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Joaquim Francisco falava de remédio, política e Lei de Responsabilidade Fiscal como se contasse uma boa história

Joaquim Francisco foi relator de temas importantes, inclusive, das primeiras leis que trataram da questão da inclusão

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Fernando Castilho

Publicado em 03/08/2021 às 18:50 | Atualizado em 03/08/2021 às 19:44
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Joaquim Francisco, que nos deixou nesta chuvosa terça-feira, 3 de agosto, era um dos personagens mais interessantes que qualquer interlocutor poderia ter como um político, pela honestidade de princípios, formação de caráter e cuidado com a coisa pública. Mas Joaquim também era um grande contador de “causos”, inclusive alguns passados com ele mesmo durante a vida pública.

Um dois mais engraçados aconteceu ainda na condição de jovem prefeito do Recife. Francisco chegou às sete horas no hangar da antiga Weston, no Aeroporto do Recife, trajando um impecável terno feito na Sartória Perreli, marrom, combinando com a camisa e no mesmo tom da gravata francesa.

Desceu do carro, mas não recebeu do governador Roberto Magalhães nem um "bom dia". Doutor Magalhães advertiu Francisco. "Desculpe, mas comigo o senhor não vai para Brasília. Muito menos num jatinho. Marron é uma cor que dá um azar danado e eu não viajo com ninguém vestido desse jeito. O senhor parece um caixão de defunto".

O prefeito teve que abrir a mala e trocar, ali mesmo, toda a indumentária.

Joaquim também era capaz de recitar centenas de substâncias químicas escritas em bula de remédios que lia compulsivamente, sendo capaz de falar sobre princípios ativos com a mesma desenvoltura que falava de política, com uma sinceridade que constrangia quem não tivesse a intenção de ter com ele uma interlocução republicana.

Qual político pode ter no currículo de deputado a honra de ter presidido a Comissão Especial que nos legou a Lei de Responsabilidade Fiscal? Que serviu para tirar do cargo a então presidente Dilma Rousseff e é o instrumento que juristas e adversários do presidente Jair Bolsonaro sempre lembram para não se afastar dela.

A democracia brasileira nos deu a instituição do Real na Economia e a LRF no controle das despesas do Estado. E mesmo que neste momento a inflação seja uma sombra assustadora e os ataques à LRF pareçam ser uma obsessão dos ministros do atual governo, é importante lembrar que esse farol ainda está acesso, e na promulgação dela tem a assinatura de Joaquim Francisco.

Talvez o grande legado de Joaquim à política brasileira tenha sido exatamente esse cuidado com a coisa pública.

E essa contribuição está registrada em dezenas de artigos e debates. Costuma-se dizer que a LRF abriu caminho em meio ao caos fiscal vigente até as décadas de 80 e 90, embora ainda exista uma longa jornada pela frente. Na verdade, existe o consenso criado em torno dela afirmando que ele mudou a cultura do País, que hoje exige explicações, contas abertas e transparência.

Joaquim foi oficial-de-gabinete do governador Nilo Coelho e foi nomeado secretário de Trabalho e Ação Social no governo de seu tio, Moura Cavalcanti, até que em 1981 foi nomeado prefeito do Recife pelo governador Roberto Magalhães, de quem tinha coordenado a campanha eleitoral.

E foi sua atuação como prefeito da capital pernambucana, onde beneficiou as comunidades carentes da cidade, que conquistou grande prestígio popular.

Joaquim foi eleito deputado na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e, no início de 1990, Joaquim Francisco desincompatibilizou-se do cargo de prefeito para concorrer ao governo pernambucano, vencendo no pleito de outubro daquele ano, na legenda do PFL, com o apoio explícito do presidente Collor. Venceu as eleições no primeiro turno.

Joaquim Francisco acreditava poder fazer um governo de ruptura, mas não conseguiu a despeito de ter ,quando no cargo, grande prestígio. Para completar, no seu governo o Brasil enfrentou a primeira epidemia do cólera. O Brasil começou a sair do mar pelos boatos de que a bactéria se transmitia na água.

Conhecedor dos termos médicos e princípios ativos, Joaquim não teve problema em tomar banho de mar. Vestindo um calção de modelo clássico que o tornou conhecido nacionalmente.

Mas Joaquim rompeu com Collor com uma frase que ficou na história: “A história não perdoa aqueles que se afastam da linha ética de conduta.”.

Quando do impeachment de Fernando Collor, Joaquim Francisco fechou com o vice-presidente Itamar Franco. Pouca gente hoje lembra, mas com o afastamento do presidente Collor, foi Joaquim Francisco quem indicou o nome do seu ex-secretário de Fazenda, Gustavo Krause, para o Ministério da Fazenda.

Joaquim se elegeu em 1998, foi o segundo mais votado do partido, quando foi indicado para presidir a Comissão Especial que entregou a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Curiosamente, foi no impeachment de Dilma que a LRF saiu de um estado de absoluta aridez para um território de debates. Houve uma sacudidela grande nos especialistas para ganhar  visibilidade. Especialmente na internet.

Joaquim costumava dizer que com a questão Dilma, a LRF fermentou a discussão, e isso ajudou a surgir uma nova blindagem. Para ele, a LRF serviu para que a oposição ficasse mais atenta. "Todos os partidos têm prefeitos e governadores, que viram vitrine” dizia.

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