SISTEMA PRISIONAL

CNJ determina que 70% dos presos sejam tirados do Complexo do Curado, no Recife

Atualmente há mais de 6,5 mil detentos no Complexo Prisional do Curado, considerada uma das mais superlotadas do Brasil. TJPE terá que resolver problema

Raphael Guerra
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Raphael Guerra
Publicado em 24/08/2022 às 20:40 | Atualizado em 25/08/2022 às 18:44
G. DETTMAR/CNJ
DESUMANO Detentos que vivem no Presídio Marcelo Francisco de Araújo dormem em espaços precários, sem higiene, sem colchões e amontoados - FOTO: G. DETTMAR/CNJ
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O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) terá um prazo de até oito meses para reduzir, em 70%, o número de presos que cumprem pena no Complexo Prisional do Curado, no Recife, uma das maiores unidades prisionais do Brasil. Atualmente, o Complexo abriga 6.508 detentos, apesar de só ter 1.819 vagas.

A medida tem como meta diminuir a superlotação comprovada no último dia 15 de agosto, quando foi iniciada a correição extraordinária da Corregedoria Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sistema prisional de Pernambuco.

A Comitiva do CNJ que visitou a unidade prisional, na semana passada, ficou em choque com as condições desumanas em que vivem os presos. Alguns precisam até rastejar para entrar em buracos improvisados para dormir. Há também sérios problemas de estrutura e higiene por todas as unidades. 

O quadro de violações aos direitos humanos inclui, ainda, pavilhões onde pessoas são forçadas a dormir no chão por falta de celas, abrigadas da chuva por pedaços de lona.

A previsão é de que pouco mais de 4,5 mil homens deixem os três presídios que compõem o Complexo Prisional do Curado. A decisão para que seja reduzido o número de presos foi publicada, na noite dessa terça-feira (23), pela corregedora Nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também esteve em Pernambuco durante a inspeção. 

Na ocasião, em reunião com o governador Paulo Câmara, a ministra fez duras críticas e até questionou o motivo pelo qual, após tantos anos, o Complexo Prisional do Curado ainda permanece em condições tão precárias. 

QUAIS MEDIDAS SERÃO ADOTADAS NO COMPLEXO DO CURADO?

O TJPE deverá reduzir a superpopulação prisional tomando uma série de medidas listadas na decisão. A primeira delas é proibir a entrada de novos presos nas três unidades que formam o Complexo.

Além disso, um mutirão conduzido pelo TJPE, a ser iniciado em até dez dias, deverá analisar a situação prisional de todos os custodiados. 

GAJOP/CORTESIA
Presos do Presídio Marcelo Francisco de Araújo, no Complexo do Curado, dormem em quartos improvisados - GAJOP/CORTESIA

A lotação é 360% superior à capacidade das três unidades que formam o Complexo Prisional do Curado.

No Presídio Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), a taxa de ocupação é de 430,4%. No caso do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), a taxa é de 288,7%.

Por sua vez, no Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), a superlotação é de 445,5%. 

Durante a análise processual, de acordo com a decisão, serão priorizados os casos dos presos provisórios.

Serão revisadas, em “regime especial de prioridade e atenção”, as prisões preventivas, para que os magistrados reavaliem a necessidade de manter encarcerados nas unidades do Curado as que ainda não foram condenadas à prisão.

Todas as unidades da justiça criminal da Justiça de Pernambuco também deverão regularizar o andamento dos processos referentes a pessoas privadas de liberdade por mais de 100 dias, informando ao CNJ quem são essas pessoas e qual a situação processual de cada uma delas.

Os acusados de crime que estão presos sem terem sido julgados representam mais da metade (56%) da população do Complexo do Curado, o que equivale a 3,6 mil dos 6,5 mil presos no local.

ARTES JC
Números do sistema prisional em Pernambuco - ARTES JC

A decisão da ministra Maria Thereza de Assis Moura se baseia nos direitos da pessoa presa assegurados na Constituição Federal, na Convenção Americana de Direitos Humanos, que proíbem qualquer cidadão de ser “submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”, e na Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), que impõe às “autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”.

A decisão também se fundamenta nos resultados preliminares da missão a Pernambuco encaminhados em despacho pelo supervisor Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF/CNJ), conselheiro Mauro Martins.

PAÍS CONDENADO PELA CORTE INTERAMERICANA

A situação de superlotação e insalubridade do Complexo Prisional do Curado levou a integrante do Conselho da Comunidade da 3ª Vara de Execuções Penais da Capital e coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma de Melo, a denunciar o Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Isso ocorreu há mais de dez anos, sem que uma solução fosse encontrada para o caos. 

Desde 2011, quando foi editada a primeira medida cautelar, o Estado brasileiro não melhorou as condições do estabelecimento. Naquele ano, a população carcerária se aproximava de 5 mil pessoas.

Em uma década, apesar de a Corte ter proibido a entrada de novas pessoas, o número de detentos no Complexo do Curado continuou a crescer, sem que houvesse estrutura para acomodar essas pessoas.

O País foi condenado pela Corte IDH e o monitoramento do cumprimento dessas sentenças, realizado pelo CNJ desde 2021, é um dos motivos da missão a Pernambuco.

JUÍZES DEVERÃO FAZER INSPEÇÕES DE ROTINA

Por determinação da ministra Maria Thereza de Assis Moura, juízes do TJPE também terão de promover inspeções quinzenais ao Complexo Prisional do Curado enquanto a lotação não atingir os parâmetros definidos na decisão da CNJ.

O rodízio de visitas deverá incluir juízes de varas criminais, juízes responsáveis pela execução penal e desembargadores da Seção Criminal.

“Observa-se desde logo que as visitas não deverão limitar-se ao ambiente administrativo nem se restringir a diálogos com os gestores prisionais, mas deverão alcançar, sobretudo, as instalações e a carceragem das três unidades prisionais, documentando-se por fotos e vídeos a presença e as entrevistas dos juízes e desembargadores com presos nessas unidades, e outras providências inerentes a todas as ambiências das três unidades do Complexo Prisional do Curado”, afirmou a ministra na decisão.

O TJPE deverá recompor o quadro de pessoal nas varas de execução penal e criminais, atualmente sobrecarregadas pelo volume de processos e déficit de servidores.

Agora, cada servidor terá um número máximo 300 processos, em média. A corte pernambucana terá a obrigação de apresentar cronograma para concluir a digitalização do acervo de processos criminais em meio físico, em no máximo seis meses.

APÓS VISITA DO CNJ, GOVERNO DE PERNAMBUCO FEZ PROMESSAS

Em nota, na semana passada, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos prometeu que serão contratados, até o final deste ano, 466 novos técnicos de nível médio e superior, por meio de quatro seleções.

Além disso, para tentar minimizar o problema crônico da superlotação, serão abertas mil vagas na unidade 2 do Complexo de Itaquitinga; conclusão da licitação para mais quatro mil tornozeleiras eletrônicas; além da conclusão/andamento do processo seletivo para novos 500 policiais penais.

 

 

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