MOBILIDADE URBANA

Dia Mundial Sem Carro - Um dia para mudar hábitos

O pedido é para que você, ao menos, pare e reflita sobre a cidade que quer viver e, ao menos, cogite mudar hábitos

Roberta Soares Roberta Soares
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Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 22/09/2020 às 9:00
BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM
O aplicativo é gratuito e pode ser utilizado por qualquer motorista e também por empresas que tenham frota - FOTO: BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM

Você não precisa ser como o professor Rafael Nonato, personagem principal desta reportagem que já transformou a bicicleta numa extensão do corpo e da alma. Mas no dia de hoje, 22 de setembro, conhecido como o Dia Mundial Sem Carro, o pedido é para que você, ao menos, pare e reflita sobre a cidade que quer viver e, ao menos, cogite mudar hábitos. Pense, passe a exigir e, quem sabe, na sequência, promova alguma mudança. A transformação, sabemos, é difícil e pouco estimulante. É verdade. As cidades ainda têm muito pouco a oferecer e seguem, em sua maioria, ofertando mais estrutura para o individual do que para o coletivo. E a pandemia da covid-19 ainda colocou luz sobre todas essas deficiências. Principalmente na mobilidade urbana.

Por isso, o Dia Mundial Sem Carro é sempre um dia para se tentar plantar uma semente relacionada à mobilidade sustentável. Tentar fazer com que as pessoas experimentem outras formas de se deslocar além do automóvel. E que passem a cobrar mudanças do poder público. “Não é deixar de usar o automóvel, satanizá-lo. Não estamos falando disso. Mas precisamos de uma sociedade menos dependente do carro. E, para isso, precisamos de planejadores que estimulem o uso da cidade por quem quer andar a pé, de bicicleta e de transporte público. Eu comecei assim, sem radicalismos. Refleti e, diante das facilidades da tecnologia, passei a mesclar meu transporte, tentando utilizar o carro o mínimo possível. Acho que é um bom começo de mudança”, defende e ensina a designer Luana Gomes, que há menos de um ano tenta mesclar o uso do automóvel com o ônibus, a bicicleta e os aplicativos de transporte. Antes, ia de carro até a padaria.

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O trânsito brasileiro mata e mutila demais. Ainda é muito violento. Até 2014, matava quase 40 mil pessoas por ano. Em 2018, foram mais de R$ 32 mil óbitos - BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM

Hábitos como o da design são necessários pelo bem de todos. Das cidades, das pessoas. O trânsito brasileiro mata e mutila demais. Ainda é muito violento. Até 2014, matava quase 40 mil pessoas por ano. Em 2018, foram mais de R$ 32 mil óbitos. Produz, em média, 500 mil mutilados. Provoca um custo de R$ 36 bilhões para a saúde pública brasileira - o equivalente a 12% do PIB brasileiro -, sem considerar a rede privada. Dinheiro gasto com mortes e ferimentos evitáveis, como afirmam os profissionais que de alguma forma lidam com o trânsito e suas mazelas. O excesso de velocidade dos veículos e a insegurança viária para os modais não motorizados são as principais causas.

Até mesmo durante a pandemia do coronavírus. Dados da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) mostram que, mesmo agora, o desrespeito aos limites segue sendo o grande vilão do trânsito, apesar de haver menos veículos nas ruas. Foram, de janeiro a agosto de 2020, 200 mil notificações de desrespeito ao limite de velocidade das ruas, flagradas por apenas 60 equipamentos aptos a essas notificações. Os agentes de trânsito não multam o excesso de velocidade. Apenas equipamentos aferidos. Com a pandemia, o temor de que a população se volte ainda mais para o automóvel ganhou força, o que, na visão do setor, provocará mais vítimas no trânsito.


31
mil pessoas devem morrer este ano no trânsito brasileiro, segundo projeção feita pelo ONSV

500
mil pessoas ficam mutilidades no trânsito, em média, todos os anos no Brasil

36
bilhões de reais é o custo anual dos feridos no trânsito para a saúde pública brasileira

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Produz, em média, 500 mil mutilados por ano. Provoca um custo de R$ 36 bilhões para a saúde pública brasileira - o equivalente a 12% do PIB brasileiro -, sem considerar a rede privada - BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM

DÉCADA DE AÇÃO PELA SEGURANÇA NO TRÂNSITO
Por sorte, há avanços a serem destacados no País. Levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) apontou que o Brasil conseguiu reduzir em 50% o número de óbitos no trânsito projetados há dez anos, quando foi lançada a Década de Ação pela Segurança no Trânsito – 2011/2020. Pela projeção, estipulada em 2010, caso não fossem adotadas políticas para redução de mortes no trânsito, o Brasil estaria contabilizado 62.445 óbitos em 2020. Mas, segundo o livro Análise do Desempenho do Brasil na Década de Ação pela Segurança no Trânsito – 2011/2020”, escrito pelo Observatório em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR ) e com o apoio da Honda, a previsão atualizada é de 31.223 mortes neste ano.

Confira o levantamento na íntegra:

Mesmo assim, o levantamento indica que a redução projetada tem muita influência da crise econômica. “A crise econômica e a pandemia que reduziram o crescimento da frota de veículos e a circulação das pessoas, não a conscientização da população. Acidente está muito ligado a uma causalidade, uma coisa que acontece de qualquer jeito e na realidade, o que nós temos no trânsito são sinistros, são atos que acontecem relacionados na maioria das vezes devido ao comportamento, a atitude das pessoas e as causas são muito bem conhecidas. Elas tem inúmeras formas de serem combatidas”, diz Francisco Garonce, um dos autores.

Segundo a CTTU, o Recife é uma das cinco capitais brasileiras a alcançar a meta de reduzir em 50% do número de óbitos no trânsito, atendendo ao fechamento da Meta Global de Redução de Acidentes, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU). A cidade teve redução de 50,4% de óbitos entre 2011 e 2018.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Rafael Nonato, professor de inglês - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

NA LUTA PELA MOBILIDADE SUSTENTÁVEL
O professor de inglês Rafael Nonato, 38 anos, é uma dessas figuras que fazem tudo de bicicleta. Tudo mesmo. Viaja, vai ao trabalho, à festa, à feira e a qualquer lugar de bicicleta. De tanto elo com a bike, virou cicloativista e uma das cabeças que ajudam a sociedade civil organizada a exigir mais mobilidade sustentável no Recife. A relação com a ciclomobilidade começou há mais de uma década, quando estudava no interior de São Paulo e começou a usar o monociclo para se deslocar de casa até a universidade. Um dia, redescobriu a bicicleta e fez a opção por ela devido à agilidade de deslocamento que proporcionava em relação aos monociclos. Desde então, não a largou mais.

Mas não foi sempre assim. Como ele mesmo destaca, tinha tudo para ser um jovem de classe média dependente do automóvel para tudo. Ganhou dos pais um carro de presente no segundo vestibular que prestou, também em São Paulo. Usava pouco porque morava perto da universidade. Com o tempo vendeu porque dava muitos problemas pela falta de uso. Mas, de vez em quando, dirigia. Chegou a ser pego numa blitz da Lei Seca quando a operação estava começando no Brasil. Pagou multa e fez acordo na Justiça. Mas foi a última vez que se atreveu a dirigir após beber.

Eu tinha tudo para ter virado um playboy de classe média. Mas por sorte peguei outro rumo. Hoje, luto por uma mobilidade mais sustentável. Luto pela estrutura para as pessoas pedalarem com segurança, embora não dependa dela para circular de bicicleta. Quero uma cidade onde as pessoas que não sabem possam pedalar. Não tenho medo porque tenho muita experiência no trânsito, sei me posicionar diante dos carros. Mas sou minoria",
Rafael Nonato, ciclista, cicloativista e professor

TVJC
Rafael Nonato, professor e ciclista - TVJC

“Eu tinha tudo para ter virado um playboy de classe média. Mas por sorte peguei outro rumo. Hoje, luto por uma mobilidade mais sustentável. Luto pela estrutura para as pessoas pedalarem com segurança, embora não dependa dela para circular de bicicleta. Quero uma cidade onde as pessoas que não sabem possam pedalar. Não tenho medo porque tenho muita experiência no trânsito, sei me posicionar diante dos carros. Mas sou minoria”, assume.

Para ele, o Dia Mundial Sem Carro é todo dia. De tão radical em relação ao uso irracional do automóvel, este ano Rafael Nonato resolveu fazer um desafio a si mesmo na data simbólica para a mobilidade urbana: “Eu vou passar um ano sem, sequer, entrar num carro. Esse será meu desafio. Vou pedalar e vou caminhar. Farei tudo sem precisar de um automóvel”, promete. O desafio é dele, mas o exemplo de que é possível ser menos dependente do carro é de todos.

BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM
O excesso de velocidade dos veículos e a insegurança viária para os modais não motorizados são as principais causas da violência no trânsito - BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM

AÇÕES PARA O DIA MUNDIAL SEM CARRO
Diversas ações simbólicas serão realizadas por entidades, empresas e órgãos ligados ao trânsito como forma de propagar o conceito do Dia Mundial Sem Carro. Veja algumas:

Ameciclo
Nesta terça-feira (22), a Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife - Ameciclo realiza o ato de conscientização Carros de Bambu, em que estruturas de varas de bambu são montadas ao redor das bicicletas, simulando o mesmo espaço que um carro de passeio ocuparia na via (uma média de 6 m²). A concentração acontece a partir das 14h no estacionamento da Rua da Aurora (em frente ao Bacen). Na quarta, será feita mais uma Contagem de Ciclistas nos principais cruzamentos da cidade. Os resultados serão divulgados no Portal de Contagem da Ameciclo, na sexta-feira. O endereço é contagem.ameciclo.org. Na quinta-feira (24), o GT Mulheres — grupo de trabalho da Ameciclo — irá lançar nas redes sociais da Associação um vídeo com depoimentos sobre como é ser mulher e ciclista na cidade.

CTTU
A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) entregará a II Etapa da Rota Othon Paraíso, na Zona Norte da cidade, e uma travessia semaforizada para pedestres e ciclistas na Avenida Agamenon Magalhães, sob o Viaduto da Avenida Norte. A nova rota tem 1 km de extensão e passa pela pista local da Agamenon Magalhães, no sentido Olinda, no trecho entre a Avenida Norte e a Avenida Doutor Jayme da Fonte. Até o final do mês, o Recife completará 140 km de malha cicloviária, o que representa um aumento de 480% desde 2013, quando a cidade tinha 24 km de rotas cicláveis.

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Por sorte, há avanços a serem destacados no País. Levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) apontou que o Brasil conseguiu reduzir em 50% o número de óbitos no trânsito projetados há dez anos - BRENDA ALCANTARA/JC IMAGEM

99
Nesta terça (22), o app de mobilidade urbana 99 dará desconto de R$ 5 em viagens para terminais de ônibus, metrô e trem para estimular usuários a deixarem o carro na garagem. A ação estará disponível somente no dia 22/9 e é válida para os passageiros de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Manaus, Porto Alegre, Goiânia, Curitiba, Belém, Recife, Fortaleza, Brasília e Salvador. Para ter acesso ao subsídio, limitado à quantidade de cada cidade, basta ter o aplicativo da 99 instalado no celular e inserir o código promocional no menu "Cupom de Desconto". Os códigos promocionais e regras de uso estão disponíveis no site https://www.paraondevamos.com.

Bike PE
O Bike PE, projeto de compartilhamento de bikes operado pela Tembici em parceria com o governo de Pernambuco e patrocinado pelo Itaú Unibanco, está com uma campanha para estimular a adesão ao serviço. Os novos usuários e aqueles sem planos ativos que se cadastrarem no sistema Bike Itaú pagam apenas R$ 45, ou seja, tem 50% de desconto para usar o serviço por 3 meses.

Citação

Eu tinha tudo para ter virado um playboy de classe média. Mas por sorte peguei outro rumo. Hoje, luto por uma mobilidade mais sustentável. Luto pela estrutura para as pessoas pedalarem com segurança, embora não dependa dela par

Rafael Nonato, ciclista, cicloativista e professor

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