Transporte público: antigos problemas e velhos desafios. Essa é a missão do novo secretário de Desenvolvimento Urbano em Pernambuco
Passageiros não deve esperar grandes mudanças no transporte público da Região Metropolitana do Recife, ainda mais abalado pela pandemia de covid-19
O advogado Tomé Franca, 40 anos, assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Pernambuco há dois meses. Chega com o mesmo desafio de outros secretários de ainda finalizar as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 - acreditem, elas ainda não foram concluídas, mesmo sete anos depois dos jogos. Nesta conversa com a Coluna Mobilidade não anunciou muitos planos. Mas demonstrou estar consciente dos antigos problemas e velhos desafios que irá enfrentar na secretaria que responde - entre outras pastas - pelo transporte público da Região Metropolitana do Recife.
Chega, inclusive, com a missão de construir um programa de pavimentação de vias urbanas nas cidades do interior do Estado - algo novo na história da pasta, mesmo ela tendo sido criada originalmente como Secretaria das Cidades, que com Paulo Câmara virou Desenvolvimento Urbano. Um projeto - seria impossível ignorar essa análise - bem conveniente para pavimentar a reeleição do PSB à frente do governo de Pernambuco.
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De concreto para o transporte público, além das obras remanescentes da Copa, promete estar com 100% das estações de BRT em atividade até setembro deste ano e ampliar a integração temporal para além dos terminais integrados. Tem a seu favor o fato de atuar há 18 anos na gestão pública, passando tanto pelo Legislativo como pelo Executivo. Atuou na Secretaria de Turismo ainda na primeira gestão do ex-governador Eduardo Campos (PSB) e na coordenação jurídica do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Estava na Secretaria de Saneamento do Recife antes de assumir a Seduh.
Mas, assim como a grande maioria dos gestores públicos que gerem o transporte coletivo no País - e em Pernambuco nunca foi diferente -, o secretário não anda de ônibus. Muito menos de metrô.
JC - Quais os principais planos para a sua gestão?
TOMÉ FRANCA - Quando fui convidado para essa missão pelo governador Paulo Câmara recebi duas orientações imediatas: a primeira é o destravamento das ações estruturadoras da mobilidade urbana da Região Metropolitana do Recife (RMR), especialmente as obras remanescentes da Copa do Mundo de 2014. Os corredores de BRT Norte-Sul e Leste-Oeste e o Ramal da Copa. Nosso trabalho nesses dois primeiros meses, inclusive, foi buscar recursos junto ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), via Secretaria Nacional de Mobilidade, para finalizar esses projetos, que eram para terem sido concluídos ainda na época dos jogos mundiais, mas ao longo do tempo e por diversos motivos, foram se prolongando e a gente ainda tem ações que precisam ser finalizadas. E são projetos que vão envolver um valor considerado de recursos: R$ 60 milhões para finalizar os três. E nas próximas semanas, fim de agosto e início de setembro, 15 licitações deverão ser lançadas.
JC - Mas o ex-secretário Marcelo Bruto, que você sucedeu e ficou menos de dois anos no cargo, também tinha essa meta - de concluir as obras incompletas da Copa do Mundo de 2014. Assim como todos os secretários que o antecederam a partir de 2014. O que avançou?
TOMÉ FRANCA - Boa parte dos projetos foram feitos na gestão de Marcelo Bruto. Nós vamos conseguir lançar essas 15 licitações em agosto e setembro justamente porque foram feitos projetos. Sem projeto a gente não licita. Não tem obra. Marcelo preparou a casa para que a gente pudesse dar sequência. Assinamos a ordem de serviço de requalificação do Terminal Integrado de Igarassu na ordem de R$ 15,5 milhões e vamos soltar outras. A Seduh tem hoje um conjunto de projetos que vai possibilitar a retomada das obras paralisadas.
JC - O que vocês pretendem finalizar agora?
TOMÉ FRANCA - No Corredor Leste-Oeste, é a retirada do giro na altura da UPA da Caxangá, onde há um sinal de três tempos que compromete demais o desempenho dos BRTs (R$ 2,8 milhões). E as obras remanescentes do Túnel da Abolição, que envolve a conclusão das praças e a parte elétrica da área (R$ 2,5 milhões). E, ainda, o alargamento de trechos da PE-005 (Avenida Belmino Correia, em Camaragibe), para abrigar as estações de BRT (R$ 2,5 milhões). No Corredor Norte-Sul, são a requalificação do TI Igarassu (R$ 15,5 milhões), a conclusão das estações e do entorno das unidades em Paulista e em frente ao Centro de Convenções (R$ 5 milhões), e a finalização do alargamento da Pan Nordestina na altura das estações existentes para permitir a ultrapassagem dos BRTs (R$ 16 milhões). Além disso, vamos terminar o Ramal da Copa, incluindo a pavimentação final. São três obras que totalizam R$ 19,5 milhões. Até meados de outubro deveremos estar com todas as licitações na rua. A maior parte desses recursos (90%) serão do governo de Pernambuco, até porque os recursos federais já tinham sido repassados. É fato que são prioridades antigas, de outros secretários também, mas precisam ser de todos até serem concluídas porque são obras estruturadoras para a RMR. Temos obrigação de terminá-las.
JC - Sabemos que é obrigação concluir as obras, mas sabemos que o Ramal da Copa, hoje em dia, não tem a mesma utilidade para a população que teve quando planejado. Já que a Cidade da Copa não foi construída. E a maior parte dos R$ 60 milhões vão para ele.
TOMÉ FRANCA - De fato, a utilidade do Ramal da Copa era dar acesso à Arena para os jogos e à Cidade da Copa, que não virou realidade. Com a construção de universidades, prédios públicos, residenciais, que não avançou. Mas a tendência é que a Região Metropolitana do Recife cresça naquela direção porque não há áreas próximas para esse crescimento. Então, quando você leva infraestrutura para a região você atrai investimentos para aquela região naturalmente. Não tenho dúvidas de que aquela área será mais habitada em pouco tempo e iremos comemorar a conclusão do Ramal.
JC - Além da obrigação de finalizar projetos antigos e incompletos, qual as novas metas?
TOMÉ FRANCA- O governador também nos orientou a construir um projeto de pavimentação de vias urbanas nos municípios do Estado como um todo, além da RMR. Estamos fechando o tamanho do investimento. Serão firmados convênios entre o Estado e os municípios. Vamos levar desenvolvimento urbano e qualidade de vida para as cidades como um todo. Estamos desenhando agora. Estamos dimensionando o custo para fechar o orçamento que será possível ser investido. Ouvindo as demandas dos prefeitos e dos municípios. Mas ainda não sabemos o valor e a quantidade.
JC - Esse projeto de pavimentação de vias urbanas nas cidades do interior é um braço novo da Seduh, correto? Acredito que a antiga Cidades nunca atuou nessa área.
TOMÉ FRANCA - É uma ação nova sim. E que está sendo feito para atender a uma demanda cotidiana. São muitas cidades precisando de ruas pavimentadas. É o básico da qualidade de vida.
JC - Não é muito para uma secretaria que já não consegue dar conta do que tem sob responsabilidade da pasta, como é o caso do transporte público da RMR, repleto de problemas?
TOMÉ FRANCA - Na verdade, nós temos três secretarias executivas que cuidam de assuntos diferentes e uma delas abrange exatamente esse projeto. A relação com o transporte público da RMR é coordenada por outra executiva. A secretaria executiva de governança sempre teve esse papel, mas a pandemia e a crise econômica impediram o Estado de fazer esse investimento. Agora, com a crise sanitária passando e o Estado com uma maior capacidade de endividamento e, consequentemente, de investimento, resultado da gestão responsável comandada pelo governador Paulo Câmara, será possível cuidar tanto das obras remanescentes como do projeto nos municípios.
JC - Não teria nenhuma relação com as eleições de 2022 e a estratégia do PSB de se manter à frente do governo de Pernambuco por mais quatro ou até oito anos?
TOMÉ FRANCA - Na verdade, é política sim. Mas é política pública. É função do Estado criar infraestrutura para os municípios. Lembre-se que essa secretaria se chamava das Cidades. Não é papel da Seduh cuidar apenas - o que não é pouco - do transporte público da RMR. Esse é o papel do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM). A Seduh tem um papel muito mais amplo do que isso. E ela está cumprindo seu papel com esse projeto de pavimentar ruas e avenidas nos municípios do Estado. Porque estará criando políticas públicas que levarão desenvolvimento urbano aos municípios, independente do ano, das cidades ou de política.
JC - E o transporte público do Grande Recife? Quais os planos para ele? O que podemos dizer para a população, já que o sistema definha e não se vê melhorias, apenas problemas?
TOMÉ FRANCA - Estamos passando por um período bem atípico com a pandemia e é importante reconhecer o esforço que o governo do Estado fez e está fazendo para garantir uma utilização razoável do transporte pela população. Mesmo com a pandemia e apesar das críticas que são feitas. O Estado se dedicou a antecipar a compra dos vales-transporte para garantir uma frota de quase 100% mesmo com uma demanda de passageiros muito baixa. E isso aconteceu em quase todo o tempo da pandemia. Hoje estamos com uma frota de 90% e uma demanda ainda de aproximadamente 60%, mesmo com as atividades econômicas retornando. E tivemos um momento em que a frota foi de 80% com a demanda em 40%. Isso foi um esforço que o Estado fez para garantir o distanciamento das pessoas no sistema, por mais que nos horários de pico isso não aconteça. Até porque o transporte público aqui e em todo mundo não foi concebido para conviver com a pandemia. E acho que tivemos um resultado satisfatório.
JC - Me dê números secretário. Qual o valor que vocês colocaram no transporte público da RMR até agora para minimizar os impactos da pandemia?
TOMÉ FRANCA - Este ano, até junho, nós fizemos a antecipação da compra de vale transporte na ordem de R$ 50 milhões (os valores de 2020 não foram informados pela Seduh). Isso é um investimento que o governo do Estado fez para que a população tivesse à sua disposição o transporte com uma condição maior para o distanciamento. Com uma oferta de ônibus maior do que a demanda, conseguimos ofertar um serviço melhor, com mais qualidade. É claro que nos horários de pico há lotação, mas os ônibus têm saído dos terminais apenas com passageiros sentados. Também temos fiscalizado a ocupação ao longo dos corredores, mas é difícil. Até porque é comum o passageiro não querer esperar um veículo seguinte que pode passar mais vazio.
JC - Houve, então, um aumento do subsídio público ao transporte público da RMR?
TOMÉ FRANCA - Com o retorno das atividades econômicas e das escolas naturalmente a demanda de passageiros aumenta. Mas ainda estamos analisando tudo isso. É preciso ver como a demanda vai se comportar.
JC - A perda de demanda do transporte público urbano já é permanente e estimada entre 30% e 40%. No Brasil e no mundo. Não só pela pandemia de covid-19, mas pela baixa qualidade do que é oferecido há muito tempo. Não se acredita que os passageiros de antes da pandemia retornarão. O cenário do transporte público é péssimo, principalmente para o ônibus. Os trilhos ainda têm muitas concessões que incluem investimento obrigatório do poder público. Por isso, pergunto: quais os planos do governo de Pernambuco para reestruturar o sistema? Não podemos passar o resto da vida antecipando vale-transporte.
TOMÉ FRANCA - Sua análise está perfeita, sem dúvida, e ela passa por dois pontos bem importantes: o financiamento do transporte público e a qualificação do serviço. O primeiro é uma discussão nacional que precisa ser feita. Como financiar o transporte público, que hoje depende basicamente da tarifa e a gente já sabe que essa base de sustentação não suporta mais bancar o serviço. E a qualificação tem que ser dada para conseguir atrair de volta o passageiro que deixou o serviço e os novos.
JC - Certo. E o que o senhor vai fazer para mudar isso?
TOMÉ FRANCA - Do ponto de vista da gestão estadual, o nosso empenho está muito voltado para a qualificação do transporte público. Na busca desses passageiros que foram usuários e podem voltar. Nesse sentido o governo tem iniciativas, uma delas é a concessão dos terminais integrados e das estações do BRT para a iniciativa privada. Agora no dia 27/8 estaremos abrindo as propostas para escolher a empresa que vai assumir o projeto de gestão e operação dos 26 TIs e 44 estações do BRT. E isso vai promover uma qualidade maior à estrutura do transporte público. Essas empresas vão administrar o espaço e ofertar mais serviços, tecnologia e conforto. Acredito que a população vai receber algo melhor e, com certeza, ela vai poder escolher o transporte público na hora de optar por um Uber, por exemplo. Atraindo mais usuários, melhor para dividir a conta e garantir mais qualidade. Essa é uma iniciativa. Sobre a questão do financiamento do transporte, ela precisa acontecer e ser mais ampla. Temos que buscar alternativas, outras experiências.
JC - E sobre a modernização do sistema: as regras em vigor são ultrapassadas e não permitem nenhum tipo de inovação, como tarifas por trecho, ônibus por aplicativo. O transporte da RMR não tem sequer um sistema de informação em tempo real oficial disponível para a população. O passageiro usa o CittaMobi há anos, sem nunca ter sido reconhecido pelo governo. O corredor de BRT Norte-Sul não tem sequer fibra óptica. A impressão que a gente tem é que o transporte da RMR virou um sistema velho, atrasado e preguiçoso, que parece não querer se atualizar. O que o senhor pode dizer sobre isso?
TOMÉ FRANCA - Eu não posso concordar porque os adjetivos que você usou foram fortes. Mas em tese você tem razão. O sistema precisa, sim, se modernizar. É algo desafiador porque ele foi criado dentro de uma estrutura antiga, mantida ao longo tempo, enquanto as coisas se modernizaram e a gente está correndo atrás. Isso é fato. Agora, temos feito inovações sim. A integração temporal é um exemplo.
JC - Mas secretário, levamos anos e anos para iniciar o processo de implementação da integração temporal e começamos a executá-lo dentro dos terminais, usando uma estrutura física, quando a tecnologia não precisa mais disso. É mais um sinal do quanto o nosso sistema de transporte está atrasado. Concorda?
TOMÉ FRANCA - Veja, é possível fazer a integração temporal fora dos terminais. Os TIs agora vão passar a ser uma espécie de hub dos ônibus porque concentram uma grande quantidade de passageiros. Mas eu posso fazer a integração temporal em qualquer cruzamento, desde que seja dentro de 2h e no mesmo sentido da viagem. Mesmo fora dos TIs. Já começamos a permitir essa operação em algumas áreas como teste e vamos evoluir para outras ligações. O TI Abreu e Lima será o próximo a receber a integração temporal e depois restarão apenas seis terminais para alcançarmos. Por essa razão deixamos a ampliação para fora do espaço físico por último. Também vamos começar a usar o aplicativo Nina, de combate ao assédio sexual no transporte público. Estamos acertando.
JC - O comando do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) acaba de mudar, exatamente o seu braço para gestão do transporte público da RMR. O que muda, quais as recomendações?
TOMÉ FRANCA - Seguiremos buscando a melhoria do transporte público como um todo. Vamos dar continuidade às ações que já vinham sendo implementadas. Não há uma ruptura com a mudança da presidência do CTM. Houve apenas uma mudança organizacional. Até porque a gestão vinha sendo tocada com muita responsabilidade pelo antigo presidente e será da mesma forma pelo atual.
JC - O CTM tem enfrentando muitas dificuldades com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e com outros órgãos de controle, como MPPE e MPT, há muitas denúncias de má execução de obras, questionamentos sobre a degradação dos equipamentos, como é o caso do BRT. O que podemos dizer sobre isso?
TOMÉ FRANCA - Os órgãos de controle cumprem o papel que cabe a eles. Não cabe a nós fazer qualquer tipo de questionamento sobre a atuação deles. A gente precisa responder com eficiência, agilidade e transparência. É nossa orientação. Até porque se fazemos os processos dialogando com os órgãos de controle podemos evitar questionamentos futuros que poderiam ser evitados. Corrigir o que precisa ser corrigido. Esse diálogo é fundamental e tenho feito isso. Tenho, inclusive, orientado as equipes da Seduh a terem sempre esse diálogo.
JC - E sobre o BRT pernambucano, tão sofrido, degradado, abandonado. Estações destruídas, quebradas, quentes. Um sistema que virou um Frankenstein. O que podemos dizer?
TOMÉ FRANCA - Uma prioridade da gente aqui na Seduh é a reativação das estações do BRT. Em sua totalidade. São muitas que ainda estão desativadas depois de serem depredadas pela própria população, infelizmente. Sabemos que não são os usuários, é vandalismo mesmo. Mas nossa meta é até setembro estar com 100% das estações de BRT em atividade. Temos 15 no Corredor Norte-Sul que não estão ativas, mas já em reforma. Além de quatro ou cinco no Corredor Leste-Oeste. Ver essa quantidade de estações desativadas foi algo que me incomodou muito quando cheguei na Seduh. Um empreendimento super importante e encontrá-lo nessas condições que está. Mas as providências foram tomadas pelo Estado, inclusive anteriormente a mim.
JC - E o convênio com a Polícia Militar para evitar mais vandalismo segue?
TOMÉ FRANCA - Segue sim. De fato houve uma decisão do governo do Estado, por economicidade, de suspender o contrato terceirizado de segurança das estações e firmar o convênio com a PM para utilização dos PJEs (Programa de Jornada Extra).
JC - Para finalizar, uma pergunta que gosto de fazer a todos os gestores públicos que assumem o comando do transporte público no Estado, sempre que tenho oportunidade: o senhor anda de ônibus?
TOMÉ FRANCA - Já andei muito na juventude. Hoje, tenho que confessar, não ando. Uso de vez em quando para analisar o sistema. Mas no dia a dia não.