A quem interessa um monopólio no setor livreiro?

Alexandre Martins Fontes: "O destino das nossas livrarias e, consequentemente, da nossa cultura literária, está nas mãos da sociedade brasileira"

Publicado em 17/09/2024 às 20:45 | Atualizado em 17/09/2024 às 20:48

Por Alexandre Martins Fontes

 

Nos últimos anos, assistimos ao desaparecimento de duas das nossas mais importantes livrarias: Cultura e Saraiva. A primeira, uma livraria com mais de 70 anos; a segunda, uma empresa centenária, com lojas espalhadas em dezenas de cidades brasileiras. Duas verdadeiras lendas do mundo do livro no Brasil. Mais recentemente, vimos o fechamento da Livraria Malasartes, no Rio de Janeiro, e da Livraria Mandarina, em São Paulo. A lista de livrarias que perdemos no período de 10 anos é longa e preocupante. A cada livraria que fecha suas portas, observamos uma infinidade de lamentos nas mídias sócias, nos jornais e nas televisões.

Brasileiros que visitam a Argentina e a França voltam de Buenos Aires e de Paris maravilhados com suas livrarias e seus Cafés abarrotados de crianças, de jovens, de homens e de mulheres de todas as idades. E, como Descartes, logo pensam: ao contrário de nós brasileiros, argentinos e franceses cultuam o livro, a leitura, a literatura e as livrarias.

O que a maioria dos brasileiros não sabe é que Argentina e França, assim como Portugal, México, Espanha, Japão, Alemanha, Coreia do Sul, Itália etc. possuem, há décadas, leis que defendem e protegem a atividade livreira. Sem essas leis, as Saraivas, as Culturas, as Mandarinas e as Malasartes desses países também estariam enfrentando enormes dificuldades.

Mas, afinal, que leis são essas e para que servem? A resposta é simples: elas foram pensadas e criadas para impedir o monopólio no mundo do livro e para estabelecer uma concorrência sadia e construtiva entre livrarias.

Ao contrário do que vem ocorrendo com jornais e revistas, o livro, esse instrumento essencial para o desenvolvimento social e cultural de qualquer sociedade, está mais vivo do que nunca. No Brasil e nos quatro cantos do mundo! A última Bienal Internacional do Livro de São Paulo não me deixa mentir: nada mais emocionante do que assistir às filas quilométricas de jovens se preparando para entrar e participar da maior festa do livro do país.

Não conheço um autor que não queira ver seus livros em destaque nas vitrines das livrarias. Que editora abre mão de ter seus livros expostos na Livraria da Vila, na Travessa, na Leitura, na Curitiba, na Livraria da Tarde, na Martins Fontes, na Escariz, na Drummond, na Simples, na Megafauna, na Argumento, na Travessia e em tantas outras livrarias espalhadas por nossas cidades? Livrarias acolhem a vida cultural das nossas ruas e dos nossos bairros; são locais de encontro entre leitores e livros; inigualáveis e insubstituíveis vitrines da indústria editorial.

Os livreiros brasileiros não poderiam ser mais criativos, competentes, apaixonados e, acima de tudo, resilientes.

No entanto, ao contrário dos países acima citados, vivemos num país que assiste calado e inerte à lenta destruição do ecossistema do livro.

E, aqui, infelizmente, não posso deixar de falar da Amazon. Para ir direto ao ponto: quando o assunto é livros, a Amazon equivale a um acidente ecológico que destrói tudo aquilo que encontra à sua frente. Desde sua fundação nos Estados Unidos em 1995, ela optou por usar o livro como isca para atrair compradores para o seu site. Ao fazer isso – vender livros abaixo do custo em troca dos dados dos clientes –, ela dilapida e assola o mercado de livros.

A quem interessa um monopólio no setor livreiro?

Uma breve informação aos leitores: no mundo inteiro, as editoras publicam seus livros e estabelecem os preços para o consumidor final. As livrarias adquirem os livros das editoras com um desconto especial. A diferença entre o preço de capa e o preço líquido negociado com a editora constitui a margem que a livraria tem para viabilizar seu negócio. Ao contrário da Amazon, nenhuma livraria (pequena, média ou grande) pode abrir mão de suas margens. Sem elas, como remunerariam seus funcionários? Como pagariam seus alugueis? Como investiriam em infraestrutura?

Leis a favor da atividade livreira, como as que existem, por exemplo, na Argentina e na França, possibilitam a prática de um comércio justo e saudável, e favorecem a existência de livrarias com estilos, tendências, tamanhos e estratégias diversas.

Nunca se falou tanto sobre esse assunto como agora. Na inauguração da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, entregamos ao presidente Lula uma carta em defesa da Lei Cortez, assinada pelas principais entidades que representam o setor editorial e livreiro: Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), Associação Brasileira de Editores de Livros e Conteúdos Educacionais (ABRELIVROS), Associação Nacional de Livrarias (ANL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Liga Brasileira de Editoras (LIBRE) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).

Mas, afinal, do que trata a Lei Cortez (projeto de lei ainda pouco compreendido ou maldosamente interpretado)?

Em poucas palavras, o PLS 49/2015 (Lei Cortez), de relatoria da Senadora Teresa Leitão, estabelece que títulos lançados nos últimos 12 meses não sejam vendidos para o consumidor final com descontos superiores a 10%. Isso porque é com a venda das novidades editoriais que o mercado se remunera, podendo prosseguir na sua missão de disponibilizar todos os livros aos leitores. Não só as novidades. O Brasil lança aproximadamente 13 mil novos títulos por ano. Ao longo dos últimos 12 meses, foram comercializados mais de 230 mil títulos em nosso país. Portanto, a regra proposta pela Lei Cortez atingirá pouco mais de 5% dos livros à disposição do consumidor nacional. É errado fazer a população achar que, a partir da aprovação da lei, não se poderá mais comprar livros com descontos no Brasil.

A Lei Cortez contribuirá de forma inequívoca para o fortalecimento da cadeia produtiva do livro, criando um ambiente de concorrência justa, protegendo livrarias e promovendo a bibliodiversidade.

Aprovar essa lei é a luta mais importante de toda a indústria editorial brasileira. Sem ela, corremos o risco de ver, num curtíssimo período de tempo, muitas outras livrarias fecharem suas portas. E sem livrarias, a produção editorial brasileira estará permanentemente comprometida.

Quem em sã consciência poderá aceitar que isso venha a ocorrer em nosso país?

O destino das nossas livrarias e, consequentemente, da nossa cultura literária, está nas mãos da sociedade brasileira. Vamos, juntos, como argentinos e franceses, fazer um país repleto de livros e de livrarias repletas de leitores.

De uma vez por todas, vamos nos unir pela aprovação da Lei Cortez!


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O livreiro defende a concorrência justa e a bibliodiversidade - Divulgação

Alexandre Martins Fontes é livreiro e editor, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL).

 

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