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Inflação da comida faz indústria reduzir quantidades para manter o preço

Dona de acasa se assusta com pote de requeijão com 180 gramas, pacote de biscoito com 126 gramas, bebida láctea parecida com creme de leite e pacote de frango com 800 gramas

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Fernando Castilho

Publicado em 24/08/2021 às 7:15 | Atualizado em 24/08/2021 às 8:40
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Nas últimas semanas, quem foi aos supermercados ou a um atacarejo pôde observar que uma série de produtos estão diferentes. Pote de requeijão com 180 gramas, pacote de biscoito com 126 gramas, bebida láctea parecida com creme de leite, pacote de frango com 800 gramas e até embalagens de refeições semi-prontas com porções menores de frango, tilápia e camarão.

É uma estratégia das indústrias para não perder as vendas. Com a inflação, em 12 meses, próxima de 9% (8,99%), segundo o IPCA de junho, medido pelo IBGE, a indústria de alimentos iniciou um movimento de readequação dos seus produtos e marcas, pelo mesmo preço, ainda quem em volumes menores.

O diretor comercial do Grupo Mauricéa, Marcondes Filho, confirma que existe, de fato, essa reformatação para adequar o produto ao bolso do consumidor atual. Ele lembra que o frango ainda é a proteína mais barata que atende os segmentos de menor renda.

Entretanto, no caso da Mauricéa, o foco está nas linhas de produtos temperados e já fracionados para 2/3 pessoas, buscando agilizar o dia a dia de seus consumidores com o custo acessível.

A proposta de reformatar produtos não é novidade. De certa forma, a indústria vive constantemente reformulando embalagens, aumentando e diminuindo porções e, como aconteceu no ano passado, criando embalagens maiores para o chamado "consumo família".

Mas nem sempre isso se deu apenas com o consumidor se surpreendendo.

No tempo dos “Fiscais do Sarney”, esse movimento foi chamado de "maquiagem", com marcas execradas pelas autoridades.

No governo Bolsonaro, o movimento começou em março, quando a inflação chegou a 31,08% em 12 meses, medidos pelo IPP (Índice de Preços ao Produtor - custos na indústria).

Até agora, dois segmentos se destacam nesse movimento da indústria de alimentos. O de produtos lácteos cortou uma série de itens de maior valor agregado e reduziu as quantidades nas embalagens.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Comerciantes e a população já sentem os efeitos da alta dos alimentos da cesta básica no varejo brasileiro. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

O requeijão, por exemplo, saiu de 200 gramas para 180 gramas, e chegou ao mercado a mistura condensada de leite, soro de leite e gordura vegetal - que parece creme de leite, mas não é.

O Diretor Geral do Laticínio Natural da Vaca, Paolo Avalone, revela que na indústria de alimentos é comum a mudança de ingredientes para criar produtos. Ele lembra o caso das bebidas lácteas que nasceram do aproveitamento de produtos que não estavam na linha de produtos no passado.

Na verdade, segundo avalia, o problema está na perda do poder aquisitivo da população em função da perda de renda, que termina na capacidade de compras, além do fato de que o Brasil tinha alimentos a preços baratos que estão sendo corrigidos.

A ideia de juntar ingredientes e desenvolver novos produtos vem da indústria americana. Os americanos criaram o Cheddar, que não é queijo. Na verdade, nunca foi, é um mistura de vários produtos.

Eles também desenvolveram o hambúrguer, que na verdade tem 60% de carne magra, 30% de gordura e 10% de soja.

Além de alimentos, um outro segmento que rapidamente criou produtos com menores porções foi o de biscoitos achocolatados. Eles têm o mesmo número de unidades recheadas, mas ficaram mais finos e com 126 gramas, em lugar das 160 gramas do passado.

O setor de massas e trigo tradicionalmente tem mudanças de porcionamento. Um dos cases mais conhecidos foi protagonizado pela entrada no setor de bolachas cream cracker da Vitarella.

Até então, o mercado trabalhava com 500 gramas. A companhia com novas máquinas chegou ao mercado com uma bolacha um pouco menor, que não precisava ser quebrada ao meio para ser mastigada.

Desta forma, a cream cracker tinha 400 gramas e, consequentemente, o preço 20% menor. Em pouco tempo, ela passou a liderar o segmento, enquanto a concorrência tentava dizer que tinha 100 gramas a mais, perdendo mercado.

No setor de carnes, uma outra estratégia é manter a embalagem com a informação de que tem menos quantidade. Já é tradicional pacote de “um quilo com 800 gramas”.

A embalagem é a mesma, mas a quantidade é menor, especialmente adotada pela indústria de carne de frango. Em todos os casos, os preços ficam próximos aos antigos.

ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Frango tem aumento de preço - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

O índice de preços da indústria de alimentos chegou a 8,60% em junho, segundo o IPP. Apenas o segmento de bebidas ficou abaixo da inflação (4,50% em 12 meses).

Segmentos como derivados de milho, café e matinais estão mantendo suas embalagens, até porque já tinham lançado novas.

O superintendente da Asa Alimentos S.A., Eduardo Henrique, afirma que no setor de produtos de limpeza houve o fenômeno de lançamento de novos produtos para atender as necessidades de limpeza do coronavírus. Na indústria de produtos de sabões, detergentes e produtos de limpeza, a inflação subiu 12,43% - 4,35% só no primeiro semestre. 

Ele esclarece que, até agora, sua companhia não fez nenhuma redução, mas lembra que esse é um mercado de forte concorrência. "Se a indústria seguir nesse caminho, não apenas nós seremos obrigados a se adaptar, mas todo o mercado".

Foto: Arquivo/JC Imagem
Carnes devem seguir apenas em forma de recortes, cubos, iscas ou tiras - Foto: Arquivo/JC Imagem

E até o segmento de peixes e frutos do mar já começa a ter novas porções. Segundo o diretor comercial da Noronha Pescados, Guilherme Blanke, empresa líder no processamento de pescados, o movimento de redução de porções existe, mas em empresas que têm marcas comerciais próprias e que têm seus itens processados na indústria.

"Temos feito cortes menores para nossos clientes. Mas na nossa linha de marcas Noronha Pescados não fizemos. A empresa optou por lançar itens porcionados para refeições para duas pessoas, que são pequenas", explicou.

Indústria de alimentos representa 10,6% do PIB

A indústria de alimentos e bebidas é a maior do País: representa 10,6% do PIB brasileiro e gera 1,68 milhão de empregos formais e diretos. O Brasil é o segundo maior exportador de alimentos industrializados do mundo, levando seus alimentos para 190 países.

Um setor que produz com qualidade, segurança, sustentabilidade, e que investe constantemente em inovação e tecnologia para atender ao crescimento da população mundial e aos diversos estilos de vida.

A indústria de alimentos e bebidas espera vender 3% a 4% mais em 2021, descontada a inflação, segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas. “Essa previsão de crescimento real considera alta de 2,5% a 3,5% do PIB nacional”, disse Dornellas, durante apresentação virtual dos resultados do setor em 2020.

O aumento nos preços de commodities agrícolas e insumos, a variação cambial e o impacto da pandemia têm influenciado os custos de toda a cadeia produtiva da indústria alimentícia.

De acordo com levantamento exclusivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), milho, soja e arroz subiram 84%, 79% e 59%, respectivamente, no primeiro trimestre deste ano.

Em abril, o índice de commodities agrícolas da FAO foi 30,8% superior ao do mesmo mês de 2020, maior patamar deste 2014. No que diz respeito à pandemia, a estimativa é de que o custo adicional de produção tenha sido de 4,8% em 2020, o que impactou em até 2,5% o preço dos produtos ao consumidor final.

Custos de produção

Matérias-primas e embalagens, que respondem por 65% dos custos de produção dos alimentos industrializados, também representam um gargalo por conta da oferta reduzida, agravada pela desvalorização da taxa de câmbio.

As resinas plásticas seguem com preços em alta, e, no caso da folha de flandres, além da restrição da produção interna, os preços acumulam alta superior a 60% nos últimos seis meses, o que tem gerado forte impacto.

Em dez anos, entre 2009 e 2019, as vendas da indústria alimentícia para o setor de alimentação fora do lar, o chamado Food Service (FS), que compreende restaurantes, bares, lanchonetes, padarias, serviços de catering, vending machine, redes de fast food, entre outros, cresceram 184,2%, de acordo com levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA). Para efeito comparativo, no mesmo período as vendas para o varejo cresceram 134,4%.

Esses números mostram que o desempenho do Food Service, antes da pandemia, crescia ano após ano acima do varejo até ser impactado pela crise, a partir de março de 2020.

As vendas da indústria para o setor, que correspondiam a 33% de participação do total das vendas da indústria de alimentos, despencaram para 24,4% ano passado.

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