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De ferramenteiro a executivo, poeta e contador de histórias: conheça Paulo Sales, co-presidente e a "cara" da Baterias Moura

Aos 66 anos, o engenheiro mecânico que, por muitos anos, virou a própria imagem pública da companhia, surpreende com a apresentação de um livro de contos, crônicas e o que ele chama de delírios

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Fernando Castilho

Publicado em 24/10/2021 às 8:00 | Atualizado em 24/10/2021 às 17:19
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Paulo Sales era diretor da Baterias Moura quando foi “escalado” à última hora pelo presidente e fundador da empresa, Edson Mororó - uma das figuras mais icônicas no mundo empresarial nordestino - para falar num evento da Amcham, na companhia dos presidentes da Microsoft Brasil e Nike.

Sem tempo para organizar uma palestra mais elaborada, ele começou a conversa do “Seminário Aliança Estratégica” com uma provocação que se tornou histórica: “Aliança Estratégica é quando você sai da faculdade e casa com a filha do dono da empresa que vai trabalhar o resto da vida”. A plateia foi ao delírio.

Pura conversa. Sales já era um “case” de sucesso no mundo corporativo tendo, junto com o sogro, os cunhados Sérgio, Pedro Ivo e Edson Filho transformado a Baterias Moura em líder absoluta do mercado de reposição e na maior fornecedora de baterias automotivas ao setor no País, a partir de uma mega planta industrial em Belo Jardim, no Agreste de Pernambuco.

Aos 66 anos, o engenheiro mecânico que, por muitos anos, virou a própria imagem pública da companhia, falando em centenas de eventos liderando as áreas de marketing e comercial, surpreende com a apresentação de um livro de contos, crônicas e o que ele chama de delírios, onde se revela um autor cuidadoso e refinado.

E um grande contador de histórias que, segundo confessa, foram nascendo nos intervalos de tensas negociações com executivos de multinacionais vestidos com seus ternos de risca de giz ao longo de anos.

O Grupo Moura hoje fornece baterias para praticamente todos os tipos de uso e agora está entrando na florescente indústria de carros elétricos, com a Moura se juntando à Volkswagen Caminhões e Ônibus (WWCO), fornecendo o conjunto de baterias de lítio que equipa o primeiro caminhão elétrico produzido no Brasil.

Conhecido pelo seu bom humor, Sales revela que não joga futebol, não joga tênis e nem joga golfe, atributos que muitos executivos de grandes companhias internacionais exibem no seu perfil nas redes sociais.

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CONTADOR DE HISTÓRIAS

Fernando Castilho
Paulo Sales escreveu Sobre cabeça, corpo e carnaval com personagens e ambiente do Agreste nordestino - Fernando Castilho

Sabe-se agora que seu hobby sempre foi escrever histórias, enquanto foi reconstruindo, na vida profissional, um hábito de adolescente de contar histórias que ia reinventando a cada plateia.

Nos últimos anos, se meteu também a pintar e fotografar. Gosta da fotografia preto e branco no estilo clássico Street Photography, cujo padrão foi definido por Cartier-Bresson, de quem se diz admirador.

O universo literário de Sales contido em Sobre cabeça, corpo e carnaval, não poderia ser outro senão o Sertão e o Agreste nordestino onde ele foi, a partir dos anos 90, localizando seus contos como uma prosa boa contada em fim de tarde.

“Eu fui escrevendo e deixando guardado. Na verdade, eu escrevia quando tinha um estalo e quando tinha um momento de descanso ou de muita tensão como executivo”, diz Sales, que prepara, com o cunhado Sérgio Moura, a saída das funções executivas do Grupo Moura para ocupar apenas um lugar no Conselho de Administração.

O autor revela que a sua “produção literária” foi saindo, mas ficando ali na gaveta digital do computador. Até que sua filha Mariana, a Nana - uma das três mulheres de sua vida, como define na poesia com que abre o livro falando de sua família - o convenceu a mostrá-la a um possível editor.

“Inseguro como um estagiário na entrevista de primeiro emprego”, ele mandou os arquivos digitais para Pascoal Soto, que lhe retornou quase que imediatamente querendo editá-lo. Foi Pascoal Soto quem organizou o livro em contos, crônicas e... Os delírios, sete, no total.

O editor também escolheu o título Sobre cabeça, corpo e carnaval sem perceber que o autor lhe mandara dois blocos de textos, cujo primeiro rendeu o livro e o segundo, que poder render um segundo. O editor diz na apresentação que ficou espantado com o emaranhado de minicontos e crônicas onde Sales foi apresentando seus personagens.

Paulo Sales é sempre lembrado pela condição de genro de Edson Mororó. Isso, segundo ele, nunca o incomodou porque, como conta, Mororó sempre foi um personagem importante na matriz industrial do Nordeste e do Brasil e patrão muito exigente, embora sempre aberto a novas ideias.

De fato, o casal Edson e Conceição Moura (cofundadora da Moura), no setor de baterias; juntamente com José Mindlin, da Cofap (no setor peças) e o irmãos Hercílio e Raul Randon, no setor de implementos; formam o tripé do grupo de brasileiros que escreveram a parte de capital nacional da indústria automobilística do país.

Hoje, a Moura atua nos mercados automotivo, náutico, logístico, de telecomunicações, de sistemas no-break, energia alternativa, energia armazenada, baterias automotivos de lítio e, recentemente, colocou dinheiro numa startup financeira para dar suporte a seus 50 mil revendedores.

DE FERRAMENTEIRO A EXECUTIVO

Mas, curiosamente, ele entrou para a Moura a convite do sogro para montar uma ferramentaria. "A ferramentaria foi uma proposta de Edson Mororó, mirando um mercado que existia no Estado, que ele queria aproveitar."

Engenheiro mecânico recém-formado, ele pretendia estar na área industrial da torrefação Café São Paulo de sua família, instalada na mesma Rua Imperial onde funcionou a primeira planta industrial da Baterias Moura.

Sales foi e nunca mais saiu da companhia. A ferramentaria Metalmaq foi um sucesso e o engenheiro mecânico pôde se realizar profissionalmente pelo que esse tipo de empresa possibilita a um engenheiro mecânico.

Uma ferramentaria é uma indústria que faz peças para indústrias. “Todo dia um tinha um desafio novo e estava satisfeito quando seu Edson, já meu sogro, me chamou para entrar na fábrica de Baterias Moura.

Ele estava entrando no negócio de pilhas e eu acabei o ajudando a montar a linha das pilhas Wayotek, que ficou alguns anos no mercado confrontando gigantes como Rayovac e Duracell. A Wayotek foi a segunda marca do Grupo Moura, cuja logomarca usava a recém-lançada tipologia Avant Gard, presente até hoje no logo da companhia.

A história da pilha Wayotek, feita em Belo Jardim, tem lances de puro pioneirismo, quando Edson Mororó pediu ajuda da estatal Vale do Rio Doce para lhe fornecer manganês, extraído no Pará, já que estava com dificuldades de comprá-lo no mercado internacional. “Foi uma bela jornada até que decidimos nos concentrar naquilo que fazíamos melhor, que era baterias automotivas”, diz Sales.

A decisão de juntar os textos, depois da pressão de sua filha Mariana, a quem no livro Sales agradece por ter se interessado por outros temas menos duros como a fotografia e depois a pintura, aconteceu no momento que o executivo inicia sua saída do comando executivo da Moura, ao lado de Sérgio Moura.

Sales diz que aprendeu nas viagens com Mariana e com sua outra filha, Ana, a parar para registrar imagens, confessadamente, influenciado por Cartier-Bresson. "Eu dou poucos clicks nas minhas viagens. Porque cada click é resultado de muita observação". Observação que já fazia quando parava para conversar com pessoas no interior e ouvir suas histórias.

Se escrever é contar histórias, a maioria dos textos de Sobre Cabeça, Corpo e Carnaval é, de alguma forma, fruto de histórias ouvidas de outras pessoas que geraram personagens como Natanael, Deocleciano, Alcebíades e Jacinto, personagens que Sales foi dando vida ao longo dos anos.

SALVO PELOS PERSONAGENS

 

Fernando Castilho
Paulo Sales escreveu Sobre cabeça, corpo e carnaval ao longo dos anos anos mas guardou os textos até 2020. - Fernando Castilho

Ele reconhece que escrever, em muitos casos, lhe ajudou a tomar decisões difíceis na companhia. Alguns textos foram escritos a mão, ou num notebook, em dias ou até horas antes de entrar numa reunião para tomar uma decisão estratégica para a empresa.

“De certa forma isso ajudou a que eu criasse uma estratégia que se tornou conhecida na minha maneira de 'destravar' temas difíceis, começando a conversa de uma forma, deliberadamente, provocativa, contando a história de um dos meus personagens que, aparentemente, não tinha nada a ver com a pauta”, confessa.

No começo de 1998, o Grupo Moura decidiu que, a partir da terceira geração de Edson e Conceição Moura, os filhos e netos de Sales e seus cunhados Edson Filho, Sérgio e Pedro Ivo não teriam lugar assegurado na empresa. O que os levou a buscar apoio de consultorias para organizar o Acordo de Acionistas.

O conceito adotado por Sales, Edson Filho, Sérgio e Pedro Ivo foi de que a Moura, mesmo sendo uma empresa familiar, deveria estar equipada com o melhor que pudesse contratar no mercado em termos de gestão, priorizando a meritocracia. Seria uma maneira de perenizar o futuro, trazendo para a empresa múltiplas visões. Sales diz que isso veio da convivência com Edson Filho e Sérgio Moura, que conheceu na adolescência. “Eu e Sérgio entramos juntos na universidade e até nos casamos no mesmo dia. Ao longo dos anos, nós desenvolvemos uma parceria que nos ajudou a tomar decisões difíceis.

E essa convivência ficou ainda mais forte quando Edson Filho decidiu deixar suas funções executivas na companhia para cuidar de seus projetos pessoais. "Criamos os cargos de co-presidentes e Sérgio foi quem me deu retaguarda a transformar numa espécie de face externa da Bateria Moura", diz.

Virou mesmo. Depois de Edson Mororó, Paulo Sales, que é da área industrial, passou pelo financeiro, entrou para área comercial e, a seguir, o marketing virou uma espécie de porta-voz oficial da Moura. Mas ele insiste em dizer que ficou mais fácil por ter a retaguarda de Sérgio que cuidava “dos detalhes” na indústria, na medida em que a Moura crescia nacional e internacionalmente.

DIVULGAÇÃO
Sobre cabeça, corpo e carnaval, livro de estreia de Paulo Sales - DIVULGAÇÃO

FACE DA MOURA NO MERCADO

Pouca gente percebe, diz Sales, que no nosso negócio não tem espaço para amador. Seja verticalmente, na medida que a indústria automobilística quer que a bateria de seus veículos suporte as necessidades de energia que eles demandavam nos novos modelos; como horizontalmente, na medida em que a concorrência mira sempre o benchmarking em que nos tornamos no segmento de baterias na rota do chumbo.

Ele diz que os atos de escrever, fotografar e agora pintar foram se fazendo estrada na sua personalidade à medida em que iam sendo tomadas decisões estratégicas para o futuro da companhia.

Uma dessas foi a de acrescentar a rota de lítio, que abastece os carros elétricos, à rota de chumbo, que abastece a linha de veículos com motores a combustão e que levou a Moura a estar presente em 9 de cada 10 carros dos modelos lançados no mercado Brasil.

Esse foi um bom debate na companhia, lembra Sales. “Como o Sérgio cobrava respostas do meu entusiasmo com as perspectivas do lítio, eu tinha que me provar mais uma vez para meu co-presidente. Sérgio é um sujeito que sabe tudo de bateria, o que nos levou a embate muito sofisticado sobre a nova estratégia corporativa”. A vantagem para a Moura foi que, como eles conhecem há quase 50 anos, quando a decisão amadureceu, a ação fluiu.

Fluir significou a busca de Paulo Sales por parceiros internacionais que ajudasse a companhia a se posicionar. “A Moura decidiu ser 'a detentora do atributo de baterias automotivas de lítio no Brasil'. Nós desejamos ocupar esse espaço e estamos nos preparamos para isso”, afirma o co-presidente do Grupo Moura.

NA ROTA DO CARRO ELÉTRICO

Se preparar para ser detentora do atributo de baterias de lítio no Brasil levou Sales à China para conversar com a Contemporary Amperex Technology Co., Ltd. (CATL), maior fabricante de baterias automotivas de lítio-íon do país asiático, e propor uma parceria.

Numa dessas conversas, Sales conheceu o fundador da CATL, que ficou impressionado com a história de Dr. Edson e da Baterias Moura. A companhia pernambucana fechou uma parceria que as multinacionais não tinham conseguido.

Eles não tinham conseguido, mas estavam de olho. E tão logo Sales voltou da China, o presidente da WWCO, Roberto Cortez ligou para Paulo Sales querendo conversar. Nasceu a parceria para que a Moura com a célula de lítio da CATL fornecesse o conjunto elétrico para o primeiro caminhão elétrico fabricado no Brasil.

A parceria da Moura com a gigante chinesa de produção de células de lítio para veículos elétricos é acompanhada pelas demais montadoras que atuam no Brasil pela solução que a Moura apresentou, entregando às montadoras o conjunto de tração completo montado na sua unidade de Belo Jardim.

Num carro elétrico, esse pacote representa o maior valor agregado que um fornecedor entrega à montadora o que, naturalmente, confere à Moura um novo lugar na cadeia produtiva, já que substitui o pacote de componentes do ciclo de motores à combustão.

A presença no projeto da WWCO deve repetir o caminho que a própria Moura já percorreu no ciclo de chumbo, onde foi conquistando lugar nos veículos das demais montadoras pela credibilidade de seu produto.

PREPARANDO A SAÍDA

Mas a partir de janeiro, Paulo Sales e Sérgio Moura terão uma nova experiência. Eles iniciam a saída das funções executivas passando para ocupar o Conselho de Administração, tornando realidade no comando da companhia a saída após os 65 anos.

Para Sales, será um momento importante para a companhia. Como ele diz, a Moura terá novos porta vozes e um CEO que vão cuidar do pacote de negócios que a empresa fundada pelos engenheiros Edson e Conceição Moura em 1957 está envolvida.

Além do ciclo do lítio, a Moura agora está em negócios que vão de um sistema de armazenamento de energia que possibilita usar à noite, a energia solar gerada ao longo do dia. Ou fazer crescer uma startup para dar suporte de crédito aos 50 mil revendedores das baterias automotivas espalhados pelo Brasil.

Sales ajudou a estruturar essa rede para quem desenvolveu uma de suas mais conhecidas estratégias de marketing: A fidelidade de um cliente de bateria não resiste a mais de 500 metros do lugar o seu carro parou.

Embora ele avise que fotografar, pintar e contar histórias agora vão lhe tomar mais tempo, resta saber o que o co-presidente vai fazer com seu tempo além das reuniões no Conselho de Administração e atender os convites para palestras.

"Chegou a hora de fazer novas alianças estratégicas", brinca, lembrando a célebre frase da Amcham. Certamente, Natanael, Deocleciano, Alcebíades e Jacinto, alguns dos personagens que ele criou, ao longo do tempo, devem estar ansiosos por novos encontros.

 

Fernando Castilho
Paulo Sales ainda tem material para um segundo livro que pretende editar quando sair da co-presidencia da Moura. - Fernando Castilho

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