No acordo com União Europeia, o que interessa ao Mercosul é o selo de qualidade que abre acesso aos mercados vizinhos
Os 28 países da UE importaram apenas 100 mil toneladas de carne do Brasil, em 2023. A UE compra especialmente do Unuguai e da Argentina
No caminho da estrada de ferro que liga Sevilha a Madrid e esta à Barcelona, a paisagem rural explica por que a União Europeia resiste a aceitar um acordo de comércio com o Mercosul. Esqueça o Uruguai e a Argentina com suas carnes tenras. O que assusta não só a França que empreende uma maior resistência, mas a Espanha, Itália e demais países é o tamanho do agronegócio do Brasil.
Nenhum desses países sozinhos, e mesmo em bloco, tem como chegar perto dos números que o Brasil ostenta na produção de proteínas animais e vegetais. É como de repente ter um gigante na praia como no clássico As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.
A ferrovia que permite ao trem Iryo cortar o país, embora o caminho também possa ser feito pela Renfe e pelo Ouigo com seus TGV, permite mostrar o que assusta a UE. São milhares de propriedades no máximo 100 hectares que produzem tudo inclusive muito vinho.
Mas não se ver uma única nova plantadeira da John Deere 3100FT e muito menos um colheitadeira New Holland CR, com telemetria e Agricultura Digital que o Brasil opera às centenas nos Sudeste e Centro Oeste cada uma delas custando R$ 2 milhões a maioria paga à vista ou com empréstimos de três anos.
Elas simplesmente não cabem nessas propriedades.
Ali, a mecanização está também no estado da arte como no Brasil que virou líder do agronegócio em menos de 20 anos.
Mas o grande número de máquinas opera um terço das horas do Brasil e menos de um décimo do que entregam as mega fazendas do Brasil. Não tem como comparar ou competir em volume. Embora na UE a qualidade seja um diferencial pela curva de aprendizado histórica.
A França tem uma situação ainda mais crítica devido ao tamanho de suas propriedades e sua diversidade. Ali, um agricultor faz de tudo um pouco e é muito bem remunerado pelo que entrega. E isso não tem a ver com a vitivinicultura. Tem a ver com a agricultura geral mesmo.
Isso explica a furiosa resistência e as acusações de insuficiência sanitária que tem um apelo mais forte num continente que mira energia limpa e produtos saudáveis em todos os estágios da cadeia. Da semente ao descarte.
Não há (e nunca houve) condições de a UE aceitar o acordo. A questão é no agronegócio. No mega agronegócio brasileiro.
Uma coisa que não está explicitada é que o Brasil não está efetivamente interessado em vender para a França. No fundo o que o Mercosul deseja é o selo.
O Carrefour não vai comprar picanha, T-bone ou bife acho para vender nas suas lojas próprias e milhares de micro mercadinhos franqueados. Mas o selo tornará impossível os produtores da França, Espanha e demais países competirem nos outros países.
O discurso sanitário serve para assustar e fazer um potencial comprador se afastar.
Mas o preço e o volume é quem pode matar o agronegócio desses países.
De certa forma, países do Mercosul já vendem para esse mercado. Até porque não é a questão sanitária que os exportadores já superaram nas vendas para Estados Unidos, Rússia e China. O problema é o selo.
Quando o tratado entre a UE e o Mercosul começou a ser esboçado, o Brasil estava introduzindo o plantio direto criado pela Embrapa. Não produzimos milho suficiente e comprovamos da Argentina.
O algodão havia quase sido extinto com a praga do Bicudo no Nordeste e o boi que se criava em sua maioria nelore era pequeno e levava cinco anos para o abate. Nós precisávamos de 75 dias para matar um frango e não tínhamos linhagem de porco. E mesmo a soja ainda não tinha uma grande produtividade.
Em 20 anos, nós mudamos o conceito de produção, tempo de cultura de ciclo curto e inventamos o luxo da safrinha para limpar a terra agregando matéria orgânica ao solo com uma colheita de transição.
O Brasil introduziu o boi Angus com sua carne marmorizada, melhorou o Nelore e agora está entrando pesado na engorda do boi confinado com milho. Como a UE pode competir com isso?
O caso do algodão é mais curioso. O desempenho da safra 2023/2024 de algodão, com a colheita de mais de 3,7 milhões de toneladas, elevou o Brasil ao posto de maior produtor do mundo colhidos no Mato Grosso, Bahia, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Goiás.
O Brasil é o maior exportador de algodão do mundo fazendo uma coisa impensável no passado. Plantar colher e arrancar a planta para impedir que a praga do Bicudo se instale. Hoje a maior parte desse algodão (53%) vai para a China.
Isso só é possível porque a mecanização limpa a terra para plantar milho, soja e só depois algodão de novo.
Então, a questão não é sanitária como denunciam os deputados do parlamento europeu. A questão é de escala possível com o selo do acordo.
Na verdade, os 28 países da UE importaram apenas 100 mil toneladas de carne do Brasil em 2023. Isso explica por que nas grandes cidades da Europa é possível comer carne da Argentina e Uruguai.
Na verdade, com uma corrente de comércio de mais de R$90 bilhões em 2023, a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Mas a pauta exportadora brasileira, no entanto, está concentrada em commodities, como petróleo, café e soja
Então, o acordo do Mercosul, se for aprovado, não terá grande impacto na importação de proteína embora ela já seja feita atendendo aos padrões exigidos pela União Europeia.
No fundo, o que a UE não quer é validar o selo. Mas após o acordo (se ele for aprovado) se abre uma nova realidade. E isso, de fato, para o setor de proteína, assustador pelo preço que o Brasil pode oferecer naquela comunidade.