A guerra pela atenção – mas não só
Avanço da cultura digital é uma das causas, mas não a única, para a redução de leitores detectada pela Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil
Um dos maiores méritos da Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, é realçar o agravamento das condições de desenvolvimento baseado na educação, no país. Ao longo das primeiras décadas do terceiro milênio, em sequência a séculos de problemas acumulados, os brasileiros têm se mostrado facilmente expostos ao que há de pior na cultura digital, do entretenimento viciante e da exaltação de ídolos vazios até a vulnerabilidade espantosa às mentiras propagadas pelas fake news.
Demorou mais do que devia a percepção do impacto das telas sobre o sistema educacional. Parece haver um consenso, agora, de que a restrição do uso de celulares no ambiente escolar não é mais algo secundário, mas se transformou em fator primário para a reversão do péssimo desempenho no aprendizado da população infantil e juvenil. O que também pode ser visto como uma espécie de tecnofobia por falta de inteligência política adequada para o aproveitamento da ferramenta tecnológica. Mesmo assim, até que se encontre uma ética em sintonia com a didática, é preciso diminuir o tempo mal gasto de crianças e adolescentes com a cara afundada na dependência virtual.
Em artigos para o Livronews, o curador do Prêmio Jabuti, Hubert Alquéres, e o presidente da Associação Nacional de Livrarias, Alexandre Martins Fontes, trouxeram visões importantes para o debate. “Assistimos, com preocupação, à mudança nos hábitos dos brasileiros quanto ao uso do tempo livre. As intensas transformações em curso impactam esses hábitos, e os livros enfrentam concorrentes poderosos, como as redes sociais e os jogos eletrônicos”, lembra Alquéres. “Esse não é um problema apenas do mundo literário e do mercado editorial. É uma questão nacional que requer políticas públicas de incentivo à leitura. Jovens que leem pouco se tornarão futuros cidadãos com baixo conhecimento da realidade que os cerca, despreparados para se inserir na sociedade e no mercado de trabalho. Um país de pouca leitura é uma nação que não valoriza sua memória e a criatividade do próprio povo”.
Alicerce da cultura e da educação
Alexandre Martins Fontes, por sua vez, em referência à importância da aprovação da Lei Cortez, e antes, da compreensão de seus propósitos, aborda um ponto que precisa ser destacado: “Essa é uma luta para manter vivo um alicerce fundamental da cultura e da educação de qualquer país: o livro. Isso dito, o que está em jogo aqui vai também muito além do livro em si”. Com o aumento predatório do comércio de livros por plataformas de vendas digitais, a sustentabilidade das livrarias como negócio despencou. Muitas fecharam, e as que restam têm que se reinventar. Mas “o Brasil não perdeu apenas espaços de exposição de livros. O país perdeu leitores”. De acordo com a Retratos da Leitura, quase 7 milhões de leitores perdidos nos últimos cinco anos, e cerca de 11 milhões em quase uma década. “A redução nos índices de leitura aconteceu em todas as classes sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade. Pela primeira vez na nossa história recente temos mais não-leitores do que leitores”, enfatiza o presidente da ANL, indicando que não dá para separar o crescimento da cultura digital da consequência da perda de leitores.
Falta de atenção pública
O assunto é menos privado do que parece. Embora o valor cultural inerente aos hábitos adquiridos na infância e adolescência dependa enormemente do exemplo e da orientação familiar, os impactos da queda na leitura de livros sobre a coletividade exigem decisões da esfera pública, por parte daqueles que representam a coletividade e governam os destinos coletivos através de suas escolhas.
A regulação da Lei Cortez, caso aprovada, irá incidir sobre um percentual ínfimo das obras à disposição no mercado editorial – estima-se que apenas 5% dos livros, que correspondem aos lançamentos, teriam os preços mantidos sem grandes descontos pelo período de um ano. Não é isto que vai mudar o atual cenário de declínio da leitura no país. Ajuda, mas não resolve. O que pode começar a resolver é se os leitores e o mercado editorial fizerem pressão, e os gestores públicos, parlamentares e o Judiciário finalmente compreenderem a urgência de se aliar a causa do livro e das livrarias à prioridade da educação para a conquista de uma nação menos desigual, e mais coesa – não é por acaso que a mesma cultura digital tenha abrigado a cisão da sociedade brasileira nas últimas décadas, dando corda para a explosão de radicalismos e intolerâncias.
Sim, é verdade que a guerra pela atenção requer estratégias lúdicas e atraentes para a formação de leitores num mundo fissurado nas telas. Mas também falta atenção pública para que a boa intenção de planos e políticas saia do papel e do discurso, contribuindo para mudar a realidade para muito além da leitura de livros. Para ter cidadãos formados com livros, o Brasil aguarda mais e melhores bibliotecas, por exemplo, com acervo renovado e profissionais capacitados, nas escolas e nas comunidades. Isso não depende de planejamento ou mais diagnóstico. Depende de vontade política – que pode ser acelerada com a voz ativa de quem se importa com os números alarmantes de uma pesquisa tão dura quanto necessária.
Como Hubert Alquéres e Alexandre Martins Fontes. Leia os artigos de ambos, na íntegra, no site www.livronews.com.br.
Respire fundo
Seis contos inspirados em histórias reais ligam a trama de suspense na primeira obra infantojuvenil da atriz e ativista Sheylli Caleffi. “Respire fundo”, publicação da Companhia dos Fermentados, aborda os riscos da vida digital para a vida real. “Nós ainda somos muito ingênuos em relação às nossas atitudes em redes sociais e jogos, e as pessoas não percebem que estão colocando um filho em risco ao expor as imagens dele; as próprias crianças e adolescentes também não têm essa noção”, diz a autora.
Secos e turvos
O Museu do Estado de Pernambuco recebe neste domingo, 1º de dezembro, o lançamento do livro de poesia de Alexsandro Souto Maior. Inspirada em Antônio Conselheiro e na Guerra de Canudos, a obra “percorre paisagens e retoma personagens caros à literatura brasileira, mas o faz sob uma perspectiva lírica e visual particular, fruto de anos de pesquisa do seu autor”, aponta Gianni Gianni, editora assistente da Cepe, que assina a publicação. Antes da sessão de autógrafos, haverá bate-papo do autor com o crítico literário e membro da Academia Pernambucana de Letras, Peron Rios. A partir das 3 da tarde, no Recife.
Homenagem na APL
Com o lançamento do número 12 da Revista Pernambuco, da Cepe, a editora e a Academia Pernambucana de Letras (APL) prestam homenagem ao acadêmico da APL Cláudio Aguiar, que está na capa da edição. A solenidade também homenageia o escritor Mauro Mota, na ocasião de 40 anos de sua morte. Nesta segunda, a partir das 3 da tarde, na sede da APL, no Recife.
Happy hour na Drummond
Será na terça, 3, a segunda edição do Happy Hour do Mercado na Drummond Livraria, em São Paulo. “Esse é um encontro de amigos, amigos dos livros. Após 2 anos de abertura da Drummond na avenida mais paulista de São Paulo, nada mais justo que comemorar com clientes, amigos e fornecedores que nos ajudam a fazer da Drummond a livraria mais charmosa da cidade, e assim continuar por mais tempo difundindo a leitura, literatura e o saber por meio do livro, para deleite dos leitores”, diz Vitor Tavares, um dos sócios da livraria. A confraternização gratuita começa às 18h, com chope artesanal, drinks, sorvete e brindes. A organização solicita a confirmação de participação através do link https://forms.gle/mxCSvFpTSQ869ntdA.
Cris Pàz em BH
O Teatro de Câmara do Cine Theatro Brasil Vallourec, em Belo Horizonte, será o palco de palestra da escritora e comunicadora Cris Pàz nesta quarta, 4. Com trajetória na educação corporativa, suas palestras passeiam “pelo universo da saúde mental e da inteligência emocional, trazendo outros temas que refletem suas experiências pessoais, como protagonismo feminino, moda, maternidade, criatividade, presença digital, reinvenção profissional e a revolução da longevidade”. Ingressos no Eventim.
Garras
Em lançamento da Rocco, Lis Vilas Boas assina romantasia que se passa no Rio de Janeiro dos anos 1920. O encontro de uma bruxa rica com um lobisomem mafioso da periferia está no enredo de “Garras”. A escritora é oceanógrafa e se dedica à fantasia e à ficção científica.
Prêmios para Bethânia Pires Amaro
A pernambucana Bethânia Pires Amaro celebra em 2024 a conquista de três prêmios com o livro de contos “O ninho”, publicado pela Record. Depois do Sesc de Literatura e do APCA, a escritora venceu o mais prestigiado prêmio do país, o Jabuti. A obra reconhecida pela crítica traz 15 contos sobre relações familiares e “busca tratar como as mulheres, às vezes dentro de uma mesma família, costumam repetir padrões de suas mães e avós, e continuar em ciclos de violências, abusos, padrões e comportamentos tóxicos, dos quais é muito difícil se desvincular”, como a autora definiu em entrevista para o Livronews na Flip deste ano. Veja a entrevista completa em https://livronews.com.br/entrevistas-exclusivas-da-flip-no-youtube-do-livronews/.