagou escola de João Santos, que construiu um império no setor de cimento no Brasil

Em 1915, órfão, Joao Santos conhece o industrial Delmiro Gouveia e, então com oito anos, começa a trabalhar na seção de etiquetas da lendária Fábrica de Linhas da Pedra.

Fernando Castilho
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Publicado em 05/05/2021 às 18:10
Foto: Bruno Campos/ SJCC
O escritório do Grupo João Santos fica no Bairro do Recife e ontem foi alvo da operação da Polícia Federal - FOTO: Foto: Bruno Campos/ SJCC
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Um dos empresários mais discretos do Brasil, João Santos gerou uma coletânea de histórias sobre seu conceito de tempo. Todas fazem sentido. Afinal, João Pereira Santos esteve no centro do poder desde a década de 50 como ator importante, embora nunca pleiteasse a ribalta.

Uma das mais famosas revela que, na década de 80, ao assistir à apresentação de um jovem engenheiro, durante inauguração de uma nova fábrica do grupo que finalizou a conversa prevendo uso da jazida de calcário para 35 anos, seu João teria advertido o funcionário: Certo, meu filho, mas e depois desse tempo, eu vou fazer o que com essa fábrica?

O próprio João se encarregou depois de uma gargalha de esclarecer: Se ele dobrasse a capacidade da indústria, a mina reduziria o tempo de vida útil para apenas 17 anos. A notícia ficou conhecida quando ele completou 75 anos e todo mundo achava que ele queria viver 110.

Seu João viveu 101. E era uma pessoa exatamente simples, de hábitos simples e que sabia fazer contas. Não porque era contador de profissão, mas porque gostava de dizer que o Brasil seria uma potência econômica, agrícola e industrial pelo potencial que possuía.

Outra história famosa começou a ser contada quando, em 1996, o Grupo João Santos desfez-se de sua unidade em São Paulo numa operação com o Bradesco. Seu Santos sofreu com a entrega da planta que ele mesmo acompanhara a montagem, mas não deu sinais de desalento.

Após a explicação da diretoria, ele quis saber se a mina de calcário que supria a fábrica estava preservada na negociação com o banco. Estava. E ele encerrou a conversa com uma advertência: "Bom, senhores. Agora precisamos nos organizar para voltar a São Paulo. Daqui a uns 15 anos. Afinal, temos jazida pronta para isso". E, exatamente 15 anos depois, o grupo voltou ao mercado de São Paulo.

João Pereira Santos foi um dos personagens mais próximos dos militares de 1964. Juntamente com o amigo e concorrente José Ermírio de Moraes do Votorantim, forneceu o cimento para a usina de Itaipu Binacional.

Ele contava outra história bem-humorada de como as duas empresas foram “convocadas”. Definido o acordo entre o Brasil e Paraguai, “Seu Santos” recebeu um telefonema do primeiro presidente e construtor da companhia, o coronel Costa Cavalcanti, que fora interventor em Pernambuco.

Costa era conhecido por sua dureza e chamou os dois maiores empresários cimenteiros do Brasil para uma reunião sem dizer o motivo. Na antessala, Santos provocou o amigo José Ermírio: Você sabe o que Costa quer com a gente? Será que vai nos prender?

O coronel os recebeu com uma frase histórica: “O Brasil vai fazer a maior hidroelétrica do mundo e vocês terão uma oportunidade de servir ao país. Vão fornecer o cimento de Itaipu. Se precisarem, o presidente já disse que o BNDES pode ajudar a vocês comprarem os equipamentos”.

João Santos deu a gargalhada com a frase solene de Costa, seu amigo de mais de 20 anos: “Servir ao Brasil”. Junto com Moraes, conquistara o maior contrato de suas empresas. Eles construíram os dois clínquer que trabalharam durante três anos 24 horas por dia.

Outra história de João Santos teria sido a compra de uma companhia de aviação, a Weston. Depois que grupo se tornou nacional, o setor de segurança definiu que ele e mais os dois filhos Fernando e José, não poderiam estar numa mesma aeronave.

Certo dia, indo para São Paulo, "Seu Santos" se interessou pelo avião. Entrou na cabine e começou a fazer perguntas sobre a aeronave e no final questionou o comandante sobre quem era o dono dela. Sem saber que os seus filhos não haviam contado a ele - temendo serem interpretados pelo empresário como ostentação - o piloto informou que a Weston era do Grupo João Santos. Ele não passou o recibo, mas reclamou para os filhos que não ficara satisfeito. Entretanto, manteve a companhia.

Talvez uma das marcas mais fortes da personalidade do empresário João Pereira dos Santos seja o pioneirismo.

Pouca gente sabe, mas Santos ficou órfão de pai e todos os bens da sua família foram destruídos. Em 1915, ele conheceu o famoso industrial Delmiro Augusto da Cruz Gouveia e, então com oito anos, começou a trabalhar na seção de etiquetas da Fábrica de Linhas da Pedra, em Paulo Afonso, Bahia.

Delmiro o levava para abrir a porteira das fazendas com seu carro. E graças à ajuda de Delmiro conclui o curso paroquial e já começou a trabalhar no escritório da Great Western, concessionária inglesa das linhas de ferro de Pernambuco.

Quando, em 1951, após uma carreira de sucesso como produtor de açúcar, montou sua primeira fábrica de cimento, o mercado local nem existia. Tanto que foi vender o cimento Nassau no Rio de Janeiro e São Paulo.

Quando, em 1960, se bandeou para o Espírito Santo comprando outra fábrica, o foco era ocupar o mercado do Sudeste, época em que o Brasil precisava de cimento. João Santos era um homem de boa formação e se interessava por arte e economia internacional. 

Ele construiu uma marca que é facilmente identificável quando se observa que Santos literalmente marcou, no mapa do Brasil, os lugares onde cada uma nova fábrica de cimento faria a diferença.

Das unidades com tecnologia tcheca - que considerava a melhor do mercado - do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Piauí, Amazonas e Pará, até as da Bahia, São Paulo e Mato Grosso do Sul que só entrariam em operação nos próximos anos, estava a percepção do empresário de que o consumo de cimento só faria crescer. Só que ele fez isso 10 anos antes dos mercados se tornarem reais.

Talvez porque Santos tenha uma perspectiva de tempo incomum às pessoas. Ele falava de seus projetos com o sentimento de viver décadas à frente. Senão, como imaginar um projeto de uma fábrica no Pará no meio da floresta amazônica, e que estaria a 80 quilômetros das futuras mega usinas do Rio Madeira?

Ou como justificar uma nova planta em São Paulo (o maior mercado do País) que ficará pronta exatamente quando o Brasil está com capacidade de produção próxima de 100%? Não era apenas empreendedorismo. Era capacidade de "sentir o rumo do vento" quando ele ainda nem soprava.

Na década de 70, Santos percebeu que a mina da fábrica da Ilha de Itapessoca, sua empresa mãe, não operaria muito tempo se sua produção continuasse a crescer e atender o mercado. Ele procurou localizou e comprou uma nova jazida já no continente.

Quando lhe perguntaram a razão, ele disse: Eu não posso ficar com uma fábrica que funcione apenas pelos próximos 50 anos.

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