COLUNA MOBILIDADE

Planos de mobilidade urbana se arrastam no País. No Recife também

Roberta Soares
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Roberta Soares
Publicado em 04/11/2019 às 7:59 | Atualizado em 19/11/2021 às 11:07
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Das 3.442 cidades que deveriam ter apresentado os PMUs, menos de 900 entregaram ou estão elaborando, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional. Fotos: Brenda Alcântara/JC Imagem  

 

Ideias como a Lei Municipal 18.643/2019, que referendou o desligamento da fiscalização eletrônica à noite no Recife, poderiam não se consolidar se o Plano de Mobilidade Urbana (PMU) estivesse pronto, vigorando na cidade. Não foi à toa que, do Japão – para onde se mudou este ano –, o principal mentor e executor do plano recifense, o engenheiro Sideney Schreiner, ex-diretor executivo de planejamento da Mobilidade do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), reagiu contra a legislação nas redes sociais, criticando a sua sanção e destacando que ela é um passo contrário ao que foi estabelecido na política municipal de mobilidade urbana, construída com a participação da sociedade e baseada em amplo estudo técnico e de conhecimento dos vereadores do Recife. E com razão. Enquanto o PMU prevê avanços na segurança viária com mecanismos para desestimular o uso do automóvel, incluindo até rodízio e pedágio urbano, a capital faz um caminho contrário e, agora, referendado por uma legislação municipal que ampliou em 1h a não autuação de avanços de semáforos das 22h às 5h em toda a cidade.

Na avaliação de quem luta por um trânsito menos violento e cidades mais humanas, menos motorizadas, trata-se de um retrocesso. Involução que muitas cidades brasileiras poderão vivenciar a qualquer momento – caso as Câmaras Municipais pensem como pensou o vereador Carlos Gueiros, do PSB e autor da lei que referendou o desligamento. Isso porque, assim como o Recife, são muitos os municípios brasileiros que desde 2012 – quando foi criada a Lei 12.587/2012, conhecida como a Lei da Mobilidade Urbana – arrastam a elaboração dos PMUs. Dados do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR, antigo Ministério das Cidades), comprovam a displicência das gestões municipais em relação à exigência. Das 3.342 cidades que deveriam ter PMUs (por terem mais de 20 mil habitantes), até o mês de setembro apenas 834 municípios declararam possuir o documento ou estar em processo de elaboração. Os dados são de um levantamento elaborado pela Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos (Semob), do MDR. Destacando que, pelas exigências da Lei da Mobilidade Urbana, 60% das cidades brasileiras já deveriam ter elaborado seus planos.

 

Confira a série sobre o Plano de Mobilidade Urbana do Recife

Plano de Mobilidade do Recife terá como princípio o desestímulo ao uso do automóvel

Plano de Mobilidade Urbana do Recife prevê a responsabilidade dividida

Ruas mais lentas para garantir a segurança de pedestres e ciclistas

Rodízio e pedágio à vista no Plano de Mobilidade Urbana do Recife

Plano de Mobilidade Urbana estimula o Recife a meter a colher no transporte público  

 

A expectativa é de que, em 11 anos vamos ter 41 megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes no mundo. No Brasil, 84,4% da população vive nas áreas urbanas. Por isso, os PMUs e os PDUIs (Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado) são tão importantes. Já existe um desmantelamento no sentido do planejamento. A não entrega dos planos de mobilidade, a não modelagem para mitigação das mudanças climáticas, o Plano Nacional de Habitação que não vai ser revisto e o próprio fim do Ministério das Cidades, que retira o protagonismo do olhar para as cidades, são alguns exemplos”, destaca Vitor Mihessen, do GT Agenda 2030

     

A perda para as cidades é enorme na avaliação de especialistas. “Um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) trata das cidades e comunidades sustentáveis exatamente com o objetivo de tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Até porque, a expectativa é de que, em 11 anos vamos ter 41 megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes no mundo. No Brasil, 84,4% da população vive nas áreas urbanas. Por isso, os PMUs e os PDUIs (Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado) são tão importantes. Já existe um desmantelamento no sentido do planejamento. A não entrega dos planos de mobilidade, a não modelagem para mitigação das mudanças climáticas, o Plano Nacional de Habitação que não vai ser revisto e o próprio fim do Ministério das Cidades, que retira o protagonismo do olhar para as cidades, são alguns exemplos”, destaca Vitor Mihessen, coordenador de informação da Casa Fluminense, uma das organizações que integra o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, coalizão que reúne mais de 40 organizações, redes e fóruns da sociedade civil que promovem e monitoram o desenvolvimento inclusivo e sustentável no Brasil.

O prazo para as cidades entregarem os planos de mobilidade já foi adiado três vezes desde 2015, o que na avaliação do GT Agenda 2030, atrasa avanços que possibilitariam uma circulação urbana melhor e mais sustentável no País. A primeira data limite para entrega era abril de 2015. Em seguida, as cidades brasileiras ganharam mais três anos, até abril de 2018. Mas o prazo também não foi cumprido. Por último, ficou estabelecido o mês de abril deste ano, também desrespeitado. E, pelo levantamento que integra o Relatório Luz da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável 2019, até o mês de agosto, apenas 201 cidades tinham atendido à exigência e outros 135 estavam com projetos em andamento. Números completamente diferentes dos apresentados pelo MDR.

 

FINANCIAMENTO PARA MOBILIDADE COMPROMETIDO

Para forçar as cidades a elaborarem os PMUs, foi determinada a restrição de recursos públicos. Segundo o MDR, de fato, os municípios que não seguiram a legislação estão proibidos, desde o mês de abril, de receber recursos do Orçamento Geral da União (OGU) destinados a projetos de mobilidade urbana até que elaborem os planos. Fazendo isso, ficam livres da restrição. Até o dia 31 de dezembro de 2019, entretanto, ainda será possível continuar acessando financiamentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Mas, para sorte da mobilidade urbana, a partir de 2020, somente serão aceitas propostas de prefeituras que já possuam o PMU ou destinadas à elaboração do plano.

 

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  Em relação aos Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUIs), O MDR informou que, até agora, apenas as regiões metropolitanas da Grande Vitória (ES) e do Vale do Rio Cuiabá (MT) os possuem, tendo sido aprovados por leis estaduais, como previsto no Estatuto das Metrópoles. As RMs de Belo Horizonte, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e da Baixada Santista já concluíram o processo de elaboração dos documentos e estão em fase de aprovação das Assembleias Legislativas Estaduais. Em relação a possíveis restrições para acesso a verbas, o Estatuto das Metrópoles previa prazo para que essas concentrações urbanas elaborassem seus PDUIs, com sanções a governadores ou agentes públicos que não cumprissem o estabelecido. Entretanto, a Lei 13.683/2018 revogou esses prazos e sanções. Ou seja, não há restrições às cidades ou Estados que não aprovarem os PDUIs.  

A questão dos prazos perdeu relevância porque nossa preocupação é fazer algo consistente, uma política sólida para a cidade. Nosso plano teve uma ampla participação da sociedade e é inovador, com metas para inverter prioridades, valorizar a segurança viária, desestimular o uso do automóvel e estimular o desenvolvimento orientado ao transporte. Agora, de fato, tivemos que aguardar as discussões da revisão do Plano Diretor da cidade para evitar que houvesse algum tipo de conflito entre as leis”, argumenta Antônio Alexandre, secretário de Planejamento Urbano do Recife

PLANO DE MOBILIDADE DO RECIFE

Segundo o secretário de Planejamento Urbano do Recife, Antônio Alexandre, ainda esse ano o novo Plano de Mobilidade Urbana da cidade – em elaboração desde 2015 – chegará à Câmara Municipal para ser votado, o que ele espera que aconteça no primeiro semestre de 2020. “A questão dos prazos perdeu relevância porque nossa preocupação é fazer algo consistente, uma política sólida para a cidade. Nosso plano teve uma ampla participação da sociedade e é inovador, com metas para inverter prioridades, valorizar a segurança viária, desestimular o uso do automóvel e estimular o desenvolvimento orientado ao transporte. Agora, de fato, tivemos que aguardar as discussões da revisão do Plano Diretor da cidade para evitar que houvesse algum tipo de conflito entre as leis”, argumentou.

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