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Papai Noel reaproveitado: frete caro faz Natal no Brasil ficar sem enfeite feito na China

O custo do frete dos enfeites de Natal ficou tão caro que milhares de itens simplesmente não aguentam o frete para países como o Brasil.

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Fernando Castilho

Publicado em 07/10/2021 às 8:20 | Atualizado em 07/10/2021 às 9:36
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Sabe aquele Papai Noel que toca saxofone, as luminárias pisca-pisca coloridas, além das bolas e fitas prateadas que formam - juntamente com outros enfeites - a árvore de Natal? Não vão chegar para decorar a casa em dezembro. Pelo menos, não na quantidade e variedade que nos acostumamos a comprar nos últimos anos.

E tudo isso por força da pandemia da covid-19, que fez o custo dos fretes explodirem e praticamente inviabilizarem as importações da China. Ficou tão caro que milhares de itens simplesmente não aguentam o frete para países como o Brasil.

O resultado é que pouquíssimos importadores fecharam a compra desse tipo de produto, que é muito leve, mas que só pode vir dentro de um contêiner ocupando muito espaço. Além disso, eles tiveram que disputar espaço nos navios que fazem a rota asiática, que desde o começo do ano sofre por força de compras de países como Estados Unidos, Canadá e da Europa, que passaram a fazer grandes contratos.

O caso dos enfeites de Natal é emblemático porque o valor agregado dos produtos não sustenta o preço do frete. Isso fez com que os importadores brasileiros, que há mais de uma década fazem suas compras nas indústrias chinesas, não conseguissem fechar a operação.

Dessa forma, o Natal da retomada das atividades no Brasil terá que ser feito mesmo com a reciclagem dos adornos dos anos passados que foram guardados. Ou serem adquiridos por preços muito altos, já que vão embutir o custo do frete - que dobrou - e em algumas rotas, até triplicou.

E como sempre tem um efeito colateral no problema, certamente até a nossa sombrinha de frevo talvez não seja mais importada, de modo que o Carnaval de Pernambuco pode até ficar sem um dos seus símbolos. Ela era feita aqui no Recife e há mais de um década vem sendo produzida na China.

CRISE MUNDIAL DE CONTÊINERS

 

Foto: Suape/Divulgação
Suape, pela primeira vez, ultrapassou 40 mil TEUs (Unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) - Foto: Suape/Divulgação

Gabriel Carvalho, diretor da Bleu Logistics, uma empresa nascida no Recife, com sede em São Paulo, e principal fornecedora de serviços marítimos às empresas pernambucanas, diz que o problema global bate mais forte no empresário local.

“Ele precisa disputar espaço em navios depois de achar contêiner para acomodar sua carga. No caso de produtos como os adornos de Natal, esse valor inviabiliza a operação porque o valor não tem como ser repassado ao consumidor”.

Carvalho reconhece que, em alguns casos, simplesmente o frete inviabiliza a importação. Noutros, o prazo de entrega ficou tão grande que o importador perde a venda se for alguma coisa sazonal. Esse parece ter sido o caso dos adornos, que não encontram rotas que permitissem chegar a tempo. E, se acontecer, será mais grave, porque não se vende adorno e enfeite de Natal entre janeiro e setembro.

Na verdade, a crise dos contêineres é o efeito colateral da parada mundial provocada pela barreira da pandemia em 2020. Quando, no começo do ano, ela retomou a liberação, foi de vez e causou grande desequilíbrio mundial de cofres de carga a partir da China.

Com o Papai Noel, o brasileiro já sabe que terá que montar sua decoração de Natal com os itens que guardou do ano passado, ou improvisar usando itens nacionais.

Dólar a R$ 5,40

No caso do Brasil, a situação do custo do frete é ainda mais grave porque o país tenta rodar sua economia com dólar de R$ 5,40, deixando difícil a vida de quem exporta e importa usando contêiner.

Os cofres de cargas estão em falta no mundo inteiro, com a economia voltando com tudo nos países ricos em direção à China, cujas companhias locam navios inteiros, que já congestionam portos e terminais explodindo os preços dos fretes.

No caso dos países desenvolvidos, o que aconteceu foi que quando a economia voltou, todo mundo foi comprar na China. A indústria daquele países demorou a entregar os produtos porque não conseguia encontrar contêiner.

No caso do Brasil, o problema do importador é fechar uma compra com um frete que não inviabilize o negócio e arranjar um espaço num navio que chegue a tempo de estar na prateleira ou no pátio da fábrica.

E nesse caso, Pernambuco entra na roda apanhando dos dois lados.

Carnes e produtos industrializados exportados, por exemplo, já pagam até o dobro do preço do frete com margens salvas pela cotação do dólar enquanto brigam, primeiro pelo contêiner, depois por um espaço no “ex-navio expresso”, que agora - em muitas rotas - virou pinga-pinga, parando em vários portos.

Não é raro os importadores pagarem o frete de um contêiner vindo da China por até US$ 18 mil, podendo chegar até a US$ 20 mil. As dificuldades estão em encontrar também um lugar nos navios.

Na outra ponta, o importador precisa fechar a compra pagando um frete cuja mercadoria suporte os preços da disputa com concorrentes internacionais. No Brasil, produtos de valor agregado baixo estão literalmente sendo deixados de lado porque o frete tornou-se proibitivo.

Segundo o empresário pernambucano Paulo Perez, que lidera a Shineray, isso aconteceu com produtos como cerâmicas e porcelanato, que estão fazendo as empresas brasileiras do setor que haviam deixado de operar a voltar com a produção que se tornou competitiva. O problema é que insumos também não chegarão se forem importados pelas dificuldades de porão nos navios.

Segundo ele, as indústrias estão sofrendo não apenas com dificuldades de frete e rota, mas porque a própria indústria de peças e componentes da China não está dando conta, como é o caso de motos, por exemplo.

Um outro segmento foi o das indústrias de seringas e luvas no Brasil, que pararam de produzir ou quebraram pela ação dos chineses. Com a dificuldade de frete, agora elas estão voltando com força.

Para completar, a China, que é considerada a manufatura do mundo, já não consegue dar conta de tanto pedido entupindo seus portos, fechando um ciclo global de caos logístico. Com sorte, talvez isso se resolva depois de janeiro, quando se inicia o ano do cavalo no calendário chinês.

PROIBIÇÃO DE CARNE PARA A CHINA

 

Foto: Divulgação/Abiec
Brasil irá exportar carne para Tailândia - Foto: Divulgação/Abiec


Curiosamente, para o Brasil, a proibição de importação de carne bovina pela China, em setembro, reduziu a pressão por contêineres para as rotas asiáticas. Para continuar atuando, as empresas do setor desviaram a carga para outros países, mas pagando o frete em dobro e caçando contêiner.

Este foi o caso da Masterboi, liderada pelo empresário Nelson Bezerra, que redirecionou suas exportações da China para outros 14 países como Gana, Tailândia e até Uzbequistão. Mas enquanto aguarda liberação da China, ele sabe que o preço do frete será maior porque o mundo inteiro sofre com isso.

Nelson Bezerra, cuja empresa também faz importação de alimentos e produtos processados, revela que uma compra feita por sua companhia de peixes na Rússia tem um frete tão alto que está quase inviabilizada, pois o preço do produto mais o frete não teria como ser absorvido pelo cliente.


FRUTAS DE PETROLINA SEM PROBLEMAS

 

Fernando Castilho
FRutas de Petrolina 2018 - Fernando Castilho

As dificuldades de porão, contêiner e rotas para a China não são o problema da fruticultura do Vale do São Francisco. É que ele usa as rotas do Atlântico, especialmente Roterdã, que apesar da alta nos fretes, manteve as linhas marítimas.

O Brasil deve exportar, este ano, US$ 1 bilhão em frutas, US$ 200 milhões de manga colhidas no Vale. O setor conseguiu contêiner, vaga e navio, mas os preços subiram, em dólar, entre 25% e 40%, segundo o empresário Paulo Dantas, um dos líderes do setor exportador de frutas do Vale.

Foi o planejamento quem salvou o setor após a crise da pandemia, segundo Jailson Lira, presidente do Sindicato de Produtores de Petrolina, confirmando que o frete subiu junto com os custos de embalagens e plásticos que o Vale importa da China.

Lira diz que em termos de contêineres frigoríficos, o problema não foi sentido, porque o Vale agora exporta frutas o ano todo. Mesmo na pandemia, as entregas continuaram e os preços em dólar ajudaram. Entretanto, ele diz que o problema é a inflação dos custos dos produtos que o Vale compra em dólar e que pela escassez estão subindo de preços, em dólar.

Entretanto, os dois empresários afirmam que têm outras preocupações para 2022: a subida dos fertilizantes anunciada pelas indústrias. Segundo ele, este será o grande desafio do agronegócio no Brasil e ao redor mundo, comparável apenas à falta de componentes para a indústria automobilística.

Num mundo real, hoje faltam contêineres vazios e os armadores estão encomendando novos aos milhares. Só que não é tão rápido fabricar. A alta demanda de operações nos terminais ao redor do mundo desnuda a crise. Em Roterdã, Los Angeles e Suape.

Arquivo/Agência Brasil
Política Nacional de Resíduos Sólidos determina que as indústrias tomem conta dos seus próprios resíduos - Arquivo/Agência Brasil

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