Assim como a transferência direta de recursos dentro do programa de 14º salário do programa Bolsa Família, a proposta do Governo de Pernambuco (atendendo ao pedido da Federação Pernambucana de Futebol) em repassar recursos públicos aos clubes de futebol é perfeitamente justificável.
Com dinheiro em caixa, o Governo de Pernambuco está pagando a restauração do Museu do Trem ao lado do Metrô e a restauração do Cine Atlântico de Olinda, entre outras iniciativas que, até 2019, eram impensáveis devido à penúria de recursos no caixa do Estado. A realidade de hoje, contudo, permite isso e muito mais.
Mas o caso do Todos com a Nota é a reedição de uma ação de tentativa de melhoria fiscal ainda dos tempos em que o cupom fiscal era impresso em gráficas e quando sistemas como o atual e-Fisco sequer existiam. Não era impactante nas contas da secretaria da Fazenda, mas ajudava na divulgação do conceito de o contribuinte saber que estava pagando impostos.
Com os modelos atuais de escrituração fiscal das empresas, falar de uma promoção que se fundamenta na apresentação de cupons fiscais para obter um ingresso soa como tentar incluir, numa plataforma fiscal digital, um conceito analógico.
Portanto, se o Governo do Estado acha importante para os nossos clubes de futebol receber algum tipo de ajuda financeira, é mais transparente assumir isso sem criar uma campanha que ficou defasada e que no conjunto de plataformas digitais do governo, não vai ajudar muito na arrecadação.
Qualquer pessoa que se dispor a juntar essas notas vai ver que elas estão sob o regime do e-Fisco. Ou já pagam o ICMS e emitem o cupom fiscal pedido ou não ao cliente. Ou estão em setores de redução dentro dos programas do próprio Governo do Estado.
Mas o novo TCN tem coisas curiosas.
O primeiro é que o torcedor, para conseguir um ingresso, terá que juntar R$ 200 em cupom fiscal. Isso que dizer que ele terá que consumir R$ 200. Certo, mas se o seu clube tiver uma série de mando de campos de cinco jogos, ele terá que juntar R$ 1.000.
Assim, o torcedor que não tem como pagar o ingresso terá que juntar notas de quase um salário mínimo para ver o jogo do seu clube do coração.
Pelo que está acertado, a distribuição de 15 mil ingressos se para os jogos do Santa Cruz, 6 mil para Náutico e Sport, e 2 mil para Retrô e Afogados.
Por cada tíquete, Leão e Timbu recebem R$ 30, contra R$ 25 para os times da Série D.
Segundo a FPF, o Todos com a Nota sempre foi conhecido como “um programa fundamental para estreitar o vínculo do torcedor pernambucano com os clubes de futebol do estado. Ao mesmo tempo, o Governo de Pernambuco tinha como ganho um maior controle em relação à arrecadação de impostos, tendo em vista o maior estímulo à emissão de notas fiscais”.
Sejamos sensatos: “estreitar o vínculo do torcedor pernambucano com os clubes”, tudo bem. Mas dizer que, em 2022, ele permitirá “um maior controle em relação à arrecadação de impostos” é um pouco demais.
É importante repetir. Não há nenhum problema se o Governo (com recursos em caixa), transferir R$ 8.777.947,50 (oito milhões setecentos e setenta e sete mil novecentos e quarenta e sete reais e cinquenta centavos) para o projeto Todos Com a Nota. Não há nenhuma ilegalidade nisso.
Mas justificar o gesto com o argumento de que o projeto vai melhorar a arrecadação é desconhecer a realidade contábil e faz empresas de hoje, depois de programas como o Simples Nacional, o MEI e a legislação atual, que é resultados de uma grande modernização. Porque apesar de todo o discurso, o próprio conceito do Todos com a Nota é de um tempo analógico.
Não precisa a FPF gastar dinheiro para fazer um software para apurar dados que a Fazenda já possui. Basta a secretaria da Fazenda transferir o dinheiro e repassar os ingressos aos clubes.
Como, aliás, vai acontecer, embora isso sempre abra uma enorme chance deles serem usados pela torcidas organizadas.
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