PF na residência de generais é constrangimento que obrigará tropa a rever comportamento com Bolsonaro
Certamente,nenhum dos atuais integrantes do comando do Exército, Marinha e Aeronáutica não se sente constrangido em ver as imagens de agentes da PF nas residências de seus colegas da elite militar brasileira.
Para se entender como o presidente Jair Bolsonaro trabalhou com a ideia de um projeto de golpe de estado depois que se convenceu não venceria a eleição para um segundo mandato é preciso voltar no tempo até 2018 quando ancorado numa previsão de ao menos 20% das intenções de voto e beneficiado pela exposição após a tentativa de assassinato teve sua expectativa de vitória catapultada pelo noticiário decorrente da facada que sofreu em Minas Gerais.
Bolsonaro foi eleito com uma enorme desconfiança do alto comando das Forças Armadas que conheciam seu passado na caserna e na atuação congressual e que não se sentiam confortáveis em ter que bater continência a um ex-oficial que quase foi expulso da do Exército. Foi necessário o aval de generais como Augusto Heleno, Carlos Alberto Santos Cruz, Fernando Azevedo e Silva e Maynard Marques de Santa Rosa entre outros para convencer à tropa que ele seria um presidente que respeitaria as instituições.
Para se entender como ele chegou ao movimento de, ao lado de um pequeno grupo de assessores onde - agora se sabe - estavam ao menos quatro generais, portanto, oficiais da elite militar brasileira desenhar e escrever minutas de textos que violavam as regras e o poder das instituições é preciso observar que o presidente, de fato, não conseguiu avançar muito em termos de prestígio entre os altos oficiais das Forças Armadas.
Mas conseguiu cooptar um grupo que alimentou seus delírios ao ponto de mesmo atabalhoadamente produzir ações e estratégias de negação da verdade das urnas. E nesse grupo está Augusto Heleno que entrou e saiu com Jair Bolsonaro, uma das maiores lideranças na tropa em 50 anos.
Na história das revoluções e golpes de estado a presença de coronéis está documentada por serem eles o escalão mais ideológico e ativo das ideias políticas que resguardam os governos apoiam ou desapoiam. São eles quem avançam mais nos debates internos.
E eles também estavam no pequeno grupo que estava ao redor de Jair Bolsonaro e atuaram efetivamente, segundo as investigações da Polícia Federal até agora. Tanto que estão entre os primeiros presos. Mas que preocupa é que na lista de envolvidos estejam ao menos quatro generais na empreitada.
É importante não esquecer. O golpe só não deu certo porque o Alto Comando disse não. E se hoje podemos ler nos documentos que embasam a investigação que os envolvidos não tiveram qualquer cuidado com a segurança de um debate como esse ao ponto de praticamente ancorar toda a memória do possível em vídeo e mensagens de WhatsApp é porque deu errado.
O jornalista Igor Maciel atenta, em sua coluna de hoje no Jornal do Commercio, para esse fato. Certo foi uma patetice com eventos risíveis de movimentação. Mas hoje o país só está constatando isso porque as instituições estavam suficientemente fortes para resistir como resistiram. É risível constatar certos movimentos de generais e coronéis na empreitada. Mas e se desse certo?
Talvez o fato mais preocupante é se constatar que, em algum momento, dentro das reuniões do Alto Comando das Forças Armadas esse tema esteve na agenda.
E que, certamente, pela boa formação da maioria esmagadora o assunto não prosperou porque essa elite disse não. Tanto que alguns chegaram a ser alvo de agressões dos insurgentes, usando exatamente as redes sociais que ancoraram e ainda ancoram as ações dos simpatizantes da ideia de não reconhecer o resultado das urnas.
As investigações da Polícia Federal mostram até agora que esse grupo estava muito restrito no desenvolvimento operacional da iniciativa de não reconhecer o novo governo. Mas elas nos chamam a atenção sobre como esse grupo se espalhou e conseguiu ao menos engendrar um arremedo de golpe de estado onde Jair Bolsonaro alegando desordem institucional assumiria o poder desconhecendo a votação popular.
Entretanto, é importante não esquecer que ele e seu grupo foram capazes de contaminar as Forças Armadas. Certamente nenhum dos atuais integrantes do comando do Exército, Marinha e Aeronáutica não se sente constrangido em ver as imagens de agentes da PF nas residências de seus colegas da elite militar brasileira. E muitos defendem que essa iniciativa já deveria estar em curso pelos próprios organismos de disciplina internos da tropa.
Mas eles não chegaram a tempo. Ao menos até agora.
O envolvimento do então presidente se deu porque em algum momento ele acreditou que a tropa lhe seguiu num eventual ato de ruptura. E se teve esse sentimento é porque viu atitudes fora do seu grupo que o ajudaram a cristalizar esse pensamento.
Felizmente estava errado. Na verdade, um grupo de “patetas” acreditou que a campanha contas a seriedade das urnas, o pequeno percentual da vitória de Lula a ocupação das frentes dos quartéis (especialmente do Exército) com a tolerância dos comandantes das unidades e a máquina de fake news na internet ancoravam substancialmente o projeto.
E não se pode desconhecer o potencial desse caldo político e de suas repercussões e apoio em setores do Legislativo e até do empresariado. Essa simpatia era real embora o que desejassem era que Jair Bolsonaro vencesse o pleito.
As investigações vão prosseguir e deveremos ter desdobramentos ainda mais constrangedores em relação a participação de militares no evento frustrado. Mas a verdade é que o Brasil, de fato, correu o risco de uma aventura golpista.
Felizmente os que estavam à frente não tiveram capacidade de gerenciamento e captura de apoio real no alto comando das nossas Forças Armadas.
Mas isso não significa que esse tem não tinha subido ao alto escalão e mostrado que o capitão que eles não tinham qualquer respeito conseguiu com o prestígio de lideranças cooptar oficiais de alta patente.
E esse a partir de agora será um tema que precisará ser debatido internamente pela caserna. Sabendo que a resistência só se deu e só foi exitosa porque não apenas as verdadeiras lideranças da tropa não embarcaram na aventura como sentiu que o Brasil avançou muito na solidez de suas instituições democráticas.