A morte do BRT pernambucano

Apenas seis anos depois de o sistema entrar em operação na RMR, percebemos como tudo deu errado. Como as promessas foram vãs
Roberta Soares
Publicado em 29/08/2020 às 20:35
MELHORIAS Com Investimento de erca de R$ 1,5 bilhão, estações e terminais vão passar por mudanças nas instalações físicas e geração e uso de energia de fonte renovável Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Uma morte não anunciada. Em 2009, quando o então governador Eduardo Campos decidiu - convencido por um estudo contratado pelos empresários de ônibus ao escritório da lenda urbanística Jaime Lerner - copiar o modelo do transporte público de Curitiba (PR), na época e por muitos anos referência mundial, ninguém imaginava que chegaríamos onde chegamos. Ninguém. Nem eu, nem você, nem o mais crítico cidadão da Região Metropolitana do Recife ou o maior oposicionista da gestão PSB. O Sistema BRT (Bus Rapid Transit) era a aposta da qualificação do transporte público. Lembro de Eduardo Campos prometendo que teríamos ônibus a cada dois minutos, como era em Curitiba.

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O BRT, batizado em Pernambuco como Via Livre, era a promessa do transporte do futuro. O conforto e a prioridade ao transporte coletivo chegariam por ele. Prometiam que seria o conceito de metrô sobre pneus. O pagamento da tarifa seria na estação e não mais no coletivo (acabando com as filas na entrada), o embarque seria em nível, ou seja, esqueceríamos os altos degraus para acessar o coletivo, e a circulação seria prioritária nas vias, com os BRTs circulando em eixos exclusivos, sem disputar espaço com os veículos particulares.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

Apenas seis anos depois de o Via Livre entrar em operação - incompleta até então, vale ressaltar -, percebemos como tudo deu errado. Como as promessas foram vãs. Impressiona a inabilidade do governo de Pernambuco - administrativa, financeira e política - para cuidar de um patrimônio que ele mesmo construiu e prometeu à população como sendo algo que dignificaria o transporte público coletivo da RMR. O BRT está morrendo diante dos olhos de todos: governo do Estado, operadores e passageiros. E tendo a sociedade em geral, usuária ou não, como testemunha.

Números do BRT

46 estações de BRT foram construídas na RMR

25 delas foram novamente vandalizadas durante a pandemia

19 no Corredor Norte-Sul

6 no Corredor Leste-Oeste

1,2 milhão de reais é o custo da licitação lançada para recuperar os equipamentos

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

As imagens que ilustram essa reportagem falam por si só. Não precisam de legenda, como costumamos dizer no jornalismo. Estações destruídas, vandalizadas e “canibalizadas” novamente - os equipamentos têm sido invadidos e tido a estrutura roubada, do piso ao teto. Situação vivida ainda no ano passado e agravada com a pandemia do coronavírus. É tudo tão grave que o vandalismo predominante no Corredor Norte-Sul (que liga o Recife a Igarassu, na RMR) se ampliou para o Leste-Oeste (ligação da capital com Camaragibe, também na RMR), até então menos impactado por ter um percurso mais urbanizado. Estão acabando com tudo.

Sem a segurança privada e quase nenhuma pública, as estações do BRT estão virando entulhos nas ruas. O governo do Estado suspendeu os contratos com a vigilância privada para economizar e o convênio firmado com a PM segue com dificuldades sem o pagamento do setor empresarial devido à crise da pandemia. A destruição é tanta que a cada dia fica mais difícil resgatar o sistema. Poderemos até refazer os equipamentos - como está sendo previsto na licitação de R$ 1,2 milhão que o governo está executando -, mas não iremos recuperar a empatia da sociedade. Caso algo não seja feito com firmeza e brevidade, não conseguiremos mais resgatar o conceito BRT. E esse é o grande prejuízo para o transporte público porque jogaremos no lixo um modelo que, sendo bem operado, poderia dar certo. Assim, perdem todos: sociedade e cidades, passageiros ou não.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor de BRT Leste-Oeste

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Corredor Norte-Sul

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Venda indevida de passagens voltaram a ser prática constante nas estações. Na foto, o Corredor de BRT Leste-Oeste

 

GOVERNO DE PERNAMBUCO

Confira a nota oficial enviada pelo governo de Pernambuco sobre a situação das estações do BRT e sobre o convênio firmado com a PM:

"A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação esclarece que o convênio entre Seduh e SDS para realização de rondas de segurança para proteção das estações de BRT não foi suspenso. Durante a pandemia, as empresas decidiram deixar o convênio e, por isso, o Estado precisou assinar um aditivo para regularizar e assumir na íntegra os pagamentos.

O aditivo foi assinado na última quinta-feira (27/8) e, no início da próxima semana, Seduh e SDS realizarão reunião para empreender alguns ajustes no projeto. Vale reforçar que o Grande Recife Consórcio de Transportes deu início ao processo licitatório para recuperação de 25 estações de BRT.

Serão investidos R$ 1.225.996,66 na recomposição do forro, estruturas, portas, catracas, quadro elétrico, colocação de nova fiação, reposição dos vidros e pintura. Também será realizada capinação no entorno dos equipamentos.

Após a conclusão dos serviços de recuperação, as estações de BRT serão reabertas. Enquanto isso, os usuários estão sendo atendidos por linhas operadas por ônibus convencionais e articulados que fazem o embarque e desembarque nas paradas localizadas nas calçadas".

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