Sistema carcerário

Decisão do CNJ sobre Complexo Penitenciário do Curado põe Pernambuco no banco do réu, de novo

O quadro no Complexo do Curado é conhecido das autoridades, mas só agora foi revelado nacionalmente. A decisão do CNJ constrange o governo, o nosso poder judiciário, o estado e seus cidadãos

Imagem do autor
Cadastrado por

Fernando Castilho

Publicado em 25/08/2022 às 7:15 | Atualizado em 25/08/2022 às 16:45
X

Poucas decisões tomadas por órgãos federais impactam tanto uma administração como as que atribuem aos gestores dos chamados entes subnacionais a acusação de violação de diretos humanos.

A decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinando que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) terá um prazo de até oito meses para reduzir, em 70%, o número de presos que cumprem pena no Complexo Prisional do Curado, no Recife, uma das maiores unidades prisionais do Brasil, é uma dessas coisas que desmancha qualquer esforço da administração em se apresentar como eficiente.

O governador, os secretários e os administradores do nosso sistema prisional vão dizer o que?

O quadro do Complexo Prisional do Curado é conhecido das autoridades, mas só agora foi revelado nacionalmente - e, com essa decisão, constrange o governo, o nosso poder judiciário, o estado e seus cidadãos.

Conselho Nacional de Justiça vai ao Complexo Prisional do Curado

A Comitiva do CNJ que visitou a unidade prisional, na semana passada, ficou em choque com as condições desumanas em que vivem os presos.

Alguns precisam até rastejar para entrar em buracos improvisados para dormir. Há também sérios problemas de estrutura e higiene por todas as unidades.

E os gestores sabem o que disse de forma bem dura a corregedora Nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também esteve em Pernambuco durante a inspeção.

O que os gestores de Pernambuco podem dizer? Que a União cortou verbas? Que as novas vagas não ficaram prontas? Ou podem dizer que é a eficiência do aparelho repressor da criminalidade é tão forte que não deu tempo de adequar o sistema? Podem. Mas o nível de credibilidade é zero.

Sistema carcerário degradado

O estado de degradação do sistema carcerário de Pernambuco é conhecido há pelo menos 16 anos.

Prova disso foi o esforço do então governador Eduardo Campos em construir o novo complexo de Itaquitinga que, como se sabe, entrou para a história administrava de Pernambuco como um modelo de como não fazer.

Como, aliás, entrou o sistema de BRT e a desastrada proposta de navegação do Rio Capibaribe.

Lotação no Complexo Penitenciário do Curado

A lotação é 360% superior à capacidade das três unidades que formam o Complexo Prisional do Curado.

No Presídio Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), a taxa de ocupação é de 430,4%. No caso do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), a taxa é de 288,7%.

Por sua vez, no Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), a superlotação é de 445,5%.

Mas a questão dos presídios é mais grave porque envolve vidas e diretos humanos e expõe a gestão penitenciária, que é responsabilidade do governo do Estado.

Pode-se alegar que o Estado preferiu fazer escola em lugar de fazer presídio. E, sob qualquer ponto de vista, faz todo sentido priorizar construir sala de aula em vez de cela prisional.

Mas, como revela o relatório do CNJ, a administração Paulo Câmara atingiu o estado da arte do abandono do problema que estava a menos de 10 quilômetros do Palácio do Governo.

Problema do sistema carcerário

Há, de fato, um crescente movimento de encarceramento no Estado. O que revela uma perturbadora situação de degradação social de Pernambuco.

Assim como é perturbadora a constatação de cada vez estar presente entre nós a ação de facções que comandam o crime de dentro dos presídios.

Mas o descaso do governo pernambucano (responsável pela integridade dos presos) com o sistema carcerário nos passa a sensação de abandono do problema. Como se essa atitude fosse suficiente para resolver ou gerenciar melhor a questão.

Não é segredo para o TJPE e a secretária de Ressocialização o estado de coisas que acontecem nas nossas prisões. Mas o que incomoda é como a condição de vida dos encarcerados foi deixada a sua própria sorte e agora exibida em rede nacional.

O resultado está nas duras avaliações do CNJ que, informado da tragédia social ali existente, decidiu agir.

É importante pontuar. O CNJ veio a Pernambuco com uma força tarefa e que, após inspeção, terminou por dizer ao governo do Estado que ele não está minimamente respeitando os direitos humanos deles. E mais ainda quando determina que tome atitudes e fixa prazos.

Não pode ser mais constrangedor para um governador receber esse tipo de decisão.

Problema para o novo governador

Nos últimos anos, os pernambucanos acompanharam uma gestão que ficou marcada pela missão de pagar as dívidas herdada de uma gestão anterior.

Diligentemente se pagou as contas a ponto de se comemorar o fato de em 2021 se pagar o salário dos servidores no mês de competência. E o fato de se readquirir a capacidade de se endividar novamente.

O próximo governador vai ter melhores condições de trabalhar. E para cumprir a determinação do CNJ, terá que destinar recursos para melhorar a situação do sistema carcerário de Pernambuco. O que não foi feito até agora.

Mas depois que a atual administração recebe uma cobrança desse nível, não há como fugir da pergunta inquietante: foi para receber uma cobrança desse nível que o estado gastou tanta energia na melhoria de nossas contas?

Se o Estado comemora o fato de agora poder contratar empréstimos e o que recebe é uma censura nacional por estar descumprindo direitos humanos, para que serviu esse esforço de gestão?

Mas o que esperar de um governo que levou um ano para identificar o policial que atirou no olho de um trabalhador que passava numa ponte numa manifestação e que até hoje não esclareceu as circunstâncias de uma desastrada operação policial que matou uma criança na porta de casa em Ipojuca?

Talvez o Governador eleito em outubro possa olhar a situação do sistema carcerário de forma mais responsável. Até porque, quando assumir, terá apenas quatro meses para adequar o sistema penitenciário às determinações do CNJ.

Tags

Autor