Visto das Ruas da Aurora ou do Sol, a escultura do Galo da Madrugada, deste 2023, impressiona pela leveza das linhas que o destacam na Ponte Duarte Coelho. Visto de perto - e com um pouco mais de atenção - é possível observar a extraordinária complexidade da sua confecção, riqueza de detalhes que performam o conceito do projeto ancorado no tema da ancestralidade que o artista plástico Leopoldo Nobrega e a produtora executiva Germana Xavier imprimiram ao trabalho final.
Diferentemente da tradicional contratação de artesãos para a simples execução da obra feita para durar apenas o desfile do Clube de Mascaras Galo da Madrugada em anos anteriores, o empreendimento que está exposto sobre o Rio Capibaribe vem como resultado de uma ação coletiva e colaborativa de mais de 150 mulheres que dão referência à obra final.
Virou uma escultura carnavalesca social.
Estão ali o peso e a liderança Ester Bispo, criadora do projeto Bordar e Sonhar. Assim como estão as experiências acadêmicas da professora Maria do Carmo da Silveira Xavier artistas plástica vinculada ao Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da UFRPE (Codai).
Isso deu um suporte técnico que permitiu a Nobrega e a Xavier referência no desenvolvimento do modelo conceitual idealizado por Leopoldo e executado por Germana de forma “semi-industrial” na produção, sem perder a beleza da incorporação do trabalho das mulheres bordadeiras em volvidas numa obra de 28 metros e que na produção consumiu 670 litros de tinta patrocinada pela Tintas Coral.
É o resultado de toda essa tecnologia embarcada que pôde ser visto já na noite de terça para quarta-feira quando a escultura começou a ser montada seguindo um cronograma de etapas que deu ao artista a condição de preparar uma cerimônia de fixação.
Uma condição que lembra os clássicos modelos internacionais de obra de grande volume onde finalizada a escultura, ela é montada numa atelier conferida, desmontada para, a seguir, ser montada no local definitivo com precisão milimétrica.
Foi isso que o Recife assistiu nos dois dias em que o grupo liderado pelos dois designs pareceu seguir um processo de instalação e montagem que impressionou pela limpeza, precisão e qualidade visando mostrar o resultados do esforço coletivo de meses. Aliás, feito de muitas (ao menos 300) mãos motivadas para a elaboração de um figurino de luxo ricamente detalhado.
O que impressiona, mais do que a qualidade final e que os visitantes podem conferir, é a adoção de um modelo “fordista” de execução aplicada a uma escultura de nove toneladas de cordas, tecido, produtos reciclados e tinta fixada num guindaste cuja lança de elevação foi sendo lentamente decorada com as “partes” do Galo Ancestral sem qualquer estresse.
Isso não aconteceu por acaso.
A obra que comemora os 45 anos de desfile embarca conhecimento técnico, suporte acadêmico do desenvolvimento do tema central e uso de material reciclado que agrega um fazer laboral que embute valor. E que, certamente, proporcionou uma experiência socialmente enriquecedora.
Isso exigiu compromisso. Como o pessoal do projeto Fruto da Favela, liderado por Daniel Paixão o que facilita a execução da Arte Plenna pelo conhecimento que a comunidade afrodescendente sobre o tema.
É esse “pacote” de conhecimento histórico, de experiência socias e acadêmica que explica o sucesso do produto final que se mostrou efetivo na beleza, no envolvimento e no profissionalismo que pode ser objeto de observação da cidade para novos projetos.
Pode-se dizer que, depois de dois anos, de fato, o Recife ganhou uma nova escultura que terá vida efêmera de apenas uma semana, mas que emociona as pessoas simples que acorrem a Ponte Duarte Coelho apenas para fotografar e se deixar fotografar e se apropriar da escultura do Galo da Madrugada.
O Galo Ancestral de 2023 é uma unanimidade. Não pela limpeza pictórica que empresto à ponte. Transformou-se num produto coletivo feito com rigor industrial e artesanal.
Por isso, talvez seja uma ideia a ser analisada se não seria possível deixá-lo à vista em algum lugar do Recife onde possa ser apreciado por milhares de turistas e visitantes. Até que, no próximo ano, esse objeto coletivo de criatividade social seja substituído com uma nova escultura social.