MOBILIDADE

Projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe não vai mais sair do papel. Entenda o motivo

Expectativa de retomada das obras do "Rios da Gente" é novamente frustrada. Enquanto isso, órgãos fiscalizadores pressionam e denunciam entes envolvidos no projeto

Imagem do autor
Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 25/06/2022 às 12:00 | Atualizado em 05/07/2022 às 7:40
Notícia
X

Novamente, não se concretizou a previsão do Governo de Pernambuco em retomar as obras da navegabilidade do Rio Capibaribe, prevista para maio. Lançado há dez anos, o Projeto Rios da Gente, que pretendia transportar 300 mil pessoas por mês, teve obras paralisadas em 2016, representando um prejuízo milionário aos cofres públicos. Mas agora, pela primeira vez, o Estado admitiu a inviabilidade do projeto inicial, e o seu engavetamento.

A informação foi dada em primeira mão ao JC, que, findado o prazo para recomeçar as obras, perguntou à gestão se uma nova data seria dada. O governo, todavia, disse que "o investimento no programa foi reavaliado e considerado inviável nos moldes propostos inicialmente diante da redução gradativa da demanda no transporte público e da crise econômica que afetou o Brasil a partir de 2014."

"Comparando-se os dados de 2021 com a demanda em 2011, por exemplo, o número de passageiros catracados no STPP chegou a menos de 40%, atestando que o equilíbrio financeiro para manutenção de rotas fluviais dependeria significativamente de subsídios estaduais", defendeu. 

Ainda assim, o Governo de Pernambuco diz seguir em tratativas com o Governo Federal para repactuar o investimento feito e se propõe a realizar a execução, em caráter piloto, do trecho Derby-Santana com recursos do tesouro estadual para amortização.

Clemilson Campos/Acervo JC Imagem
O governador Eduardo Campos, ainda em 2013, quando assinou a ordem de serviço para construção de estações de embarque e desembarque de passageiros do Projeto Rios da Gente - Clemilson Campos/Acervo JC Imagem

O Rios da Gente, lançado pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), tinha investimento estimado em R$ 190 milhões, sendo R$ 185 milhões advindos da União, e R$ 4,3 milhões dos cofres estaduais - tudo com o objetivo de desafogar o trânsito do Recife a partir do uso de embarcações. O projeto deveria ter sido entregue para a Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil, mas entraves fizeram com que o consórcio Brasília – ETC Projeto Rios abandonasse as obras em 2016, após ter seu pedido de rescisão contratual negado pela Secretaria das Cidades.

Até lá, já tinham sido empregados 43% dos gastos totais previstos - um valor perdido ainda que a obra fosse retomada, já que grande parte delas precisariam ser refeitas, como a dragagem do rio, por exemplo. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) estimou um prejuízo de R$ 81 milhões, cm recursos da União e do Estado, durante os dois processos de Auditoria Especial para acompanhamento das obras de implantação dos corredores de transporte fluvial. 

Ainda, o TCE-PE e o Tribunal de Contas da União (TCU) apuraram uma série de irregularidades no projeto de navegabilidade, que se demonstrou economicamente e tecnicamente inviável desde o início. Isso porque ele transportaria aproximadamente 10.400 passageiros por dia no Corredor Oeste e 3 mil passageiros por dia no Corredor Norte por um alto custo de operação, e precisava da cessão de um terreno da Marinha e da desapropriação de uma área repleta de palafitas no Bairro dos Coelhos, Centro da cidade - o que não foi feito.

JC IMAGEM
Local onde seria a construída uma das estações fluviais do projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe, por trás do Parque Santana, em Santana, Zona Oeste do Recife - JC IMAGEM

“A paralisação interferiu na liberação dos recursos da União, que terminou por suspender os repasses das verbas para o empreendimento, situação que permanece até os dias atuais. Ademais, existe a possibilidade de o Estado de Pernambuco ter de vir a restituir todos os recursos federais recebidos, caso o TCU assim venha a decidir no processo instaurado para analisar o projeto”, argumentou a conselheira Teresa Duere, durante o voto das auditorias.

Mesmo com tais entraves, a União e a Caixa liberaram os recursos para a execução, o que a procuradora federal Silvia Regina Pontes Lopes considerou uma “grave conduta”, porque estas seriam “pendências importantes e não superadas”. Por isso, os órgãos são alvos de uma Ação Civil Pública pleiteada pelo Ministério Público Federal (MPF), que pede pela criação de mecanismos que permitam a liberação de recursos públicos somente quando for constatada a viabilidade de projetos.

“As condicionantes pré-conhecidas pelos entes envolvidos (União, Caixa Econômica e Estado de Pernambuco) simplesmente não foram cumpridas. Os recursos aplicados foram desperdiçados. A situação absurda incide em outras hipóteses de paralisação de obras financiadas com recursos públicos país afora. É a sistemática do desperdício de recursos federais que o MPF pretende evitar com a ação proposta”, afirmou a procuradora.

Sobre a ação, a Justiça Federal em Pernambuco (JFPE) informou que ainda não há decisão no processo, e que a União e a Caixa foram intimadas para serem ouvidas.

A Advocacia Geral da União disse ter apresentado “manifestação inicial pelo indeferimento da liminar por entender que os requisitos legais para concessão da tutela de urgência requerida pelo Ministério Público Federal não foram atendidos”. Ainda, afirmou que, até o momento, não há decisão do juízo sobre esse ponto, e que apresentará sua defesa de mérito na fase processual adequada.

Já a Caixa Econômica Federal esclareceu que ainda não foi citada sobre a ação do MPF e que "eventuais manifestações serão feitas nos autos". Confira nota completa:

"Inicialmente, a CAIXA esclarece que atua na condição de Mandatária da União nos contratos de repasse que utilizam recursos do Orçamento Geral da União (OGU), conforme requisitos estabelecidos pelo Ministério Gestor de cada Programa e na Portaria Interministerial nº 424, de 30 dezembro de 2016.

Em relação ao projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe, o Termo de Compromisso (TC) 0413.177-60/2013 possui como objeto execução de “Corredores de Transporte Público Fluvial”. Este TC foi firmado entre a então Secretaria das Cidades do Estado de Pernambuco (atual Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Pernambuco) e o Ministério das Cidades (atual Ministério do Desenvolvimento Regional), atuando a CAIXA Econômica Federal como Mandatária da União.

A CAIXA destaca que o referido TC encontra-se em processo de Tomada de Contas Especial (TCE) no Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com decisão proferida por Acórdão, em 31/05/2022, o Estado de Pernambuco poderá solicitar a rescisão para a subsequente extinção do Termo de Compromisso e a integral devolução à União dos valores federais já repassados. Assim, a CAIXA aguarda que o Estado adote as providências necessárias em face da decisão do TCU.

Por fim, em relação à mencionada ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, oriunda do Inquérito Civil Público n. 1.26.000.001206/2019-11, a CAIXA informa que ainda não foi citada e que eventuais manifestações serão feitas nos autos."

TCE-PE determinou que partes devolvam valores

O TCE-PE determinou em junho de 2021 que fossem devolvidos aos cofres públicos a quantia de R$ 271 mil pelo ex-secretário das Cidades do governo Eduardo Campos (PSB), Danilo Cabral, pelo ex-secretário executivo de Projetos Especiais José de Anchieta Gomes Patriota e pelas empresas ATP Engenharia e Projetec (atual TPF Engenharia).

Além deles, o gerente de Obras, Sílvio Roberto Caldas Bompastor, e as empresas ATP e Projetec deverão ressarcir o débito conjunto de R$ 134 mil. Por fim, um débito no valor de R$ 23 mil foi imputado solidariamente ao gerente geral de Obras, Alexandre Chacon Cavalcanti, ao ex-secretário executivo de Projetos Especiais Ruy do Rego Barros Rocha e, também, às empresas ATP e Projetec.

No entanto, todas as partes recorreram, e os processos seguem tramitando e aguardando julgamento.

O que previa o Projeto Rios da Gente?

O Projeto Rios da Gente pretendia implementar duas rotas fluviais, que deveriam atender 300 mil pessoas por mês. A primeira seria o corredor Oeste, com 11 quilômetros, que iria da Estação Central do Metrô até a BR-101, na Iputinga, com estações nos bairros do Derby, Torre e Santana.

TIÃO SIQUEIRA/JC IMAGEM
Rio Capibaribe contaria com estações fluviais que atenderiam 300 mil pessoas por mês, desafogando a mobilidade viária do Recife - TIÃO SIQUEIRA/JC IMAGEM

A segunda, o corredor Norte, que, com 2,9 quilômetros, teria estações na Rua do Sol e outra no encontro do Rio Capibaribe com o Rio Beberibe, próximo ao Shopping Tacaruna.

Em cada estação, seriam construídas três plataformas de embarque e desembarque, além de lojas, bicicletário e estacionamento. As 13 embarcações seriam climatizadas e teriam capacidade para 86 passageiros sentados a uma velocidade de 18 km/h. Ademais, seriam integradas a estações de ônibus e de metrô, com pagamento de apenas uma passagem.

Tags

Autor