Navegabilidade do Rio Capibaribe: ainda bem que projeto não vingará como proposta de transporte público
Não se trata de ser contra o projeto, mas de ter a consciência de que o buraco da mobilidade urbana é tão, tão grande, que não temos mais tempo para apostas. É preciso dar o tiro certeiro e cuidar, antes do lúdico, da tarefa de casa
Não vamos negar que o Projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe, batizado em Pernambuco ainda pelo então governador Eduardo Campos como Rios da Gente, foi um desperdício de dinheiro público. Também não negaremos que esse desperdício precisava ser responsabilizado com a punição dos responsáveis.
Assim como também não deixaremos de reconhecer que é um modelo de deslocamento sustentável, contemplativo e lógico numa cidade cortada por águas, sendo excelente para a imagem do Recife no País e até mundialmente.
Confirmaria a comparação que alguns recifenses adoram fazer: somos a Veneza brasileira.
Mas ainda bem que o Projeto Rios da Gente não saiu nem sairá mais do papel - como admitiu o governo do Estado ao JC.
Pelo menos não com a concepção de transporte público urbano de massa, vendido para a população como um sistema de mobilidade urbana diário, daqueles que fazem, de fato e não de discurso, o cidadão sair de casa e chegar ao trabalho dentro do horário que o trabalhador real brasileiro e recifense dispõe.
É indiscutível que o Rio Capibaribe deveria ser navegável há muito tempo. Mas como um projeto de turismo, de lazer, de contemplação.
Como transporte público, a operacionalidade do sistema é complicada e, principalmente, extremamente cara. Essas afirmações são feitas com base na visão de quem vivencia o sistema diariamente.
Se vingasse, o Rios da Gente viraria um grande elefante branco da mobilidade urbana - ainda maior do que se transformou o BRT pernambucano, projetado e executado (parcialmente, já que oito anos depois segue incompleto) pelo mesmo governador Eduardo Campos e pelo então secretário das Cidades, Danilo Cabral, agora pré-candidato ao governo de Pernambuco pelo PSB nas eleições deste ano.
O raciocínio apresentado pela Coluna Mobilidade é construído tendo como base a lógica de especialistas do setor de transporte.
Não se trata de ser contra o projeto, mas de ter a consciência de que o buraco da mobilidade urbana é tão, tão grande, que não temos mais tempo para apostas. É preciso dar o tiro certeiro e cuidar, antes do lúdico, da tarefa de casa.
“A única cidade do mundo onde o transporte se dá pela água, de barco, é Veneza, porque não existe outra opção. Até mesmo em Estocolmo, que é um conjunto de 14 ilhas, conectadas por 54 pontes, o transporte é feito por ônibus e bondes. É louvável que o rio seja usado para lazer e turismo, mas não como transporte público”, alerta Germano Travassos, engenheiro e um dos consultores de transportes mais respeitados do Estado e do País.
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“Nesse modelo, deve receber investimentos privados, jamais públicos para custear a operação. O transporte aquaviário funciona para grandes travessias, como as barcas Rio-Niterói e as conexões Vitória-Vila Velha (ES), Florianópolis-Continente (SC) e Salvador-Itaparica (BA)”, segue explicando.
Germano Travassos explica que a atracação e desatracação de uma embarcação leva tempo e o tempo é ouro no transporte público coletivo.
“Temos algumas referências de que a atracação para embarque e desembarque leva cinco minutos. E cinco minutos são uma eternidade no transporte público. É impensável. Para se ter ideia, o BRT foi projetado para realizar um embarque de dez segundos!”, alerta.
“Se o rio fosse uma boa opção para transporte público coletivo de passageiros os rios Tâmisa (Inglaterra) e Sena (França) seriam usados há muitos anos”, finaliza o consultor.
A pandemia de covid-19 piorou o que já estava ruim e estudos já mostram que o transporte público brasileiro perdeu para sempre pelo menos 40% da sua demanda, que já escapava-lhe entre os dedos há mais de dez anos - por baixo.
Uma demanda que voltou para a motocicleta - principalmente no caso do Nordeste -, e para o carro. Alguns para a bicicleta também, mas é minoria porque não é um modal adequado para longas distâncias.
NAVEGABILIDADE TEM CUSTO ALTO PARA BAIXA DEMANDA
A navegabilidade do Rio Capibaribe custaria quase R$ 200 milhões apenas para deixar o projeto pronto. Nesse valor não estavam incluídos os custos com as embarcações - que seriam algo novo, projetado para o sistema pernambucano -, muito menos com a manutenção.
Diante desse cenário, o projeto teria fôlego para se bancar como transporte público de alta demanda, com uma previsão de apenas 11 mil passageiros por dia (286 mil/mês) e com a promessa pública dos gestores da época de operar com uma tarifa equivalente a do ônibus – em 2017 de R$ 3,20 e, atualmente, de R$ 4,75?
“Essa demanda diária de passageiros é a mesma de muitas linhas de ônibus do Grande Recife”, insiste Germano Travassos.
O Rios da Gente foi um projeto pensado no auge da liberação de recursos para estruturar as cidades para a Copa do Mundo de 2014. Na época, o então governador Eduardo Campos estava iniciando diversos projetos de mobilidade urbana com ajuda do governo federal - a maioria, inclusive, paralisados ou incompletos até hoje.
A preparação para a navegabilidade do Rio Capibaribe começou em 2013, com valor estimado em R$ 190.021.785,64, tendo R$ 185 milhões de repasse da União e R$ 4.382.963 de contrapartida estadual.
Com o objetivo de desafogar o trânsito do Recife, a conclusão das obras foi prometida para a Copa de 2014, mas estão paralisadas mesmo após gastos de R$ 81.826.738,94 (43% do total).
Por tudo isso, lançamos a questão: podemos nos dar a esse luxo, com o governo do Estado sem ter conseguido tirar do papel o Ramal Agamenon Magalhães do BRT, concluir os corredores de BRT Norte-Sul e Leste-Oeste até hoje?
Podemos nos dar ao luxo de assumir um projeto que terá um custo ainda maior se entrasse em operação quando não conseguimos ampliar ou ao menos cuidar das Faixas Azuis da cidade?
Muito menos avançar com o projeto das Faixas Azuis Metropolitanas? Numa Região Metropolitana que não conseguiu finalizar a licitação das linhas de ônibus?
Leia essa reportagem, feita pela Coluna Mobilidade ainda em 2017, quando o projeto já se arrastava. Nela, foi feito o mesmo questionamento que fazemos novamente agora: Precisamos mesmo do Rios da Gente, o transporte fluvial de massa sonhado por Eduardo Campos?
Precisamos mesmo do Rios da Gente, o transporte fluvial de massa sonhado por Eduardo Campos?
ESTADO CONFIRMA ENGAVETAMENTO DA NEVEGABILIDADE
O governo de Pernambuco confirmou o engavetamento do Projeto Rios da Gente. A razão: o custo das rotas fluviais diante da perspectiva de demanda de passageiros, já em queda no sistema de ônibus. Um retrato que exigirá, com certeza, altos subsídios do poder público.
Principalmente porque a redução de 40%, segundo projeções técnicas do setor, não deverá ser recuperada se grandes mudanças - econômicas, sociais e de operação - não acontecerem.
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Confira o que disse o governo do Estado: “Diante da redução gradativa da demanda no transporte público e da crise econômica que afetou o Brasil a partir de 2014, o investimento no programa foi reavaliado e considerado inviável nos moldes propostos inicialmente”, explica por nota a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco (Seduh).
“Comparando-se os dados de 2021 com a demanda em 2011, por exemplo, o número de passageiros catracados no STPP chegou a menos de 40%, atestando que o equilíbrio financeiro para manutenção de rotas fluviais dependeria significativamente de subsídios estaduais".
"O governo de Pernambuco segue em tratativas com o governo federal para repactuar o investimento feito e se propõe a realizar a execução, em caráter piloto, do trecho Derby-Santana com recursos do tesouro estadual para amortização”.
DINHEIRO GASTO NA NAVEGABILIDADE É PERDIDO
Apesar da decisão do Estado, já foram gastos 43% do total previsto para o projeto. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) estimou um prejuízo de R$ 81 milhões em recursos principalmente da União, durante os dois processos de Auditoria Especial para acompanhamento das obras de implantação dos corredores de transporte fluvial.
Um valor perdido, vale destacar, mesmo que a obra fosse retomada, já que grande parte precisaria ser refeita, como a dragagem do Rio Capibaribe, por exemplo.