Produtor de fakenews, Pablo Marçal instrumentalizou Imprensa para chegar ao segundo turno em São Paulo

Candidato usou nova abordagem na campanha eleitoral. Se funcionou, só saberemos depois do encerramento da votação, neste domingo (6)

Publicado em 05/10/2024 às 7:15 | Atualizado em 05/10/2024 às 8:38

No filme Jurassic Park, dirigido por Steven Spielberg e lançado em 1993, a natureza encontra um caminho para chocar os ovos dos dinossauros criados em laboratório e que os cientistas acreditavam serem incapazes de gerar novos dinossauros.

Como se viu na franquia, os ovos não só foram chocados e eclodiram animais muito ferozes, como o Tiranossauro Rex, que liderou a destruição do complexo idealizado pelo John Hammond, o bilionário diretor executivo da InGen que o concebeu.

Se considerarmos Jair Bolsonaro um Tiranossauro Rex que comandou a destruição de parte do parque criado para Democracia, Pablo Marçal é o resultado de um dos milhares de ovos chocados pela natureza da internet nos parques das redes sociais.

Muito mais feroz e mais evoluído geneticamente que o ovo original - eclodido em ambiente controlado de laboratório.

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Pablo Marçal. - Divulgação

Um Bolsonaro 2.0, mais equipado

Marçal é um Jair Bolsonaro 2.0, muito mais equipado de informações do mecanismo de internet e sobre como se comportar no "Jurassic Park" da política brasileira, e pode chegar ao segundo turno das eleições deste domingo (6) em São Paulo usando a credibilidade da Imprensa de marca para validar as fake news que é capaz de produzir para se beneficiar politicamente.

Ele percebeu o óbvio ao se inscrever para ser candidato a prefeito de São Paulo. Com zero tempo no horário eleitoral, ele precisaria ocupar espaço na imprensa para gerar um conteúdo chancelado pela credibilidade dos veículos tradicionais para ter credibilidade fora de sua bolha de seguidores.

Felizmente (para ele) os meios de comunicação de São Paulo organizaram 10 debates ao longo de dois meses da campanha, o que deu visibilidade ao candidato do PRTB.

E isso lhe deu o que precisava: estar numa bancada, em igualdade de lugar de fala, que não teria quando começassem as inserções autorizadas pela Justiça Eleitoral.

Vídeo: Datena agride Marçal com cadeirada durante debate

Na batalha para ser conhecido, o formato de cortes de momentos dos debates, apenas com o que lhe interessava, funcionava nas redes sociais mais e melhor que qualquer filme de 15 ou 30 segundos dos demais candidatos, atraindo nova audiência.

E ele “causou” já nos dois primeiros debates, conseguido o objetivo fixado como meta inicial de estratégia de campanha: estar na capa dos grandes jornais e homepages de todos os portais numa exposição semelhante (embora em menor grau) do que obteve Jair Bolsonaro quando foi vítima de um atentado sendo ferido com uma facada no abdome em 2018, faltando 30 dias para o pleito.

Olhando o filme da campanha de Marçal, é possível perceber que isso teve método e foco. Para cada embate nos debates, ele obteve uma visibilidade da imprensa que superou, de longe, a audiência das inserções dos demais candidatos. E ainda com a vantagem de não ceder tempo em direito de resposta, já que não aparecia nas inserções.

Isso permitiu a Marçal furar sua bolha e se tornar competitivo. Assim como aconteceu com Bolsonaro em 2018, foi o noticiário sério da imprensa que o colocou em evidência, ainda que sob severas críticas à sua postura.

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Pablo Marcal. Estilo sempre agressivo. - Divulgação

Independente da avaliação da mídia 

Mas quem disse que ele estava preocupado com as análises do colunistas de política, que o tratavam primeiro com desdém, depois com indignação e, finalmente, como um candidato possível de chegar ao segundo turno - ainda que usando meio abomináveis segundo o modelo clássico de debate político?

Marçal não tem (assim como os personagens que cresceram no Jurassic Park das redes sociais, cuja cadeia alimentar, todo dia, devora mais um espécime), qualquer respeito pelos cientistas políticos que agora o analisam surpresos e sem entender direito seu DNA.

Ele apenas instrumentalizou a credibilidade do jornalismo de marca para se tornar conhecido. Não na sua bolha de admiradores, estimada em mais de 10 milhões de seguidores, mas fora dela. Ele usou o noticiário responsável dos grandes meios de comunicação para chegar aos milhões de eleitores de São Paulo, que neste domingo podem levá-lo ao segundo turno.

Marçal não está sequer preocupado com o que pensa ou faz Jair Bolsonaro. Porque não depende dele para guiar seu caminho.

Aliás, Bolsonaro, como um líder de clã no mundo animal digital, perdeu o comando de parte de sua manada de seguidores, que agora atendem ao chamado de um “novo líder”, muito mais equipado intelectualmente que o "Mito".

Debate FlowNews: Após discussão com moderador, Marçal é expulso e causa briga generalizada; veja no vídeo:


Marçal foi expulso durante as considerações finais. O mediador, Carlos Tramontina, paralisou o debate após Marçal, "reiteradamente", desrespeitar as regras. "Tive que paralisar o debate para excluir o candidato Pablo Marçal, que reiteradamente, desrespeitava as regras. Na saída dele, houve uma confusão e o assessor do candidato Ricardo Nunes foi agredido e está sangrando bastante neste momento".

"Ele sai, forma-se um tumulto porque tinha um grupo que o acompanhava e, empurrando o restante do pessoal que estava ali, vem para chegar perto dele. Ele saiu com uma atitude de provocação para os outros que estavam lá. Só sei que houve um soco de uma pessoa no assessor do candidato Ricardo Nunes. Sangrou muito". Entre as regras previstas, ataques pessoais e ofensas tinham punição prevista com advertência. Três advertências resultavam em expulsão.

#debateSP #sãopaulo #marçal #oh #ba #flowpodcast" />

E ao contrário dos demais candidatos, desde o primeiro minuto de sexta-feira, quando foi encerrado o debate da TV Globo em São Paulo, ele é o único que pode permanecer em campanha até este domingo, usando cortes e pedindo votos.

E faz isso com técnica, enquanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB) depende de apoio do governador Tarcísio de Freitas em eventos fechados, Guilherme Boulos (PSOL) aguarda desesperado uma visita de Lula, neste sábado (5), e Tabata Amaral (PSB) tenta sobreviver à estratégia (desonesta) de voto útil de parte de seus apoiadores assustados com a possibilidade de Marçal virar prefeito, derrotando Boulos já no primeiro turno.

Na floresta digital dessa campanha, apenas Marçal ataca como predador, e faz isso com método. Isso - como esclareceu o professor Silvio Meira, em matéria aqui na JC Negócios - tem método e um exército de gente trabalhando para direcionar a audiência de modo a focar em Marçal, enquanto os analistas e cientistas políticos tentam explicar onde os demais candidatos erraram sem reconhecer os acertos da estratégia violenta dele.

Segundo Meira, plataformas são o principal esteio de sustentação de modelos de negócios digitais ou intensivos em efeitos ou performances digitais.

E não é um fenômeno causal decorrente do uso das redes sociais. Há raízes estruturais, complexas e difíceis de tratar. Um número cada vez maior de estudos mostra que o comportamento humano em redes sociais acontece como ativismo coordenado, cascatas de informação, bandos de assédio.

Do ponto de vista político, Pablo Marçal será estudado por dezenas de artigos. Mas é importante analisá-lo como fenômeno digital de redes sociais, uma tarefa para os cientistas de dados e de marketing digital.

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Cadeirada de Datena em debate. - Divulgação

Novo risco à saúde cívica da Democracia

Marçal pode ser ruim para a saúde cívica da Democracia assim como aconteceu com Jair Bolsonaro. Mas pode virar um modelo a ser seguido em 2026, o que é perturbador.

E como se viu, independentemente da Justiça Eleitoral ou Civil retirar seus perfis da internet, ele é capaz de criar dezenas de outros sem sua responsabilidade legal com muito mais potencial que os seus no início da campanha.

A série de debates de São Paulo foi o que permitiu a Marçal se apresentar em condições de igualdade com os demais candidatos, cujos partidos dominaram o horário político.

E a sua movimentação sem qualquer restrição nas últimas 48 horas antes do pleito lhe dá uma vantagem muito maior que qualquer candidato que tenha a máquina pública, os meios financeiros e padrinhos tradicionais.

O que só vamos saber se funcionou depois do encerramento da votação neste domingo.

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