Realidade se impõe e controle dos gastos deixa de ser opção de Lula e vira necessidade de sobrevivência
Presidente pode não cortar nada, fazer um discurso de que não pode punir os mais pobres e sair atacando os banqueiros, empresários e as "zelites".
O novo aumento da Selic, a eleição de Donald Trump e a situação das contas públicas deixaram de ser uma opção do governo Lula para os próximos dois anos para se transformar numa necessidade urgente sob pena de a inflação e a falta de apoio no Congresso inviabiliza qualquer perspectiva de o presidente trabalhar numa reeleição em 2026.
O aumento de 0,5% da taxa básica de juros definida pelo Copom nesta quarta-feira (8) consolidou uma tendência de alta para as próximas reuniões com os analistas dos grandes bancos prevendo que haverá aumento da Selic nas próximas quatro reuniões do comitê o que significa de dizer que o Brasil poderá chegar a o primeiro trimestre de 2025 com a taxa assustadores em 13,25%, ao ano.
Isso não aconteceu por acaso. Teve método e é o resultado de uma decisão do presidente de ignorar a realidade de caixa de seu governo e decidir investir fortemente na recuperação de todos os programas sociais que havia instituído no passado sem considerar a situação das contas públicas deixada por Jair Bolsonaro.
E isso aconteceu já na transição que o obrigou a obter do Congresso autorização para gastar R$200 bilhões a mais do que estava previsto de modo a não começar sua terceira gestão fazendo cortes do OGU 2023.
O presidente, de fato, pôde surfar na onda de popularidade de entrega de relançamento de seu pacote de programas sociais turbinados a partir do patamar de R$600 fixados por Jair Bolsonaro na pandemia.
Mas contratou a crise atual que está obrigando o presidente a trabalhar com a dura realidade de cortes nas despesas enquanto enfrenta uma séria resistência de seus ministros da área social e trabalhista.
O problema do presidente é que a elevação da Selic deixou de ser um motivo para faturar politicamente, abrindo um embate pessoal com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Ao indicar Gabriel Galípolo e em breve mais dois diretores da diretoria do Banco Central Lula (para substituir Otávio Damaso e por Carolina de Assis Barros, ambos indicados por Bolsonaro) Lula perdeu o discurso rebelde contra o aumento da taxa básica de juros e angariou a resistência de ministros e do próprio PT que desejariam que, a exemplo de Dilma Rousseff, determinou a baixa da Selic pressionando o Banco Central.
Unanimidade na decisão do Copom
A unanimidade da decisão da elevação da taxa em 0,5% da reunião do Copom impõe ao presidente a dura realidade de tomar providências a despeito dos ministros ligados ao PT e de professores e intelectuais ligados à esquerda abrirem uma guerra contra Fernando Haddad e sua equipe os acusando de fiscalistas.
O mais preocupante é que, depois de dois anos como a ordem para gastar mais - enquanto tentava arrecadar mais - o modelo se revelou insustentável.
Até porque, para mudar a legislação que impunha um teto de gastos fixada ainda no governo de Michel Temer, o governo Lula precisou negociar a aprovação no Congresso de um novo programa de gestão das contas públicas que chamou de Arcabouço Fiscal.
A promessa de respeito ao Arcabouço Fiscal ajudou a Fernando Haddad a obter um crédito de confiança no mercado financeiro. Até porque junto com ele, o ministro iniciou uma agressiva política de aumento de arrecadação revendo uma série de benefícios fiscais.
Mas enquanto Haddad irritava os empresários com a cobrança de mais impostos, o governo Lula produziu uma longa série de revisões dos programas sociais além definir que o salário-mínimo voltaria a ter ganho real.
Isso foi muito bom como ferramenta de apoio político, mas a vinculação das correções dos benefícios pagos de INSS e demais programas sociais contratou um estouro nas contas públicas que o aumento da arrecadação não foi suficiente para cobrir.
No final do segundo ano do seu terceiro governo, Lula enfrenta uma realidade que se recusava a aceitar. Os aumento da Selic viraram tendência, a perspectiva de aumento da inflação está se fortalecendo e a necessidade de ter que cumprir o programa de controle de gastos que ele mesmo propôs em substituição ao que encontrou o obrigam a decidir por um pacote de cortes de despesas que não deseja e resiste a fazê-lo.
Para completar, não dá mais para criticar Roberto Campos Neto nem a diretoria do Banco Central, cuja maioria terá indicado até o final do ano.
Isso talvez explique por que depois de duas semanas de promessas de Fernando Haddad e Simone Tebet (ministra do Planejamento) o anúncio das medidas de cortes para o orçamento federal de 2025 ainda não tenha saído.
Primeiro, porque o presidente resiste à ideia de fazer cortes. Segundo, que a percepção dessa resistência permite o aumento da pressão dos ministros petistas contra a proposta da equipe econômica fazendo que o presidente seja igualmente pressionado em sentido contrário a não aceitar as propostas de Haddad.
O que nem Lula e nem seus companheiros de partido no ministério não perceberam é que a possibilidade de não cortar despesas deixou de ser uma opção, mas uma necessidade obrigatória depois do endurecimento da linha de atuação do Copom.
Naturalmente, o presidente pode não cortar nada, fazer um discurso de que não pode punir os mais pobres e sair atacando os banqueiros, empresários e as “zelites”.
Entretanto, ele sabe que a conta chegou e que o fiado que fez no mercado financeiro aumentando da dívida pública federal tomando mais crédito há 15 meses consecutivos está deixando o pagamento da prestação diária dos juros na rolagem da dívida insuportável.
Mas a pergunta é: o presidente vai cuidar das contas e tentar salvar seu governo até 2026, ainda que isso lhe custe prestígio na população e a ira de seus companheiros. Ou vai preferir se enrolar na bandeira do PT e sair acusando os adversários da direita e o mercado financeiro?